A subsunção e o ato jurídico perfeito: explanação acerca das súmulas contra legem

Resumo                                       

Prestar ou emprestar uma definição ao direito é o mesmo que buscar descrever o seu próximo: é ter ciência e consciência de si próprio até o outro – Fleuma pelo outro e paixão pelo direito. Paixão, que etimologicamente não se encontra exclusivamente ligada ás coisas que nos envolvem, mas também a tudo que nos inquieta; da qual arriscamos concluir ser o direito uma ciência apaixonante…

É razoável que o direito enquanto percepção de equilíbrio, exercício da ética e esperança de justiça permaneça na ideologia do dever ser, tornando legítima toda e qualquer medida capaz de prover consenso. Inviolável, no entanto, é “aquele” para o qual o raciocínio não encontre controvérsias na busca incessante de não rotular, perante sugestionado leque juridicamente farto. De modo inverso, contrário senso, o cuidado de não igualar injustamente os róis da tipificação bem como a eficácia á leis vigentes e em desuso, se sobreveríam dignas; caso façam-se inquestionáveis.

Objetivamos com o presente artigo ressaltar no direito o que nele se extrai de melhor: Uma ciência justa, pautada no princípio da isonomia, tendo como primado “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualem” ² (grifo nosso)Parece-nos oportuno fazer alusão ás súmulas, com especial atenção á aquelas enquadradas como verdadeiramente contra legem que a priori, surtem mais eficazes ao judiciário – não necessariamente á justiça.

Perante a necessidade de prover a uniformidade dos julgados e alcançar maior segurança jurídica, sem deixar de atender ao preceito do Art 5°,II,CF que tem na lei o seu principal fundamento, torna-se impreterível a sua análise sob a ótica penal já que na prática as súmulas vieram a assumir um caráter um tanto imediatista, servindo de fundamento á última palavra a cerca da decisão.  A adoção á súmula, no entanto, não extirpa a possibilidade que decisões contra legem permaneçam validamente no mundo jurídico, pelo contrário; poderá servir de fator multiplicador de injustiças, retirando do direito a sua especificidade.

Palavras chave: Hermenêutica. Súmulas. Súmulas contra legem no direito penal.

1-Introdução; 1.2-Súmulas: Ponderação e instrução para esses instrumentos; 1.3-Quando a lei vai contra o direito.

Introdução

Diante das mais variadas polêmicas as quais pode o direito suscitar – característica de uma ciência rica da qual a abrangência não se exime e cuja eficácia fraciona no tempo, refutada quando incompatível com a realidade social – quiçá questionável; uma vez “criadas por homens e não deuses”, faz necessárias tais indagações; arrebatadas pela compreensão e mais precisamente pela intenção da lei.

Estaríamos livres a optar pela mens legis ou mens legislatoris? Fazer da lei um legítimo instrumento de transformação social, buscando nela calçar a efetividade a que se presta, incorreria a infração de algum artigo?O que restaria pensar, no que toca as leis á luz de sua época que se aplicadas hoje, soariam ridículas? Qual a conseqüência jurídica da aplicação da norma diante tamanha inflação legislativa?

O que se espera, é que o resultado da aplicação de determinada norma conduza a resultados moralmente desejáveis, satisfazendo uma pretensão de justiça. Se é certo que o legislador não utiliza a palavra em vão, é aceitável que perante uma sociedade pluralista como a moderna, entre a vontade da lei e a do legislador prevaleça a vontade da lei; sendo este, o entendimento da majoritária doutrina. Diante disso, estaríamos sucumbe a ânimos?

Pergunto: Retirar o humanismo do direito sob o argumento de que somos todos falíveis, faz de nossa controvérsia algo libertino? Tornar o caso concreto absoluto e exteriorizado faria “fincar os pés” ao absolutismo da escandalosa França do século XVIII, tornando o processo mera formalidade?

No mais das vezes o direito tem nos mostrado nas suas diversas searas, mecanismos pelos quais se possa alcançar a verdade, quer pelo fato de muitas das relações jurídicas por terem de atender aos ditames legais e desejando burlá-las, vem a sedimentar-se sob uma falsa chancela (o uso do princípio da primazia no que toca ás relações jurídicas); quer porque o crime evolui junto com a lei; exigindo da integração um maior esforço, com a ressalva, ás penas que descrevem crimes e impõe sanções.

Lembro a vocês que é vedada a analogia em direito penal; razão pela qual nos deparamos com a chamada norma penal em branco. Não se entende afastavel em nenhum momento, sob nenhuma hipótese o primado da legalidade, pois como reza o Art 5°,II,CF:

Art 5°,II,CP – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.

Súmulas: Ponderação e instrução para estes instrumentos.

As súmulas ganham destaque ao buscar refrear a discricionariedade interpretativa passível de toda a lei; melhor dizendo, o tratamento ao direito material apreciado de forma divergente nas câmaras e tribunais superiores; “em bolsa de mulher e cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair”- não é assim que diz o ditado popular? Parecem laborar para a efetiva justiça e há de entender ter seu fim, todo o escárnio voltado á visão elitista reservada ao judiciário, já que  oportunamente se fazem mantedoras do controle de constitucionalidade de determinada matéria.

Conhecidas como jurisprudência, podem ser descritas como o conjunto de decisões, sendo entendidas como a linha que um determinado tribunal segue para tratar de um tema específico. Diferem-se das orientações jurisprudências (mais simples e atinentes á seara trabalhista) Uma vez editadas, sua alteração ou cancelamento se dará por um processo muito mais aprofundado no tribunal onde se originou.

A polêmica que rodeia a edição das súmulas se dá pelo fato de ordenamentos jurídicos complexos apresentarem vez ou outra, conflitos entre normas ou entre normas e princípios; e nesse caso, quando vencida, algumas delas se realizariam em detrimento da lei, sobrevindo súmulas inconstitucionais denominadas “contra legem”.

