A definição de grupo econômico é dada pelo art. 2º, da CLT, com a redação modificada pela Lei n. 13.467/17, conhecida como “Reforma Trabalhista”. O seu parágrafo segundo, estabelece que haverá grupo econômico “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico.”
Na prática, essa definição deixa claro que mesmo as pessoas jurídicas, tendo cada uma seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), podem compor um mesmo grupo econômico, isto é, serem “responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.”
A nova definição legal deixa claro que não é necessário que haja uma relação de hierarquia entre as pessoas jurídicas para que se caracterize o grupo econômico. Na hipótese de serem autônomas, poderão fazer parte desse mesmo grupo se atuarem de forma coordenada, em comunhão de interesses. Por exemplo, uma pessoa jurídica é uma construtora e a outra é uma empresa de locação de equipamentos para a construção civil, prestando serviços para ela. Além disso, vamos imaginar a hipótese de que o departamento pessoal (DP) da construtora faz às vezes do DP da empresa de locação de equipamentos. Neste cenário, está claro que, mesmo havendo autonomia entre elas, há uma comunhão de interesses, uma atuação coordenada, que pode implicar na caracterização de grupo econômico.
Para que não pairem dúvidas sobre o atual entendimento quanto ao assunto, vale transcrever a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que antes da modificação realizada pela Lei n. 13.467/17 era necessária a existência de relação hierárquica entre as empresas, com a efetiva direção, controle ou administração de uma delas sobre a outra, o que não é mais exigido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR A LEI 13.467/2017. CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Insurge-se a reclamada contra a responsabilidade solidária diante da caracterização do grupo econômico entre as reclamadas. No caso em tela, extrai-se dos autos que o contrato de trabalho foi de 8/4/2016 a 4/3/2019. A controvérsia gira acerca de questão inédita da legislação trabalhista, pois envolve o artigo 2º, §§ 2º e 3º, da CLT, alterado pela Lei 13.467/2017. Assim, verifica-se que o debate detém transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT. Transcendência jurídica reconhecida. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR A LEI 13.467/2017. CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ARTIGO 2º, §§ 2º E 3º, DA CLT . Insurge-se a recorrente contra a decisão que manteve a responsabilidade solidária diante da caracterização do grupo econômico entre as rés. No caso em tela, extrai-se dos autos que o contrato de trabalho foi de 8/4/2016 a 4/3/2019. No texto anterior à Lei n. 13.467/2017, o art. 2º, § 2º da CLT fazia alusão apenas à forma piramidal de grupo econômico, na qual uma empresa-mãe ou holding estaria sempre a comandar a gestão das demais empresas consorciadas. E é fato que, nesse contexto, a SBDI I claramente sinalizou sua compreensão de exigir-se, para o grupo empresarial do setor urbano, a exigência de sociedade controladora – por todos. Porém, e em clara inflexão, a nova redação do art. 2º, § 2º da CLT adota a solidariedade passiva também “quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, (as sociedades empresárias) integrem grupo econômico”. Logo, a lei está finalmente a explicitar que também as sociedades empresárias em regime de coordenação, sem hierarquia entre elas, formam grupo econômico e são solidariamente responsáveis pelas obrigações trabalhistas contraídas por qualquer delas. O Direito do Trabalho, nesse ponto, deve haurir a experiência jurídica acumulada em outras regiões do Direito onde a concepção de grupo econômico, ou grupo societário, ganha igual relevo. Inclusive porque a controvérsia jurídica não se esgota na mera dicotomia entre grupos hierarquizados e grupos por coordenação , tema único enfrentado pela SBDI I quando fixou, sob a regência do preceito contido no art. 2º, §2º da CLT até antes da Lei n. 13.467/2017, que a solidariedade ali prevista pressupunha a “demonstração da existência de comando hierárquico de uma empresa sobre as demais”. É certo que a Lei nº. 13.467/2017 acresceu ao art. 2º da CLT o § 3º, a enunciar que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”. Se decompomos o preceito, vamos compreender, inicialmente, que o só fato de haver sócios coincidentes entre duas ou mais sociedades não configura a existência de grupo econômico, o que se revela