Tão logo surgiram os primeiros documentos voltados a regulamentar os efeitos da pandemia no Direito Público, se discutia se seriam adotadas providências mais uniformes também com relação ao Direito Privado, cujo impacto tem relação direta em nossas atividades mais corriqueiras. Assim, como espécie de marco regulatório da pandemia no âmbito privado, editou-se o Projeto de Lei nº 1.179/2020, de auditoria do Senado Federal, recentemente aprovado, e publicado no último dia 12/06/2020 como Lei Ordinária (Lei nº 14.010/2020).
A finalidade da norma é, de fato, servir como um regime emergencial e transitório, regulando relações privadas afetadas pelo COVID-19, com regras gerais que visam conferir maior segurança jurídica aos cidadãos em suas relações cotidianas.
Para uma compreensão mais abrangente dessas novas normas, apresentamos um panorama geral de suas disposições, conforme comentários voltados aos seus principais temas e efeitos diretos no período em que perdurar a pandemia.
Disposições gerais
Os dois primeiros artigos da norma tratam das regras gerais da lei, bem como de sua natureza emergencial e transitória, indicando-se, assim, que a data de 20/03/2020, quando editado o Decreto Legislativo nº 6, será considerada como marco inicial dos eventos derivados da pandemia.
A disposição é relevante na medida em que traz uma data específica a partir da qual os efeitos da pandemia no país tornaram-se mais evidentes, o que certamente contribui para um enquadramento preciso do alcance da legislação.
Prescrição e decadência
Optou-se por aplicar aos regimes de prescrição e decadência um regramento unificado, autorizando que desde a data de entrada em vigor da norma até o dia 30/10/2020, a contagem dos prazos prescricionais e decadenciais se encontram interrompidos ou suspensos, conforme o caso (artigo 3º).
Isso porque, ainda que muitos estados tenham mantido o trabalho do Judiciário em regime remoto ou telepresencial, a regra de impedimento/suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais é mecanismo relevante de preservação de interesses, garantindo que direitos que pudessem se ver prejudicados durante o período de pandemia sejam devidamente exercidos no retorno à normalidade.
Pessoas jurídica de Direito Privado
Nesse campo, a principal novidade é que no período entre a publicação da norma e o dia 30/10/2020, as assembleias gerais nas pessoas jurídicas poderão ocorrer a partir do uso de meios eletrônicos, mesmo que o seu ato constitutivo não preveja esse mecanismo (artigo 5º).
Para tanto, indispensável que o administrador da pessoa jurídica adote meio eletrônico apto a permitir a participação de todos os interessados, a sua identificação e a segurança do exercício do seu direito ao voto, sendo que as deliberações lá obtidas terão os mesmos efeitos que teriam em reunião presencial.
Relações de consumo
O artigo 8º, da Lei estabelece que até o dia 30/10/2020 ficará suspensa a aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor para as hipóteses de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.
O artigo em referência (artigo 49, do CDC) prevê o denominado “direito de arrependimento”, consistente na possibilidade de que o consumidor devolva, em até sete dias, o bem comprado de forma não presencial (por meio da internet ou mesmo telefone), sem a necessidade de apresentação de qualquer justificativa.
Embora a regra tenha a finalidade de proteger o consumidor, abriu-se uma exceção neste período, relacionada ao aumento considerável do número de compras pelo uso do delivery e a necessidade de se resguardar os fornecedores e seus prestadores de serviços, mais vulneráveis ao contágio nesse momento.
Usucapião
Também os prazos para a contagem de usucapião foram suspensos pela norma até 30/10/2020, o que se estende a todas as modalidades existentes, considerando que o legislador não fez qualquer ressalva ao tipo de usucapião regulada (artigo 10).
Ainda que se pudesse entender que as regras gerais de prescrição e decadência estabelecidas pelo artigo 3º da Lei nº 14.010/2020 já alcançassem a usucapião, a edição de uma norma expressa sobre o tema auxilia no afastamento de dúvidas, principalmente pela ampla discussão existente na doutrina sobre a natureza jurídica da contagem de seu prazo (prescrição aquisitiva, decadência ou regra suis generis).
Condomínios edilícios
A exemplo da regra trazida para as pessoas jurídicas de direito privado, as assembleias ocorridas em condomínios edilícios deverão adotar mecanismos eletrônicos para a sua realização, que terão exatamente os mesmos efeitos de uma reunião presencial (artigo 12).
Para os casos em que seja necessária a assembleia de eleição de novo síndico e o condomínio não tenha condições de realizá-la no formato não presencial, a norma estabeleceu a renovação automática do mandato do síndico atual até a data de 30/10/2020 (artigo 12, parágrafo único).
As regras sobre a realização de assembleia não afetam os demais deveres atribuídos aos síndicos no que se refere à obrigação de prestação de contas, sendo certo que a administração irregular no período é motivo apto à sua destituição (artigo 13).
Regime concorrencial
Tendo em vista o importante impacto da pandemia no mercado, duas sanções previstas na Lei Nacional de Defesa da Concorrência (Lei Federal nº 12.529/2011) foram suspensas enquanto perdurar a pandemia – ou seja, não serão consideradas condutas passíveis de sancionamento (artigo 14).
São elas a conduta de vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo (artigo 36, §3º, inciso XV, da Lei nº 12.529/2011) e a conduta de cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada (artigo 36, §3º, inciso XVII, da Lei nº 12.529/2011).
Todas as demais sanções previstas na norma permanecem passíveis de apuração e sancionamento, no entanto, a situação extraordinária causada pela pandemia será levada em consideração na análise do contexto fático que envolveu sua prática (artigo 14, §1º).
Igualmente suspensa a aplicação de sanção, enquanto perdurar a pandemia, para a prática de ato de concentração decorrente da junção, de duas ou mais empresas, por contrato associativo, consórcio ou joint venture, embora tais atos possam ser posteriormente investigados, caso se identifique que não eram necessários ao combate ou mitigação dos efeitos da doença (artigo 14, §2º).
Direito de família e sucessões
Até a data de 30/10/2020, a prisão civil por dívida alimentícia será cumprida exclusivamente em regime domiciliar, mantidas todas as demais obrigações impostas como, por exemplo, o próprio pagamento da pensão (artigo 15).
O prazo para a abertura do processo de inventário e partilha será prorrogado até 30/10/2020. De acordo com o Código de Processo Civil (artigo 611), esse prazo é de dois meses, contados da abertura da sucessão, e deve ser concluído em até doze meses, igualmente suspenso até 30/10/2020 (artigo 16).
Lei Geral de Proteção de Dados
Embora passe quase despercebido, o prazo de entrada em vigor de algumas disposições da nova Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Federal nº 13.709/2018) também foi alterado, sendo que as regras relativas às sanções administrativas (artigos 52, 53 e 54) passam a ter efeito apenas a partir de 01/08/2021.
O prazo de 30/10/2020
Como indicado em várias passagens, o legislador elegeu o prazo de 30/10/2020 como possível data em que os efeitos da pandemia não estariam mais presentes ou estariam ao menos estabilizados.
Note-se, todavia, que a ideia foi apenas criar um marco temporal para o devido enquadramento dos efeitos regulados pela norma e, ainda que vinculante enquanto a lei permanecer se alterações, pode vir a ser postergado, se necessário.
Então, como vimos a pandemia decorrente do COVID-19 gerou grandes impactos nas relações privadas e, por isso, a Lei nº 14.010/2020, surgiu como uma forma servir como um regime emergencial e transitório para tentar amenizar seus efeitos.
E você, como profissional do Direito, o que achou dessas novidades ? Deixe sua opinião nos comentários!