Embora idealizadas desde a década de 60, ainda hoje repercutem discussões sobre a possibilidade de tornarem-se ou não objeto de ADI. Cada vez mais presentes e com a mesma atenção que se dá a uma norma; ainda que não lhe seja dado o caráter jurídico de uma norma, não lhes são cabíveis argüições de descumprimento de preceito fundamental, pois lhes carece caráter normativo, conforme resolução da ADPF n° 80 julgada pelo Supremo.– Somente os legitimados que constam do artigo 3º da Lei 11.417/2006, é que podem propor a sua edição e o seu cancelamento.

Quando vinculantes, após a aprovação por no mínimo oito ministros e a publicação no Diário de Justiça Eletrônica, criadas pela Emenda Constitucional (EC) 45/04,dentre tantas outras melhorias, são atinentes á questões examinadas nas instâncias inferiores e terão o condão de tornar obrigatória a sua aplicação, pacificando o seu entendimento e servindo de veto á subsunção do juiz – embora defendam o que o ato jurídico perfeito sequer fora violado, conforme redação da supramencionada Emenda, a qual é regulamentada pela referida lei  11.417/2006 :

[…]“terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (parágrafo 1o do artigo 103-A).

O caso concreto seria aquele sumulado, bastando por si só o seu enquadramento.

Se o direito já repousa vinculado, não mais se produz o direito, a sentença teria por tanto um aspecto caricativo, não mais será possível alterar a maneira como se interpreta e se aplica uma lei, o que limitará a interposição de recursos. No entanto, quando elas beneficiam, todos os ramos do direito vão buscar sua validade no direito constitucional. Vai gerar a coisa julgada, terá seus efeitos erga omnes e porque não dizer, retroativos – se satisfeita talvez a única exceção em direito penal: o príncípio in bonan partem, a retroatividade, quando em benefício do réu.

São poucos os julgamentos anulados por conta da retroatividade da lei no que toca ao uso de algemas. Não nos parece cabível que centenas de julgamentos sejam decretados nulos; validado os seus efeitos, mas deixam-nos  á margem de questionar a  sua conveniência. De qualquer forma, uma vez uniformizados, ainda que não se discuta a justiça da decisão, a celeridade estaria mais próxima de ser alcançada e o senso de justiça bastaria preenchido.

1.3 “Quando a lei vai contra o direito”                                 

As súmulas não são leis, mas é necessário que se compreenda que há súmulas capazes de ir contra o direito com a mesma inércia que uma ação realiza uma norma.Tomemos como exemplo as súmulas sem efeito vinculantes.

Importante lembrar que respondendo o agente na medida de sua culpabilidade, sendo o  direito algo especifico, consequentemente variável e relativo por tanto; cujo molde se realiza através da subsunção do Juiz; a adoção facultativa pelo magistrado (cuja inobservância faz pensar ter o juiz o respaldo no Art. 5 LINDB  promovendo a justiça para atingir ao fim social e as exigências do bem comum), remete-nos áTeoria do Direito de Ronald Dworkin para a chamada Textura Aberta do Direito.

Poderá o juiz decidir diferente, adotando ou não a súmula, levando ou não o fato ao STJ, levando ou não ao Supremo e, de alguma forma, o direito e a liberdade das pessoas restaria cerceado.  A idéia não é trazer críticas a ratio penal, mas ressaltar a sua finalidade qual seja, a uniformização dos julgados.  Qual é a distancia, o discernimento, a linha tênue da qualidade do que lhe é facultativo e discricionário? E qual é a conseqüência, juridicamente falando?

São minoria as súmulas ditas contra legem em direito penal, súmulas estas que podem ser aplicadas com a maior tranquilidade pelos tribunais. Pouquíssimas, se comparadas dentre as várias 736 aplaudidas súmulas, distribuídas em suas diferentes justiças. Todos os tribunais possuem súmulas ou enunciados as quais atendem por um número sequencial. Digo que são poucas, mas friso que são várias – e isso ofende; fere a legalidade.

Importante lembrar que em se tratando de direito penal, o agente sempre responderá na medida de sua culpabilidade. Razão pela qual fora afastada do ordenamento a teoria da imputação objetiva, que atinha-se somente ao resultado final, sem levar em conta o nexo de causalidade. Logo, se o agente desferisse 6 (seis) tiros contra a vítima e a mesma viesse a falecer por conta do desabamento do teto do hospital em que se instalara, o mesmo ficaria impune – ainda que notória a intenção de matar, pois a causa da morte não seria em razão dos tiros desferidos contra ela e sim o traumatismo craniano provocado pela ação do desabamento.

Atendo-se somente ao resultado exposto por essa teoria, aquele que concorresse para o crime, mas o fizesse perante atividade lícita, ex- assar um bolo com uma faca em seu interior, também ficaria impune, uma vez que assar um bolo é uma atividade lícita, não configurando crime. Por razões óbvias, essa teoria fora definitivamente superada. –

É necessário ponderar que perante as mais variadas formas pelas quais o ius puniendi tem se incorporado no decorrer da história e evoluído, no que toca aos suplícios e as penas corpóreas – o desafio de manter-se em equilíbrio ainda é uma realidade em épocas de população carcerária, a considerarmos “ser os poderes independentes e harmônicos entre si”. Essas reformas tão aludidas e comentadas das quais hoje mais do que normas ou princípios, conflitam valores, imputam-nos no esforço de conceituá-las.

Se a impunidade choca, o esperado é que seu exagero provoque semelhante furor (pelo menos em um estado democrático de direito) e por isso, atendendo ao princípio da razoabilidade, iniciaremos fazendo menção á súmula n° 610 do Supremo no que toca ao crime de latrocínio:

STF Súmula n° 610- Há crime de latrocínio quando o homicídio se consuma ainda que não realize o agente a subtração dos bens da vítima.