ponderável. Os demais elementos mencionados no novo art. 2º. §3º da CLT (interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas) estão em harmonia com a necessidade de apurar-se a existência de direção econômica unitária. O Regional, tanto no tocante ao período anterior à Lei n. 13.467/2017 quanto ao período por esta regido, reporta-se a outros vários aspectos que remetem à percepção in casu de “influência significativa” entre as empresas que formam grupo societário com a agravante, noutras vezes, à existência evidente de interlocking (administração comum), tudo a revelar que, desde o início da relação laboral, tal grupo econômico já existia, dado que outras formas de controle, diferentes da preeminência formal de empresa holding, foram adotadas para que as empresas se unissem. Por fim, o e. TRT remete a forte conjunto probatório que evidencia a existência de grupo empresarial e lhe assiste razão quando, conjecturando sobre hipótese de prova insuficiente, atribui à sociedade acionada a aptidão e o ônus de provar que, não obstante a presença de indícios na direção de revelar empresas agrupadas, esse agrupamento em rigor não existiria. Agravo de instrumento não provido” (AIRR-174-15.2019.5.14.0006, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 21/08/2020).
A situação exemplificada acima, envolvendo uma construtora e uma empresa de locação de equipamentos poderia não caracterizar grupo econômico antes da modificação legislativa implementada pela Lei n. 13.467/17. Isto porque não se extrai do exemplo qualquer relação hierárquica entre as empresas, requisito que era exigido pelo TST para configuração do grupo econômico:
AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA RECLAMADA AMADEUS BRASIL LTDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. RELAÇÃO DE SIMPLES COORDENAÇÃO ENTRE AS EMPRESAS. PROVIMENTO. Ante possível violação do artigo2º, § 2º, da CLT, o destrancamento do recurso de revista é medida que se impõe. Agravo de instrumento a que se dá provimento. B) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA AMADEUS BRASIL LTDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. RELAÇÃO DE SIMPLES COORDENAÇÃO ENTRE AS EMPRESAS. PROVIMENTO. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a caracterização do grupo econômico depende da existência de relação hierárquica entre as empresas, e não apenas de coordenação. Na hipótese , o egrégio Tribunal Regional reconheceu a existência de grupo econômico unicamente pelo fato das mencionadas empresas serem sócias e pela existência de coordenação entre elas. Esse entendimento, contudo, contraria o posicionamento desta colenda Corte Superior sobre a matéria, que exige a existência de controle e fiscalização de uma empresa líder para a configuração do grupo econômico, circunstância não observada na espécie. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. […]” (RR-87000-79.2009.5.02.0054, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 09/08/2019).”RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA EXECUTADA AMADEUS BRASIL LTDA. EXECUÇÃO. 1. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. RECURSO ADMITIDO PARCIALMENTE. MATÉRIA NÃO IMPUGNADA POR MEIO DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. […]. 2. GRUPO ECONÔMICO. A controvérsia dos autos se refere a período anterior à alteração do § 2° do art. 2° consolidado dada pela Lei n° 13.467/2017. E, nos moldes elencados pelo art. 2°, § 2°, da CLT, em vigência por ocasião da ocorrência dos fatos correlatos aos presentes autos e do ajuizamento da presente reclamatória trabalhista, a caracterização do grupo econômico depende de que uma empresa esteja sob direção, controle ou administração de outra. Nesse contexto, a mera existência de sócios comuns e de relação de coordenação entre as empresas não tem o condão de resultar na responsabilização solidária da recorrente, porquanto se faz necessária a configuração de hierarquia entre as empresas para a caracterização do grupo econômico, hipótese não verificada nos presentes autos. Ocorre que, das premissas fáticas lançadas pelo Tribunal a quo , verifica-se que não havia direção, administração ou controle de sócio comum ou de uma empresa sobre a outra, não havendo provas da configuração de grupo econômico, mormente diante da inexistência de atos gerenciais de uma empresa sobre outra . Recurso de revista conhecido e provido” (RR-68200-34.2008.5.02.0055, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 28/06/2019).
A inserção do parágrafo 3º, no art. 2º, da CLT, promovida pela Lei n. 13.467/17, poderia deixar algumas dúvidas quanto à caracterização do grupo econômico. O citado dispositivo legal informa que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.”
Todavia, este acréscimo legislativo somado à mudança de redação do parágrafo 2º, do art. 2º, da CLT, conduziram à interpretação já explicada, no sentido de que é possível o reconhecimento do grupo econômico mesmo quando não há identidade de sócios, mas desde que demonstrada a coordenação entre as pessoas jurídicas, a comunhão de interesses.
Uma vez estabelecidas as premissas para a caracterização de um grupo econômico, deve-se analisar, agora, suas consequências jurídicas e como isso ocorre no dia a dia de uma reclamação trabalhista em curso na Justiça do Trabalho.
Caracterizado o grupo econômico, as pessoas jurídicas que dele fazem parte responderão, solidariamente, pelas dívidas da empregadora. Assim, o trabalhador que busca o recebimento do seu crédito na Justiça do Trabalho pode pleitear o recebimento de qualquer delas.
Todavia, uma pergunta ainda persiste. Quando o trabalhador pode requerer a caracterização do grupo econômico?
A primeira forma é desde a fase de conhecimento da reclamação trabalhista, ou seja, na petição inicial já são incluídas no polo passivo todas as pessoas jurídicas, requerendo-se a condenação solidária de todas elas.
Entretanto, é muito comum que o processo judicial trâmite somente contra a empregadora. Neste caso, uma vez ocorrido o trânsito em julgado e não encontrando bens ou valores no patrimônio da devedora, é possível, em sede de execução, requerer a caracterização do grupo econômico.
Para tanto, nesta fase do processo judicial, o credor terá que demonstrar a presença dos requisitos legais previstos no art. 2º, da CLT, o que se dará, essencialmente, por meio de documentos.
Uma vez demonstrados estes fatos, o juiz irá proferir sua decisão, declarando sua existência ou não. Caso decida pela existência de grupo econômico, haverá a inclusão desta pessoa jurídica no polo passivo da execução. Na sequência, ela será intimada para efetuar o pagamento do valor devido, em 48 horas, nos termos do art. 880, da CLT. Garantido o juízo com o depósito da quantia devida à disposição da Vara do Trabalho ou apresentação de bens para serem penhorados, iniciará o prazo para esta pessoa jurídica interpor Embargos à Execução questionando a caracterização do grupo econômico, o que pode ser feito, também pela devedora originária, isto é, pela pessoa jurídica que figurou no polo passivo da demanda desde o seu início.
Proferida a decisão pela primeira instância, nesta fase de execução, será cabível a interposição de Agravo de Petição a ser julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Frisa-se que este Agravo poderá ser apresentado pelo trabalhador na hipótese de a Vara do Trabalho entender que não estão presentes os requisitos para a configuração do grupo econômico.
Por fim, uma vez publicado o acórdão pelo TRT, poderá a parte interessada interpor Recurso de Revista para o TST, a fim de que a instância máxima do ramo trabalhista do Poder Judiciário defina se há ou não formação de grupo econômico no caso concreto.
A situação pode ficar ainda mais complexa quando a pessoa jurídica, que é a devedora do trabalhador (ex-empregadora, por exemplo), está em Recuperação Judicial. Nesta situação é possível o requerimento da configuração do grupo econômico? Tendo em vista o juízo universal da Recuperação Judicial, tem a Justiça do Trabalho competência para analisar eventual pleito de reconhecimento de grupo econômico?
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Este artigo foi realizado em parceria com Júlio Baía, que é advogado, professor, mestre em Direito do Trabalho e idealizador do projeto Descomplicando o Direito do Trabalho, que fornece conhecimentos práticos para estudantes e profissionais na aplicação correta na área.