O namorado do calção frouxo

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Neste mês dos namorados eu vim contar um “causo” quente de um casal de namorados. Caso este que virou ação penal. Espero que leitores penalistas ajudem a elucidar o caso contado por esta civilista, nos comentários abaixo.

Primeiro, preciso esclarecer que se trata de um casal de adolescentes. Ele, 18, ela, 19. Apesar de terem atingido a maioridade, tanto no Brasil, como na Alemanha e do ECA, no art. 2º, considerar adolescente aquele entre 12 e 18 anos, a ciência vem concluindo que a adolescência vai até os 24! Algumas pessoas nos fazem crer que ela pode ir além dos 40. Então, vamos ler este caso com a misericórdia que os adolescentes merecem e que é reconhecida pelo próprio Código Penal brasileiro, segundo o qual os protagonistas deste caso teriam sua pena atenuada por terem menos de 21 anos (Art. 65, I Código Penal).

Afinal, a adolescência é um tempo muito desesperador. Na verdade, na adolescência tudo é muito. Ou é muito drama ou é muito tédio, ou é muito amor, ou é muito ódio e aí fica tudo muito desesperador. Cada coisinha vira um “problemão”. A estética tampouco ajuda. Adolescente fica um bicho esquisito, as partes não crescem concomitantemente, parece que vai crescendo um órgão de cada vez. Primeiro o nariz e as orelhas e o resto continua de criança, vai ficando tudo desproporcional antes de ficar proporcional de novo. O menino cria até barba, mas a voz continua num timbre soprano. A menina tem que aprender a lidar com o fato de ser cíclica e com os percalços de sangrar por uns dias. Como diria um tio meu: – Que fase! Pra piorar, muita gente faz pouco do adolescente, deixando de legitimar suas posições e emoções, já que geralmente não atendem ao princípio da proporcionalidade ou sequer da razoabilidade.

Outra coisa que cresce na adolescência é o tesão. Ninguém segura o adolescente! São hormônios demais e – falando bem baixinho para que meus futuros filhos nunca ouçam – seria quase um desperdício de potencial se os adolescentes não aproveitassem a fase. Todavia, ainda que se perdoe a falta de parcimônia, não dá pra perdoar a falta de adequação. Foi por esta falha que um casal de adolescentes de Augsburg não escapou a uma sentença penal condenatória.

Era natal de 2014… Bom, para ser mais precisa, era meu aniversário. Na Alemanha chamam o dia 26 de segundo dia de natal. Prolongaram o feriado para dar tempo das pessoas se recomporem e ficarem um pouco mais com a família. Não era dia dos namorados, nem feriado político, mas os pombinhos, ao invés de ficar em casa e celebrar a data com a família, resolveram ir para uma espécie de termas. Esses lugares são uma delícia! Cheios de piscinas e saunas quentinhas, luz baixa, aromas especiais, tudo bem no meio do inverno europeu. Quem os poderia condenar por escapar para as termas? Ora, por isso não, mas não precisavam transar bem no meio da piscina.

O funcionário do local, observando as câmeras debaixo d’água se horrorizou ao ver a cena e pegou os dois em flagrante. Foram então processados. Tipo penal? §183a do Código Penal Alemão: “incitar o incômodo público”. Segundo este dispositivo, qualquer pessoa que fizer atos sexuais públicos enfrentará prisão de até um ano ou multa¹. O réu adolescente jurou que o coito não foi consumado e que seu calção tinha caído, tudo sem querer.

Esta argumentação não pôde ser levada a sério pelo magistrado, até porque, ele foi obrigado a ver o tal vídeo que gravou toda a ação dentro d’água. Ele mesmo disse que parecia estar vendo um filme pornô em audiência. Para os curiosos, o vídeo está até disponível no YouTube. Deste modo, palavras não foram de muito auxílio ao adolescente do calção frouxo. O juiz condenou o menino a duas semanas de detenção e a menina a um fim de semana sem sair e 32 horas de serviços à comunidade. Ainda assim, não tendo convencido um juiz, ele tentou convencer três e apelou! O resultado do recurso deve ter sido brochante para ele. A namorada, resignada e ciente de sua conduta em local inapropriado, deixou por isso mesmo.