Sabemos que o latrocínio é um crime complexo, realizado pela ação de roubo (art 157 CP) qualificado pelo resultado morte (Art 121CP). A lei fora revogada? Não. Crimes de homicídio e latrocínio atendem a mesma execução? Não. O tratamento punitivo para ambos os tipos de crime é o mesmo? Definitivamente não!

A adoção a essa súmula além de ferir o princípio da legalidade, parece contrariar por completo o Art.14 CP, que caracteriza o crime consumado quando realizados todos os elementos de sua definição legal, quais sejam, a subtração e o resultado morte; caso contrário, estaríamos diante de um crime tentado ou somente um homicídio.

Notem que com a edição da referida súmula o ilícito penal configurado no Art.157 CP fora suprimido, “transtornando” o tipo penal. Sendo assim, um crime contra o patrimônio passaria a ser considerado um crime contra a vida. Seria esse crime levado a júri? A resposta é não.

STJ Súmula nº 174 – no crime de roubo, a intimidação com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena.

Não se pretende discutir a genuinidade de sua criação. Não é preciso descrever o que é medo, nem necessário explicar a violência e submissão que o medo impõe.  Devemos nos ater para as conseqüências de sua aplicação que é o aumento de pena.

Não se pode confundir uma arma com um brinquedo pela simples razão de que armas de brinquedo não matam.  O que “fizeram” com a teoria finalista da Ação que considera primordialmente a intenção do agente? De um lado a intenção de fundado temor, de outro… Não trataria este de um crime impossível?Ao analisar a justiça que esta súmula pretendia alcançar, perguntamos: sob a ótica de quem? A doutrina criticou em peso e a citada súmula teve seu cancelamento no ano de 2000.

STJ Súmula n° 231 – A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. –

Sabemos que diante a dosimetria da pena, a pena base que não tem quantun de lei, não poderá ir além (acima) ou aquém (abaixo) da escala penal. Caberá ao juiz decidir, diante as circunstâncias Judiciais, as circunstâncias legais, bem como as causas de aumento e diminuição de pena, valorar e fixar a pena mediante a análise criteriosa e específica perante o caso concreto, sendo a conduta do agente (que atenderá a critérios etários, psíquicos e sociais, antes, durante e após o crime) fundamental e determinante. O direito como resultado meio, nunca como resultado fim.

Vejamos por exemplo o cometimento de um furto simples, cuja escala penal estabelece pena de 1 a 4 anos. Um furto simples praticado sem violência, cuja a lei permite, satisfeitos tais requisitos, a possibilidade de um hipotético arrependimento posterior e, nesse caso, a redução da pena ( Art 16 CP) que ao reparar o dano tornaria este crime de formal um crime de mera conduta e que, tendo o agente menos de 21 anos, serviria de fator ensejador a uma atenuante. – Esse é o raciocínio.

Surge o entendimento do STJ ao editar uma “súmula fim” que escandalosamente põe fim ao que reza o Art. 65 CP ao ignorar as várias enumeradas causas que sempre atenuam a pena, como já pretendera demonstrar o legislador, a evitar que o direito venha a recair sobre determinada clientela. Notem a mácula ao sistema trifásico. Súmula elitista, indiscutivelmente contra-legem.

STF Súmula n° 11- Uso de Algemas, restrições, Responsabilidades do Agente e do Estado – Nulidades

Súmula vinculante que talvez seja a mais atacada, a que mais provoque celeumas, quer em sua defesa quer em sua crítica, quer pela reação do réu, quer porque a mídia a noticie como constrangedora usurpando do direito, conclusões fundadas como ofensivas ao princípio da dignidade da pessoa humana. Acusam seu estereótipo, contestam seus estigmas, aludindo a uma justiça ora repressora, – o agente incapacitado de se mover, preso antes mesmo da sentença…um escândalo!  Ora debochada, o agente cruzando os braços e estufando o peito, rindo, acenando, livre para atuar dolosamente contra o juiz, caso queira, se condenado, quando perigoso…um absurdo!

O Entendimento é íngreme, pois não se pode algemar, restando feridos princípios constitucionais, ainda que em respeito á coletividade que em tese, prevaleceria, o que poria abaixo o in dúbio pro réu, além de influenciar o júri, que no mais das vezes gera a coisa material julgada. A revisão criminal é a exceção e o direito pode sim balizar-se em excludentes, não devendo nunca desviar-se.  A presunção da inocência é estabelecida como regra para a prática de determinado delito e deve ser observada ao acusado, sendo um princípio de ordem constitucional.

Art. 5° LVII, CF –  Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Expostas tais divergências, deixamos sob a égide do direito a súmula em seu aspecto reformador, não inquisidor. Que sejam elas capazes de arrancar críticas, sinal de que o direito possa ainda repousar unânime, clamado e reclamado, reformulado e urgente. A intenção não é revelar um fim ou desvendar uma finalidade, é respeitar a súmula com a cautela que exige -cientes de sua força, com a observância á inevitável e influente volúpia que ao homem sempre se consome, como característica.

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BIBLIOGRAFIA

[1]CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978, p.225.

Dworkin Ronald, Levando o direito a Sério.1° Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

Paulo, Digesta, 22.3.2

Rogério Greco, A evolução do direito penal, disponível aqui.

Toledo, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5° Ed.São Paulo: São Paulo

Érika Barion Bacellar
Acadêmica do 8 período do Curso de Direito pela Faculdade de Ciências e Letras Dr. Edmundo Ulson – UNAR
erikabarbac@yahoo.com.br

O Excesso de Prazo e a Relativização das Súmulas 21, 52 e 64 do Superior Tribunal de Justiça

Cada caso submetido a exame perante o Estado-Juiz, por conclusão, deve ter uma solução particularizada, adequada àquela específica situação, partindo-se sempre do pressuposto de que o Estado é obrigado a garantir todas as condições sociais para que as pessoas vivam dignamente, o que importa no binômio da máxima distribuição de direitos sociais com o mínimo de intervenção do Direito Penal. A frustração das garantias sociais, a toda evidência, não pode levar ao socorro da mera aplicação das sanções penais, como costumeiramente é feito pelo legislador brasileiro, hipótese em que, antes de mais nada caberia intervenção do Estado-Juiz, não para punição do cidadão, mas para cobrança, exigência e responsabilização do Estado-Administração. (TEOTÔNIO, Paulo José Freire. TEOTONIO, Silvio Henrique Freire. Ponderações sobre a Razoabilidade e a Proporcionalidade na Aplicação do Direito Penal. In Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Magister, 2009. Vol. 31. ago/set de 2009. p. 68/69).

