deborah salomao o caso do mijão sem caução

O caso do mijão sem caução

Eu, como mulher, imagino que fazer xixi em pé deve ser uma vantagem enorme, principalmente em banheiros públicos. Não sei se temos intimidade o suficiente para falar destas coisas, mas quando vou a um banheiro público a regra, e ao mesmo tempo o desafio, mais importante é: não tocar em nada! Isso pressupõe um certo talento para fazer xixi entre a posição sentada e a posição de pé. Tem que ter força nos joelhos, que é pra não precisar se escorar na porta. Esta regra só sobrevive enquanto ainda sou jovem. Imagino que quando tiver passado dos 75, provavelmente terei que escolher entre me escorar nas paredes e porta ou me render e me assentar…

Aproveito para informar que a ilusão masculina de que mulheres vão ao banheiro juntas para segurar uma à outra é balela. Vamos juntas mesmo para falar sobre os homens. Os homens, ah, os homens, por outro lado podem sempre não tocar em nada. Já ouvi falar da regra de ouro de nunca checar o “instrumento” alheio. No banheiro masculino, olhos sempre acima do peito.

Não me esqueço de um dia em que fui tomar uma cerveja no Kaffe Wolkenlos com amigos e um professor de Direito brasileiro, que estava em Giessen para fazer parte de sua pesquisa pós-doutoral. Ele pediu licença, foi ao banheiro e quando voltou, não se aguentou, teve que nos contar que havia feito um gol. Era um bar de futebol, e no banheiro masculino, no mictório, havia um gol e uma bolinha. O sujeito que mirasse certinho e acertasse a bolinha, conseguia movê-la e fazer um gol! Triste que fiquei por saber que eu não poderia fazer um gol, pedi ao próximo que pelo menos tirasse uma foto do tal mictório, para que eu pudesse ver o motivo da diversão masculina.

De toda forma, o incentivo para que os homens mirassem certinho na bolinha não deve ser um acaso. Depois de algumas cervejas a pontaria deve deixar a desejar e limpar um banheiro masculino de bar não deve ser das tarefas mais agradáveis. As mães alemãs há muito reconheceram que poderiam facilitar a limpeza do banheiro ensinando, desde cedo, a seus meninos que, dentro de casa se mija sentado. O comportamento de fazer xixi em pé chega a ser mal visto. Nenhum deles ficou menos masculino por se assentar confortavelmente no vaso na feitura tanto do número 2 quanto do número 1. Todavia, a ré do caso que vou contar não teve a sorte de alugar seu imóvel para um homem assim educado por sua mãe.

Depois de alugar seu apartamento em Düsseldorf para o autor durante alguns anos, este resolveu se mudar. Quando ele saiu, a dona do imóvel percebeu que a área do chão de mármore dos banheiros no entorno do vaso estava, digamos, sem brilho, demasiadamente afetada pelo uso. O perito reconheceu logo de cara a causa dos danos ao mármore: urina. Segundo ele, o inquilino era seguramente um Stehpinkler. Em bom português: um mijão em pé. Assim, as gotinhas que não achavam seu caminho até o vaso iam deixando sua marca no chão.

A dona do imóvel não pestanejou. Ela tomou a caução que havia exigido do locatário para garantir o contrato e trocou os pisos. Gastou com isso dois mil euros. Há de se dizer que a caução nos contratos de locação na Alemanha é uma prática mais comum que no Brasil. Apesar de prevista legalmente nos arts. 37 ss. da nossa Lei do Inquilinato – Lei 8.245, aqui, pratica-se com mais frequência a fiança como garantia do aluguel. Lá, assim que se celebra o contrato, paga-se normalmente o equivalente a três meses de aluguel como caução, valor também indicado no art. 38, § 2º da Lei brasileira 8.245. A caução fica em uma conta específica, em nome do locatário e o dinheiro vai sendo atualizado.

No dia em que as partes resolvem rescindir o contrato, o locatário deve esperar cerca de seis meses para reaver sua caução. Neste interim, o locador tem tempo de verificar se houve algum dano no imóvel pelo qual o locatário é responsável e poderá usar da caução para repará-lo, devolvendo apenas o que sobrar. Quando não há danos, ele deve devolver a caução por completo, devidamente atualizada.

Ora, o mijão não reconheceu ter feito nada de errado que ensejasse o uso da sua caução. Ele ajuizou uma ação com o objetivo de ter sua caução de volta, já que o desgaste do chão do banheiro não lhe deveria ser imputado. Em primeira instância ele teve sucesso, mas a locadora não deixou por menos e apelou. Na segunda instância o caso tomou contornos quase cômicos. Imaginem que, à revelia do autor, três desembargadoras decidiram o caso do Stehpinkler. As três mulheres, no entanto, ao contrário do que algumas poderiam pensar, decidiram em favor do autor.

O dano ao mármore e sua causa restaram devidamente comprovados pela proprietária do imóvel, todavia as magistradas entenderam que não havia culpa do locatário. Disseram ainda que a decisão teria sido diferente se o contrato avisasse o locatário sobre a sensibilidade do revestimento do chão. Como ele nunca havia sido notificado sobre o cuidado que deveria ter com o mármore, elas não consideraram a sua conduta de fazer xixi em pé como condenável e determinaram que a proprietária lhe devolvesse o dinheiro da caução. Parece então que os locatários estão autorizados a fazer xixi em pé. Mas aqueles que quiserem economizar o tempo e o dinheiro do litígio, que treinem a mira ou que se assentem.

Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

Dê uma nota a este post

2 comentários em “O caso do mijão sem caução”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *