Filho de vegana, carnívoro é…

Neste mês das mães temos que reconhecer que educar filhos é tarefa hercúlea. Mas imagino que provê-los também deve ser bem difícil. Uma preocupação latente em todo pai ou mãe que exercem a parentalidade com responsabilidade, é a de se o filho tem tudo o que precisa. Muitos deixam de comprar roupas e coisas para si para comprá-las para os filhos. O orçamento fica apertado, para que o filho possa frequentar uma boa escola. Deve mesmo ser um alívio quando o filho finalmente consegue pagar suas contas, comprar suas roupas e planejar suas viagens.

Mas mesmo os pais mais abastados sofrem com a tarefa de prover, não porque tem que escolher entre o dar ou não dar, o comprar ou não, o comprar para si ou para o filho, mas porque antes de prover e gastar há ainda uma pergunta a ser respondida: – O que dar? Com o que gastar? Pais querem dar o melhor para seus filhos, mas sequer sabem o que é o melhor.

Seria melhor obrigar o filho a comer brócolis, porque faz bem, ou melhor não obrigar para não o traumatizar, causando um terror vitalício daquele vegetal delicioso que está sendo rejeitado pelo simples fato de ser verde? Seria melhor dar uma mesada gorda para que nada lhe falte ou deixar o filho passar um apertinho em prol de uma boa educação financeira? Seria melhor não lhe deixar faltar nada, ou permitir certas necessidades, mostrando para o filho que sua condição é, na verdade, privilegiada e na esperança de incitar um comportamento mais caridoso no futuro?

Diante de perguntas tão desafiadoras, duas conclusões são certas. Pais certamente acabam revendo suas próprias condutas ao se perguntarem como devem fazer para prover os filhos. Pais, mesmo quando “erram”, o fazem tentando fazer o melhor.

São tantos os desafios que deve ser por isso que Deus fez com que apenas dois pudessem fazer outro. Nada de reprodução assexuada por mitose. Com a humanidade tem que ter diálogo. É preciso que dois diferentes se encontrem para fazer um terceiro diferente e único. Já que é para tomar decisões difíceis, que isso seja um trabalho em dupla, cada um contribuindo com sua visão, conhecimento e experiência, para que a probabilidade de acertar aumente. E não estou aqui a excluir qualquer forma de ter filhos, seja ela por adoção, barriga de aluguel, reprodução assistida, in vitro etc. Para o início da vida humana, será necessário que duas células diferentes se encontrem, seja lá de que modo for.

O Direito confirmou a sábia decisão divina e, conforme dispõe o Art. 1.634 do Código Civil, compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar. Contudo, quebrada a relação afetiva, o trabalho em dupla fica pesado.

Sabe quando na escola tinha um trabalho em grupo e todo mundo já escolheu o seu e você sobrou, tendo que fazer o trabalhinho com outro coleguinha que também sobrou, sem afinidade, sem vontade e com medo de que sobre tudo para você fazer sozinho? Pois é… Pais divorciados podem ser assim, ou pior. Consensos podem ser raros, porque não se quer chegar ao consenso, porque não se valida mais a opinião do outro, porque não há ambiente para o diálogo e, na pior das hipóteses, porque discordar pode ser a forma de chamar atenção ou de atingir o outro. Vira tudo uma bagunça e prover e educar, que já era difícil, encontram um obstáculo ainda maior.

Por isso, o(a) advogado(a), que atua com direito de família, tem que ter lencinhos de papel na sala de reunião e entender nuances emocionais e pessoais de cada caso. Por isso, também, o profissional precisa avaliar bem a solução mais adequada para casos de família analisando as opções judiciais e extrajudiciais de solucionar os conflitos e tomando cuidado para que o processo não seja usado para ferir as partes.

Um caso italiano ilustra bem o patamar a que as discussões entre um casal divorciado sobre o provimento do filho comum podem chegar. Ela, vegana, ele, convicto de que carne é necessária para a saudável alimentação do filho. O filho de 12 anos passava a semana com a mãe e o fim de semana com o pai. Assim, durante a semana qualquer produto animal era tabu. Carnes, ovos, mel, leite não faziam parte da alimentação do pré-adolescente, pois, para sua mãe, uma vida vegana é uma vida saudável. Aos finais de semana com o pai, o menino comia carne aos montes, pois o pai, preocupado com o seu desenvolvimento intelectual e físico, tentava suprir a falta de proteína nos dois dias que lhe restavam.

A mãe se incomodava com a festa da carne e dizia que o menino sofria com dores de estômago e rins sobrecarregados depois do final de semana com o pai. Para o pai, a dieta de carnes apenas aos sábados e domingos era muito pouco para um menino em fase de crescimento. Assim, sem conseguir chegar a um acordo sobre a alimentação do filho, o caso foi parar no judiciário de Bergamo e um juiz teve que decidir sobre o plano nutricional do menino.

Ora, se nem os pais concordaram sobre como alimentar o filho, imagina o Estado tendo que decidir sobre isso! Sábio foi o juiz Ezio Siniscalchi que chamou para ajudá-lo com a difícil interferência na vida da família uma nutricionista. A especialista deu seu parecer e declarou que para uma criança em fase de crescimento, uma dieta exclusivamente vegana não era balanceada. Certos nutrientes e vitaminas não estão suficientemente disponíveis na dieta vegana.

Com base no parecer da expert, o juiz decidiu que o menino deve comer carne três vezes por semana. O pai, pôde assim continuar a servir carne para o filho, mas com parcimônia, no máximo duas vezes. Já a mãe terá que servir carne para o filho pelo menos uma vez por semana. A mãe saiu bufando quando soube da sentença. Ela acha um “absurdo” o Estado dizer a ela como alimentar seu filho. Deu para perceber quão profundamente ferida ela estava quando reclamou que o juiz poderia, pelo menos, ter condenado o pai a preparar um peixinho para o filho uma vez por semana.

É… quem pode condená-la por achar absurda a interferência estatal na tarefa mais essencial da parentalidade, o provimento dos filhos… Ela, que sem o Estado o nutriu no ventre e o amamentou, agora vai ter que cozinhar uma carninha de vez em quando. Talvez, quando passar o calor da decisão, ela ficará mais calma e vendo seu filho crescer, não se importará mais com o rigor da dieta. Quem sabe o menino, daqui a alguns anos, quando puder decidir por si, também adirá ao veganismo. O pai deve ter saído feliz depois que uma nutricionista finalmente colocou no papel aquilo que ele deveria estar tentando dizer para sua ex há um tempão.

Vegano pra cá, carnívoro pra lá, salvar os bichinhos pra cá, comê-los pra lá… a dúvida que ficou na minha cabeça é apenas com relação ao menino. Será que alguém quis saber o que ele quer comer? Não que aquilo que ele diga vá fazer coisa julgada entre os pais, afinal, como dispõe o Art. 1.630 do Código Civil, os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Era um menino de 12 anos que ainda precisa deles para ajudá-lo a saber o que é melhor para si, mas, não custava perguntar…


Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

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