As súmulas nada mais são do que orientação jurisprudencial sobre uma determinada matéria. Surgiram com a ideia de uniformização da jurisprudência, a fim de especificar à comunidade jurídica a interpretação reiterada de determinado Tribunal sobre um assunto específico. Não possuem caráter vinculante (exceto as súmulas vinculantes do STF, por óbvio), servem como base e de orientação sobre a interpretação jurídica de uma matéria e, geralmente, é seguido pelas instâncias inferiores.

No início dos anos 90 do século passado, o Superior Tribunal de Justiça elaborou três enunciados de súmulas, em relação ao excesso de prazo e o constrangimento ilegal: quando não se configuraria o excesso de prazo no processo penal.

Primeiramente, importante ressaltar que a Emenda Constitucional 45 de 2004, inseriu no artigo 5º da Constituição (portanto, cláusula pétrea) a garantia da duração razoável do processo e de todos os meios que garantam a sua celeridade na tramitação (inciso LXXVIII). Esse princípio já estava positivado por ocasião do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, artigo 8º, 1 e artigo 25, 1).

Sobre o assunto, Luiz Flávio GOMES e outro ensinam que “A garantia de ser julgado dentro de um prazo razoável (…) compreende, desde logo, a de ser ouvido (também) em um prazo razoável. (…) Não se pode postergar (ou protelar) desarrazoadamente essa oitiva, sobretudo quando se trata de acusado preso. O excesso de prazo na oitiva do acusado preso pode conduzir ao relaxamento da prisão, que se torna ilegal”. (Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Direito Penal. Vol. 4. São Paulo: RT, 2008. p. 76).

José Afonso da SILVA (Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 432) vai além. Ao interpretar o artigo constitucional citado, leciona que o prazo deve ser verificado de acordo com a proporcionalidade, porém com parcimônia, a fim de não deixar margens muito abertas à interpretação:

De fato, o acesso à Justiça só por si já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado – mas crônica morosidade do aparelho judiciário o frustrava; daí criar-se mais essa garantia constitucional, com o mesmo risco de gerar novas frustrações pela sua ineficácia, porque não basta uma declaração formal de um direito ou de uma garantia individual para que, num passe de mágica, tudo se realize com declarado. Demais a norma acena para a regra da razoabilidade cuja textura aberta deixa amplas margens de apreciação, sempre em função de situações concretas. Ora, a forte carga de trabalho dos magistrados será, sempre, um parâmetro a ser levado em conta na apreciação da razoabilidade da duração dos processos a seu carto. (…) A garantia de celeridade de tramitação dos processo constitui um modo de impor limites à textura aberta da razoabilidade (…).

Por outro lado, é sabido que o “excesso de prazo dever ser interpretado à luz do princípio da razoabilidade, ou seja, os prazos não podem ser computados aritmeticamente, devendo levar em conta as peculiaridades do caso” (JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. 23. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 335).

Pois bem. Voltando ao tema.

Dispõe as súmulas 21, 52 e 64 do STJ, respectivamente, que não há constrangimento ilegal o excesso de prazo: a) após pronunciado o réu, sobre o excesso de prazo na instrução; b) após encerrada a instrução criminal e c) aquele provocado pela defesa.

Embora tais súmulas ainda sejam aplicadas hodiernamente, não podem ser consideradas de forma absoluta, sob pena de transgredir os mais comezinhos princípios constitucionais e de direito processual penal, em especial o princípio da razoável duração do processo, da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme citado acima.

A súmula 21 do STJ descreve que “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo da instrução”. A regra, portanto, é que após a pronúncia, não há que se falar em constrangimento ilegal (passível de habeas corpus/relaxamento) por excesso de prazo. Contudo, o próprio Tribunal Superior admite a sua mitigação, quando, por exemplo, há descaso motivado pelo juízo. Vejamos (na parte que nos interessa):

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. (…) EXCESSO DE PRAZO. INEXISTÊNCIA. (…) 3. A teor da Súmula n.º 21 desta Corte, “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.” 4. Somente se cogita da existência de constrangimento ilegal quando o excesso de prazo for motivado pelo descaso injustificado do juízo, o que não ocorreu na presente hipótese. (…). (STJ. HC 139723 / PR. Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 15/03/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 28/03/2011).

HABEAS CORPUS(…). EXCESSO DEPRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. PRISÃO HÁ MAIS DE 6 (SEIS) ANOS. RÉU PRONUNCIADO HÁ MAIS DE 5 (CINCO) ANOS.SÚMULA 21/STJ. AFASTAMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Segundo pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, a configuração de excesso deprazo na instrução não decorre de soma aritmética deprazos legais. A questão deve ser aferida segundo critérios de razoabilidade, tendo em vista as peculiaridades do caso. Assim, a complexidade do feito, o grande número de acusados, a necessidade de expedição de precatórias podem justificar maior delonga processual. (…) 3. Mesmo considerando todas essas circunstâncias, não há como fugir da constatação da existência de constrangimento ilegal, decorrente de violação ao preceito constitucional da duração razoável do processo. De se ver que, na espécie, a prisão cautelar perdura há mais de 6 (seis) anos. 4. Conquanto já haja pronúncia, não deve ser aplicada aSúmula 21desta Corte, pois esta decisão foi proferida há mais de 5 (cinco) anos e, pelas informações obtidas junto à Vara de origem, não existe previsão de data para a realização do julgamento.(…). (STJ. HC 74852 / PE. Relator(a) Ministro OG FERNANDES (1139) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 05/10/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 25/10/2010).

o mesmo sentido, vide: HC 94.783/BA (Rel. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 30.06.2008), HC 53.302/SP (Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJ 10.03.2008), HC 67.517/SP (Rel. Laurita Vaz, DJ 17.12.2007) e HC 71.641/SP (Rel. Laurita Vaz, DJ 03.12.2007).