O casal de adolescentes virou chacota na cidade. O ato deve ter entrado para o rol de coisas que se faz na imaturidade e que não te largam por um tempo, o rol da ressaca moral permanente. Monica Lewinsky que o diga… Não quero nem imaginar o “carão” dos pais dos jovens. Devem ter se mudado para outra cidade e, com sorte, já estão rindo do ocorrido. Na verdade, até imagino o menino, quando pai, ensinando o seu filho a manter o calção sempre bem amarradinho, que é para não correr nenhum risco.

Se você gostou deste “causo”, deixe umas estrelinhas e conte o que achou nos comentários! É importante para mim. Até a próxima!

¹ § 183a. StGB: Erregung öffentlichen Ärgernisses. Wer öffentlich sexuelle Handlungen vornimmt und dadurch absichtlich oder wissentlich ein Ärgernis erregt, wird mit Freiheitsstrafe bis zu einem Jahr oder mit Geldstrafe bestraft, wenn die Tat nicht in § 183 mit Strafe bedroht ist.

Deborah Alcici Salomão é Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

Filho de vegana, carnívoro é…

Neste mês das mães temos que reconhecer que educar filhos é tarefa hercúlea. Mas imagino que provê-los também deve ser bem difícil. Uma preocupação latente em todo pai ou mãe que exercem a parentalidade com responsabilidade, é a de se o filho tem tudo o que precisa. Muitos deixam de comprar roupas e coisas para si para comprá-las para os filhos. O orçamento fica apertado, para que o filho possa frequentar uma boa escola. Deve mesmo ser um alívio quando o filho finalmente consegue pagar suas contas, comprar suas roupas e planejar suas viagens.

Mas mesmo os pais mais abastados sofrem com a tarefa de prover, não porque tem que escolher entre o dar ou não dar, o comprar ou não, o comprar para si ou para o filho, mas porque antes de prover e gastar há ainda uma pergunta a ser respondida: – O que dar? Com o que gastar? Pais querem dar o melhor para seus filhos, mas sequer sabem o que é o melhor.

Seria melhor obrigar o filho a comer brócolis, porque faz bem, ou melhor não obrigar para não o traumatizar, causando um terror vitalício daquele vegetal delicioso que está sendo rejeitado pelo simples fato de ser verde? Seria melhor dar uma mesada gorda para que nada lhe falte ou deixar o filho passar um apertinho em prol de uma boa educação financeira? Seria melhor não lhe deixar faltar nada, ou permitir certas necessidades, mostrando para o filho que sua condição é, na verdade, privilegiada e na esperança de incitar um comportamento mais caridoso no futuro?

Diante de perguntas tão desafiadoras, duas conclusões são certas. Pais certamente acabam revendo suas próprias condutas ao se perguntarem como devem fazer para prover os filhos. Pais, mesmo quando “erram”, o fazem tentando fazer o melhor.

São tantos os desafios que deve ser por isso que Deus fez com que apenas dois pudessem fazer outro. Nada de reprodução assexuada por mitose. Com a humanidade tem que ter diálogo. É preciso que dois diferentes se encontrem para fazer um terceiro diferente e único. Já que é para tomar decisões difíceis, que isso seja um trabalho em dupla, cada um contribuindo com sua visão, conhecimento e experiência, para que a probabilidade de acertar aumente. E não estou aqui a excluir qualquer forma de ter filhos, seja ela por adoção, barriga de aluguel, reprodução assistida, in vitro etc. Para o início da vida humana, será necessário que duas células diferentes se encontrem, seja lá de que modo for.

O Direito confirmou a sábia decisão divina e, conforme dispõe o Art. 1.634 do Código Civil, compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar. Contudo, quebrada a relação afetiva, o trabalho em dupla fica pesado.

Sabe quando na escola tinha um trabalho em grupo e todo mundo já escolheu o seu e você sobrou, tendo que fazer o trabalhinho com outro coleguinha que também sobrou, sem afinidade, sem vontade e com medo de que sobre tudo para você fazer sozinho? Pois é… Pais divorciados podem ser assim, ou pior. Consensos podem ser raros, porque não se quer chegar ao consenso, porque não se valida mais a opinião do outro, porque não há ambiente para o diálogo e, na pior das hipóteses, porque discordar pode ser a forma de chamar atenção ou de atingir o outro. Vira tudo uma bagunça e prover e educar, que já era difícil, encontram um obstáculo ainda maior.

Por isso, o(a) advogado(a), que atua com direito de família, tem que ter lencinhos de papel na sala de reunião e entender nuances emocionais e pessoais de cada caso. Por isso, também, o profissional precisa avaliar bem a solução mais adequada para casos de família analisando as opções judiciais e extrajudiciais de solucionar os conflitos e tomando cuidado para que o processo não seja usado para ferir as partes.

