Grandes Advogados da História do Brasil: Luís Gama

Patrono da Academia Paulista de Letras, advogado, poeta, jornalista e um dos mais famosos abolicionistas da história do Brasil, Luís Gama foi uma figura importante de nossa história no século XIX, e dono de uma carreira brilhante e renomada. Entretanto, ele tinha tudo para não ser nada disso: negro, filho de mãe africana, ele foi escravo na infância. Já adulto, lutou para impedir que outros sofressem o mesmo que ele.

Continuando a série “Grandes Advogados”, iniciada há duas semanas com Rui Barbosa, hoje iremos contar sobre outro advogado essencial que lutou por um Brasil mais justo e igualitário.

Infância e Juventude

Luís Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 21 de junho de 1830, em Salvador. Ele era filho da africana Luiza Mahin, da tribo Mahi (daí seu nome). Alforriada em 1812, Luísa sobrevivia vendendo quitutes na capital baiana. Seu filho Luís nasceu de sua união com um soldado português.

Luísa era uma figura importante entre os negros baianos, tendo participado de todos os levantes de escravos ocorridos na Bahia naquela época, como a Revolta dos Malês, em 1835, e a Sabinada, ocorrida entre 1837 e 1838.

Sobre sua mãe, Luís Gama escreveu, em 1880, em carta autobiográfica ao jornalista Lúcio de Mendonça:

“Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação) de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, insofrida e vingativa. Dava-se ao comércio – era quitandeira, muito laboriosa, e mais de uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos, que não tiveram efeito. Era dotada de atividade.
Em 1837, depois da Revolução do dr. Sabino, na Bahia, veio ela ao Rio de Janeiro e nunca mais voltou.[…] Em 1862, soube, por uns pretos minas que conheciam-na e que deram-me sinais certos, que ela, acompanhada de malungos desordeiros, em uma “casa de dar fortuna”, em 1838, fora posta em prisão; e que tanto ela como os seus companheiros desapareceram. […] Nada mais pude alcançar a respeito dela”.

Quando Luís tinha dez anos, porém, o seu pai, para quitar dívidas de jogos, vendeu o garoto como escravo, que foi levado primeiro para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo. Lá, Luís foi comprado pelo alferes Antônio Pereira Cardoso, um proprietário de fazenda no interior de São Paulo.

Luís Gama permaneceu analfabeto até os 17 anos de idade, quando o alferes recebeu a visita do estudante de Antonio Rodrigues do Prado Júnior, que ensinou o jovem a ler e a escrever. No ano seguinte, Luís fugiu e se juntou ao exército, servindo como soldado pelos próximos seis anos.

Carreira como jornalista e advogado

Em 1864, Luís Gama, junto ao caricaturista Ângelo Agostini, fundou aquele que seria considerado o primeiro jornal ilustrado humorístico de São Paulo. Ali começava sua carreira como poeta satírico, escrevendo sob os pseudônimos de Afro, Getulino e Barrabás. Suas sátiras, de cunho progressista, miravam a aristocracia e os poderosos da época.

Enquanto isso, Gama, um autodidata, se dedicava ao estudo das leis. Ele havia tentado estudar formalmente, no Curso de Direito do Largo do São Francisco (hoje em dia, a Faculdade de Direito da USP), porém, devido à cor de sua pele, ele enfrentou a hostilidade de seus colegas e dos próprios professores. Assim, Luís acabou não se formando, porém, isto não o impediu de que, na década seguinte, ele atuasse como um dos mais ferrenhos defensores do abolicionismo no Brasil.

Estima-se que Luís Gama, graças à sua atuação como advogado, tenha libertado mais de 500 escravos no Brasil. Para isto, ele tinha a seu favor uma oratória impecável e um imenso conhecimento jurídico. Sua luta ao lado dos escravos pela libertação dos mesmos lhe garantiram apelidos como o “amigo de todos” ou o “apóstolo negro da abolição”.

E não apenas os escravos negros que foram ajudados por Luís Gama: ele era famoso por defender os pobres de qualquer raça, inclusive imigrantes europeus. Inclusive, consta que ele tinha em sua casa uma caixa de moedas, que dava para aqueles em dificuldade que vinham procurá-lo.

Entre suas frases mais famosas do período, está a polêmica “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa“, que provocou tanto alvoroço no tribunal que o juiz se viu obrigado a suspender a sessão.

Seu amigo, o também poeta Raul Pompéia, escreveu em homenagem ao companheiro:

“…não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros mostrando as mãos inflamadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um bárbaro senhor; outros… inúmeros. E Luís Gama os recebia a todos com a sua aspereza afável e atraente; e a todos satisfazia, praticando as mas angélicas ações, por entre uma saraivada de grossas pilhérias de velho sargento. Toda essa clientela miserável saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, outro a liberdade, alguns um conselho fortificante. E Luís Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no próprio ardor, como uma candeia iluminando à custa da própria vida as trevas do desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sobra de lucro. […] Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado.”

Morte e Legado

Luís Gama faleceu aos 52 anos, em 24 de agosto de 1882 – quase seis anos antes da Lei Áurea, que encerrou a escravidão no Brasil. Consta que o cortejo de cortejo que carregou seu corpo pelas ruas de São Paulo reuniu uma verdadeira multidão. Pessoas de todas as classes disputavam a chance de carregar seu esquife.

Mesmo sem ter visto a abolição da escravatura, Luís Gama ainda permaneceu como um dos maiores defensores dos direitos dos negros, dos pobres e dos escravos no Brasil. E, apesar de não ter completado o curso de Direito, sua atuação incansável a favor dos mais humildes inspirou e inspira jovens advogados até os dias de hoje.

 

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