Ainda, sobre o assunto, o Tribunal de Justiça do Paraná já decidiu de forma parecida:

HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO -PRONÚNCIA – ABERTURA DE VISTA AO PARQUET PARA APRESENTAR CONTRA-RAZÕES AO RECURSO DO CO-RÉU – AUTOS EM CARGA COM A ACUSAÇÃO POR MAIS DE CINCO MESES POR ACUMULO INVOLUNTÁRIO DE SERVIÇO – MAZELA NÃO IGNORADA, MAS QUE NÃO PODE PREJUDICAR O RÉU – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO – ORDEM CONCEDIDA. (TJPR. HC 626.583-6. Rel. Luiz Osório Moraes Panza. 1ª Câmara Criminal. Data do Julgamento 01/12/2009. data da publicação 04/12/2009. DJ n.282. Acórdão n. 27045)

Com relação à Súmula 52, “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”. Não obstante a regra geral de que após finda a instrução não há constrangimento ilegal, ante a aplicação do princípio da proporcionalidade e razoabilidade, é possível verificar que essa súmula também é mitigada/relativizada.

Conforme ensina Roberval Rocha FERREIRA FILHO e outro, “O constrangimento permitido pela lei torna-se, no entanto, ilegal, quando se constata que os prazos procedimentais não são observados pelo próprio Estado. Configura grave injustiça submeter qualquer pessoa à privação de sua liberdade por tempo maior que o devido, em razão de não se conseguir realizar os atos processuais penais dentro dos prazos legalmente estipulados. (…)”. E continua “Cabe salientar que tal conclusão somente pode ser aplicada aos casos em que as razões da demora possam ser atribuídas às falhas de atuação dos órgãos estatais” (Súmulas Superior Tribunal de Justiça. Organizadas por Assunto, Anotadas e Comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009. P. 501/502).

Assim, é possível concluir que a súmula 52 também deve ser aplicada com moderação, levando sempre em consideração o caso concreto e de acordo com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

Nesse sentido, eis os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, permitindo o reconhecimento do constrangimento ilegal pelo excesso de prazo mesmo após encerrada a instrução criminal:

HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. OCORRÊNCIA. SUPERAÇÃO DA SÚMULA Nº 52 DO STJ. MEMORIAIS APRESENTADOS HÁ QUASE OITO MESES. SENTENÇA NÃO PROLATADA. FEITO QUE AGUARDA A REGULARIZAÇÃO DA DEFESA DE UM CORRÉU. NECESSIDADE DE DESMEMBRAMENTO. ORDEM CONCEDIDA, COM RECOMENDAÇÃO. 1. É evidente o constrangimento ilegal a que se encontra submetida a paciente se sua custódia cautelar perdura por quase 1 ano e 9 meses e ela já apresentou memoriais há quase 8 meses, sem que fosse proferida a sentença. Se a demora decorre da necessidade de regularizar a defesa de um corréu, o feito deveria ter sido desmembrado. 2. Não se pode admitir que a paciente permaneça custodiada por quase oito meses, após a apresentação de memoriais, sem a prática de qualquer ato processual, vale dizer, com o feito totalmente paralisado com relação a ela. A flagrante ilegalidade autoriza a superação do óbice previsto no enunciado nº 52 da Súmula desta Corte. 3.  Fere o princípio da razoabilidade adiar a prestação jurisdicional de todos os coautores, preservando suas custódias provisórias, em razão da demora ocasionada pela defesa de apenas um deles. Recomendação de ofício no tocante aos corréus que já apresentaram memoriais. 4. Habeas corpus concedido para que a paciente seja colocada em liberdade, devendo assinar termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação, com a recomendação de que o processo seja desmembrado quanto aos réus que já apresentaram memoriais. (STJ. HC 179955 / SP. Relator(a) Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE) (8195) Relator(a) p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 04/11/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 17/12/2010).

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DE PRAZO. (…) 2. DELONGA INJUSTIFICADA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PACIENTE PRESO PROVISORIAMENTE HÁ MAIS DE 2 (DOIS) ANOS. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 3. ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. AUTOS AGUARDANDO HÁ 9 (NOVE) MESES A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. SÚMULA N.º 52. EXCEPCIONALIDADE. 4. PROCESSO PRONTO PARA JULGAMENTO. JUSTIFICATIVA PARA A PARALISAÇÃO DO FEITO. INEXISTÊNCIA(…) 2. Transcende ao princípio da razoabilidade a delonga, não ocasionada pela defesa, na prestação jurisdicional. In casu, prisão provisória que perdura há quase 3 (três) anos. 3. Não obstante o encerramento da instrução processual, a Súmula n.º 52 desta Corte não impede o reconhecimento do excesso de prazo nos casos em que se fere a proporcionalidade e a razoabilidade, eis que vigora a previsão garantista da realização do processo em tempo hábil, ainda mais quando verifica-se que o processo encontra-se há 9 (nove) meses no aguardo da prolação da sentença. 4. Não há nos autos elementos aptos a justificar a paralisação do feito, eis que o processo encontra-se pronto para o julgamento.(…) (STJ. HC 131071 / BA. Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 17/12/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 22/02/2010)

No mesmo sentido, vide: AgRg no HC 140556 / PR (Rel. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 22.02.2010), HC 114494 / RJ (Rel. Haroldo Rodrigues, DJ. 16.11.2009) e HC 135308 / CE (Rel. Jorge Mussi, DJ 30.11.2009).

Por fim, quanto à súmula 64, cujo enunciado descreve que “Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa”, também, sua aplicação não é absoluta. Embora a origem da súmula venha da máxima de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, há casos em que se configura o excesso de prazo provocado exclusivamente pela defesa.

Aqui, vale a pena tecer o comentário de que a utilização de todos os meios necessários (e recursos admitidos legalmente em favor do réu) não pode ser considerada como provocado pela defesa (a não ser, aqueles manifestamente protelatórios). A utilização de todos os instrumentos e recursos necessários e possíveis – previstos em lei – faz parte do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa. Culpar o acusado (ou a sua defesa) pela utilização de meios e recursos legalmente admissíveis é ignorar o Estado Democrático de Direito.

Note-se também que somente é aplicada a referida súmula no caso de o excesso de prazo ser provocado exclusivamente pela defesa. A propósito, confira-se o aresto do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:

HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. PACIENTE PRESO HÁ MAIS DE TRÊS ANOS. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO POR AMBAS AS PARTES. DEMORA NÃO ATRIBUÍVEL SOMENTE À DEFESA. AFASTAMENTO DA SÚMULA 64/STJ. ORDEM CONCEDIDA. 1. A configuração de excesso de prazo na instrução deve ser aferida segundo critérios de razoabilidade, considerando as peculiaridades do caso. Assim, a complexidade do feito, o grande número de acusados, a necessidade de expedição de precatórias pode justificar uma maior delonga processual. (…) 3. Conquanto a defesa também tenha contribuído para a delonga na instrução processual, ao requerer a realização – e complementação – de perícia, deve ser afastada a aplicação da Súmula 64 desta Corte, pois o excesso não pode ser creditado somente a ela. (…) (STJ. HC 111197 / SP. Relator(a) Ministro OG FERNANDES (1139) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 17/03/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 06/04/2009).

Assim, recapitulando, vimos que as súmulas não possuem efeito cogente/imperativo (obviamente, exceto as súmulas vinculantes). São informativas, e descrevem a interpretação reiterada (e pacífica, com fins de uniformização) de determinado tribunal sobre o assunto específico.

Também, que a Constituição Federal possui princípios (como da duração razoável do processo, da razoabilidade e da proporcionalidade) que devem nortear sempre a aplicação das súmulas 21, 52 e 64 do Superior Tribunal de Justiça, pois não têm caráter absoluto.

Desta forma, o excesso de prazo, seja após a pronúncia do réu, seja após o encerramento da instrução probatória, ou mesmo diante da utilização de recursos pela defesa, deve ser interpretado pelo magistrado de acordo com o caso concreto, levando em consideração as circunstâncias de cada fato. Afinal, a morosidade estatal, em que pese histórica, não pode ser utilizada em desfavor do réu.

Frise-se ainda que “A Administração Pública está obrigada a garantir a duração dos processos em tempo razoável, ainda quando a dilação se deva a carências estruturais da organização judicial. A insuficiência dos meios disponíveis ou o imenso volume de trabalho que recai sobre determinados órgãos judiciais pode isentar os juízes da responsabilidade pessoal pelos atrasos, mas não a Administração Pública” (KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. Salvador: Jus Podivm, 2009. P. 250 – item 16).

Portanto, em que pese as orientações sumuladas do Superior Tribunal de Justiça, deve o julgador criminal analisar cada fato isoladamente, de acordo com as suas particularidades e os princípios norteadores (razoável duração do processo, proporcionalidade e razoabilidade). Não deve ignorar que o tempo é relativo (para quem está preso e para quem está solto) e que a prisão processual/cautelar é exceção, e não regra.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível www.stj.jus.br/SCON/ Acesso em 26 de julho de 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em www.tjpr.jus.br Acesso em 02 de agosto de 2011.

FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. E outro. Súmulas Superior Tribunal de Justiça. Organizadas por Assunto, Anotadas e Comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009.

GOMES, Luiz Flávio. E outra. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Direito Penal. Vol. 4. São Paulo: RT, 2008.

JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. 23. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. Salvador: Jus Podivm, 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

TEOTÔNIO, Paulo José Freire. TEOTONIO, Silvio Henrique Freire. Ponderações sobre a Razoabilidade e a Proporcionalidade na Aplicação do Direito Penal. In Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Magister, 2009. Vol. 31. ago/set de 2009.

Helio Anjos Ortiz Neto
Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná
Advogado Criminal- ORTIZ ADVOCACIA – Pos Graduado em Direito Penal Processo Penal e Criminologia pela Unicuritba
Pos graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade Positivo
heliosn3@hotmail.com

Cotas raciais: uma forma de reparo social e histórico

 

A discussão do percentual de vagas para afrodescendentes é bastante pertinente. Por isso merecedora de atenção.
A História do Brasil não oficializa a importância dos negros para a constituição da sociedade e formação da classe trabalhadora. Procura-se mostrar, contudo, um estereótipo de povo preguiçoso e acomodado.

O processo de expansão política trouxe mudanças pouco significativas para a população negra. Portanto, pode-se dizer que a abolição da escravatura não garantiu (nem garante) aos negros condição social igualitária, uma vez que o grupo continua sendo vítima de preconceito e discriminação.

Uma das principais dificuldades da população negra reside na inferiorização da escola, cujo sistema quase sempre é transmissor de valores distorcidos. A abordagem dos livros didáticos, por exemplo, referente à pós-abolição é a de um povo livre. Entretanto, é notória a ínfima representatividade do negro nos setores sociais, mesmo o Brasil ocupando o segundo lugar do mundo com maior número de negros e mestiços.

De acordo com a Carta Magna, em seu art. 5º, caput, temos:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. 

Reside-se, aqui, o Princípio da Isonomia que requer melhor compreensão da palavra “igualdade” – tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.

Com base nesse princípio, parece razoável pleitear o sistema de cotas para afrodescendentes, como modo de oportunizar aos desiguais o acesso aos direitos fundamentais, que segundo a Constituição Federal/1988, é direito de todos. Apesar de a medida ser excepcional, isso não denota incapacidade do negro, embora os  contrários às cotas argumentem ser  um tratamento discriminatório.

Há equívocos nesse entendimento, pois não existem estudos científicos que comprovam que capacidade intelectual é privilégio dos não negros. No entanto, já se confirmou social, política, econômica e historicamente ser a cor da pele  fator determinante nos campos sociais. Quer dizer, o preconceito e a discriminação étnica fomentam a desigualdade de acesso às posições sociais.

Outro ponto arguido pela oposição, é afirmar que com as cotas, o Governo se exime da responsabilidade de investir na qualidade do ensino. A tese parece ter certa fundamentação; todavia, ela se desestabiliza quando se verifica por meio de dados estatísticos que a adesão às cotas em várias Universidades Públicas do País, não comprometeu a qualidade do Ensino Superior; pelo contrário, apontou índices positivos acima do esperado.

Talvez as cotas não garantam de forma resolutória o alcance da equidade, mas é uma maneira de o Estado propiciar aos excluídos o acesso a direitos fundamentais. Por isso, é possível estabelecer relação com o Princípio da Proporcionalidade.

Ao computar o número de afrodescendentes de uma região (com exceção da região sul brasileira),  com a tamanha desproporção entre indivíduos negros versus postos de trabalho ocupados por sujeitos com a mesma formação, nota-se que os referidos postos são comumente ocupados por brancos. Por essa razão, adotar o Princípio da Isonomia e o da Proporcionalidade parece ser uma medida de equilíbrio social.

É curioso que embora a educação seja direito de todos, o nível de escolaridade dos negros costuma ser aquém ao dos brancos, mesmo quando se trata de alunos brancos e pobres.

Devido às inúmeras discriminações contra o negro, é preciso litigar não apenas por Direitos, mas também por Garantias Constitucionais, conforme reza a Carta Magna.

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Andreia Frederico Coutinho
Advogada, escritora, revisora de textos e professora de Língua Portuguesa, Literatura & Redação.
andreiacoutinhoadv@yahoo.com.br

 

Direito autoral no ambiente virtual

O direito autoral gera muitas dúvidas por ser de certa forma abstrato. Nem toda obra artística que é protegida por tal lei possui materialidade e isso pode influenciar na correta aplicação da lei. A legislação referente à propriedade intelectual de obras artísticas está presente no Código Civil e entre outros pontos, especifica quais tipos de obras estão cobertos pela lei – em suma, todos, sejam escritos, áudio, filme, desenhos, gravuras, quadros, adaptações e traduções, softwares e demais obras artísticas.

Segundo a legislação vigente “Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”. Sobre ele recai o direito autoral e a não-obrigatoriedade de registro da obra no órgão público devido para poder gozar dos direitos previsto em lei.

Lei Nº 9.610/98

Além disso, a Lei Nº 9.610/98 prevê também os direitos do autor e a punição para quem desrespeitar a propriedade intelectual produzida por outrem. Um ponto importante na análise de casos é que a legislação prevê o direito autoral independente de registro da obra. Outro ponto a ser considerado é que a lei possui a mesma leitura para contravenções ocorridas em âmbito virtual, como quando do gerenciamento de redes sociais, criação de campanhas publicitárias ou distribuição ilegal de obras.

Com a análise do artigo 7 da Lei de Diretos Autorais, compreendemos que a proteção das obras é indiscutível, mesmo quando a transgressão ocorre online. “São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro…” Desta forma pode-se inferir que o direito autoral na internet ocorre da mesma forma que fora dela.

Violações

Na internet é muito comum observar violações de direitos autorais, com inúmeros artistas reclamando judicialmente e acionando advogados para coibir o uso de suas obras em ações de marketing digital ou simples materiais de terceiros que tentam se passar por autores das obras.

Mesmo promovendo mudanças na composição da obra, é necessária autorização ou correr o risco de enfrentar uma ação judicial por violação da lei dos direitos autorais. Nesse âmbito, mesmo pequenas alterações podem ser enquadradas como violação da lei, como:

  • Edição;
  • Reprodução (parcial ou integral);
  • Tradução;
  • Adaptação e arranjo musical;
  • Inclusão em produção audiovisual;
  • Utilização da obra de forma direta ou indireta.

Vale ressaltar que a distribuição de materiais que não possuam a autorização do proprietário intelectual também se encontra no quadrante das violações. Sendo assim, veicular o material de forma pública, cobrando ingresso ou promover a pirataria são crimes contra a lei do direito autoral e podem ser punidos conforme a legislação vigente.

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Maristela Duarte
Estudante de Direito – Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP
mariduarte_silva@hotmail.com

Os prazos processuais no Novo CPC e o processo eletrônico

prazos processuais no novo cpc e o processo eletrônico

Independentemente do tipo de advogado que você é, se atua em processos precisa ter a habilidade de saber fazer a contagem de prazos processuais no Novo CPC.

Um prazo perdido ou mal calculado pode ser fatal para o direito de seu cliente, que poderá, dentre outras situações, perder o seu direito de defesa, a possibilidade de produzir provas ou até mesmo de recorrer de alguma decisão que não concordar. Por isso, é imprescindível que o operador do Direito saiba como fazer esse cálculo correto e, além disso, conhecer as peculiaridades que a lei traz.

Com o advento do Novo CPC, que já não é tão mais novo assim, a matéria é tratada principalmente nos artigos 218 a 235. Muito embora em 2006 o processo eletrônico ainda fosse um embrião, foi promulgada a Lei 11.419/06 para regular o assunto.

Antes de começar a leitura, dê o play no vídeo que fizemos sobre este assunto. Confira!

Como é feita a contagem dos prazos

Os prazos estipulados para cada ato serão encontrados em pontos específicos do próprio CPC ou em legislação esparsa. Por exemplo, o parágrafo 5º do artigo 1.003 estabelece que, salvo os embargos de declaração, o prazo para interposição dos recursos será de 15 dias. O inciso II do artigo 107 determina que o advogado tem direito de pedir vista dos autos fora de secretaria pelo prazo de 5 dias.

Igualmente, se não existir previsão legal, poderá o juiz estipular o prazo para realização de determinado ato. Se, por sua vez, o juiz também for omisso:

  • A obrigação de comparecimento a juízo decorrente de uma intimação deverá ser feita após 48 horas.
  • Se a intimação determinar a prática de algum ato diverso do comparecimento, o prazo será de 5 dias.

Muito embora não seja uma situação comum na prática forense, as partes de comum acordo com o juiz do caso, poderão fixar prazos diversos para a prática de atos processuais, reduzindo ou prorrogando os mesmos (art. 191).

Qual o início da contagem dos prazos?

Se não existir nenhuma estipulação em contrário, será considerado como início do prazo:

  • A data em que o aviso de recebimento for juntado aos autos, se o ato for enviado por correio;
  • A data de juntada nos autos do mandado cumprido, se o ato for feito por oficial de justiça;
  • A data em que ocorrer a citação ou intimação, se feito por escrivão ou chefe de secretaria;
  • O dia útil seguinte à dilação assinada pelo juiz quando for feita por edital;
  • A data de publicação quando a intimação for feita por Diário de Justiça (eletrônico ou impresso);
  • A data em que for juntada a comunicação em cartas precatórias, rogatória ou de ordem; ou a data da juntada da carta nos autos de origem, quando devidamente cumprida.

Assim, em regra, os prazos serão contados excluindo o dia de começo e incluindo a data final, sendo considerados somente os dias úteis. Para ficar mais claro, vamos supor a seguinte situação:

– A sentença foi publicada em 15/03/2019 (sexta-feira).

– Logo, o início do prazo de 15 dias para apresentar apelação terá início no primeiro dia útil seguinte, ou seja, 18/03/2019 (segunda-feira).

– Assim, o último dia para a interposição do recurso será em 05/04/2019 (sexta-feira).

Posso cumprir um ato antes do início do prazo?

Esta dúvida existia, principalmente, para aqueles que atuaram sobre a vigência do CPC/73. Antigamente, um recurso interposto antes da publicação do acórdão era considerado intempestivo. Porém, com a promulgação do CPC/15, não existe mais esse risco. O parágrafo 4º do artigo 219 é claro ao legislar que qualquer ato praticado antes do início do prazo será considerado tempestivo.

Pode parecer desnecessário, mas quando um réu for citado quanto a uma execução, ele não precisa mais aguardar a juntada da carta para poder apresentar seus Embargos à Execução.

Cuidado: se o prazo ainda não tiver se iniciado, mas você fizer carga dos autos ou se der por citado, o seu prazo terá início nesta data e não na que estava prevista.

Como é feita a contagem no processo eletrônico?

O processo eletrônico possui algumas particularidades, sendo que o seu início será o dia útil seguinte à consulta do ato disponibilizado no sistema eletrônico ou ao término do prazo para leitura automática.

Essa leitura automática irá ocorrer após 10 dias corridos da data do envio da intimação. Muita atenção, segundo a Lei 11.419/06, a sua contagem ocorrerá  em dias corridos e não em dias úteis como estipula o CPC/15. Ainda existe alguma divergência jurisprudencial, mas para não correr nenhum risco, melhor considerar como corridos.

Ainda segundo a lei, os prazos terão início no primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização no Diário Judicial Eletrônico (DJE). Porém, como vimos, se a parte ou procurador estiver cadastrado no portal próprio (PJE, JPE, Projudi, ESAJ etc.), será dispensado a publicação no DJE.

Como é feita a contagem se existirem litisconsortes?

Primeiramente, existirá litisconsórcio quando houver mais de um autor ou mais de um réu no mesmo processo.

Quando falamos de um processo eletrônico não existe nenhuma diferenciação quanto à contagem desses prazos, tendo em vista que todas as partes podem ter acesso simultâneo ao feito.

Entretanto, ainda existem inúmeros processos físicos em nosso país, e como não é possível que mais de uma parte possa ter acesso ao mesmo tempo, nestes casos, o prazo será em dobro para dar mais tempo para cada uma atuar. Entretanto, existem algumas características que precisam ser observadas:

  • Os litisconsortes precisam ter procuradores diversos e de escritórios diferentes;
  • Se existirem mais de 2 réus, deverá ter sido apresentada defesa de pelo menos dois deles. Logicamente, se os demais estiverem revéis, não serão considerados para efeitos de cumprimento dos atos;
  • Nos termos da súmula 641 do STF – o prazo em dobro para interposição de recursos não será considerado se somente um dos litisconsorte sucumbir (perdeu no todo ou em parte a ação).

Qual a diferença entre Citação e Intimação?

As duas principais formas de comunicação entre o juiz e as partes é por meio das citações e intimações, porém, cada uma trata de um instituto independente com suas características individuais.

A citação pode ser definida como a primeira comunicação que é enviada ao réu ou qualquer outro interessado para que tome ciência do processo que está em curso.

Por sua vez, a intimação é a comunicação enviada a qualquer um que já seja parte ou tenha ciência do processo, para que tome ciência de qualquer termo ou ato, e possa agir de acordo com seu interesse.

Agora que você já sabe como fazer a contagem de seus prazos e algumas das situações que podem, por ventura, acontecer, não vai correr o risco de fazer uma conta errada e perder um prazo.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o Direito Processual Civil, não deixe de conferir nosso artigo com Tudo que você precisa saber sobre o novo CPC.