Um caso italiano ilustra bem o patamar a que as discussões entre um casal divorciado sobre o provimento do filho comum podem chegar. Ela, vegana, ele, convicto de que carne é necessária para a saudável alimentação do filho. O filho de 12 anos passava a semana com a mãe e o fim de semana com o pai. Assim, durante a semana qualquer produto animal era tabu. Carnes, ovos, mel, leite não faziam parte da alimentação do pré-adolescente, pois, para sua mãe, uma vida vegana é uma vida saudável. Aos finais de semana com o pai, o menino comia carne aos montes, pois o pai, preocupado com o seu desenvolvimento intelectual e físico, tentava suprir a falta de proteína nos dois dias que lhe restavam.

A mãe se incomodava com a festa da carne e dizia que o menino sofria com dores de estômago e rins sobrecarregados depois do final de semana com o pai. Para o pai, a dieta de carnes apenas aos sábados e domingos era muito pouco para um menino em fase de crescimento. Assim, sem conseguir chegar a um acordo sobre a alimentação do filho, o caso foi parar no judiciário de Bergamo e um juiz teve que decidir sobre o plano nutricional do menino.

Ora, se nem os pais concordaram sobre como alimentar o filho, imagina o Estado tendo que decidir sobre isso! Sábio foi o juiz Ezio Siniscalchi que chamou para ajudá-lo com a difícil interferência na vida da família uma nutricionista. A especialista deu seu parecer e declarou que para uma criança em fase de crescimento, uma dieta exclusivamente vegana não era balanceada. Certos nutrientes e vitaminas não estão suficientemente disponíveis na dieta vegana.

Com base no parecer da expert, o juiz decidiu que o menino deve comer carne três vezes por semana. O pai, pôde assim continuar a servir carne para o filho, mas com parcimônia, no máximo duas vezes. Já a mãe terá que servir carne para o filho pelo menos uma vez por semana. A mãe saiu bufando quando soube da sentença. Ela acha um “absurdo” o Estado dizer a ela como alimentar seu filho. Deu para perceber quão profundamente ferida ela estava quando reclamou que o juiz poderia, pelo menos, ter condenado o pai a preparar um peixinho para o filho uma vez por semana.

É… quem pode condená-la por achar absurda a interferência estatal na tarefa mais essencial da parentalidade, o provimento dos filhos… Ela, que sem o Estado o nutriu no ventre e o amamentou, agora vai ter que cozinhar uma carninha de vez em quando. Talvez, quando passar o calor da decisão, ela ficará mais calma e vendo seu filho crescer, não se importará mais com o rigor da dieta. Quem sabe o menino, daqui a alguns anos, quando puder decidir por si, também adirá ao veganismo. O pai deve ter saído feliz depois que uma nutricionista finalmente colocou no papel aquilo que ele deveria estar tentando dizer para sua ex há um tempão.

Vegano pra cá, carnívoro pra lá, salvar os bichinhos pra cá, comê-los pra lá… a dúvida que ficou na minha cabeça é apenas com relação ao menino. Será que alguém quis saber o que ele quer comer? Não que aquilo que ele diga vá fazer coisa julgada entre os pais, afinal, como dispõe o Art. 1.630 do Código Civil, os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Era um menino de 12 anos que ainda precisa deles para ajudá-lo a saber o que é melhor para si, mas, não custava perguntar…


Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

No meio do caminho tinha um ninho, tinha um ninho no meio do caminho

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A Páscoa é época de celebrar a vida. Este feriado religioso, que nos lembra a ressurreição de Jesus, é celebrado nos países com maioria cristã. Por aqui, nós decoramos as casas com pintinhos, coelhinhos e cenouras, e esperamos que chegue o coelhinho da páscoa com nossos deliciosos ovos de chocolate. Cristã e chocólatra que sou, a páscoa muito me apetece. Na Alemanha, ao invés dos ovos de chocolate, pintam-se os ovos da galinha de diferentes cores. A decoração também conta com coelhinhos e pintinhos em seus ninhos, representando a vida nova.

Acontece que nem todos se alegram com a decoração sazonal. Na época pascal de 2012, a alegria da moradora de um prédio na Alemanha durou pouco. Com o objetivo de ornamentar seu lar para a páscoa, ela colocou um ninho pascal nas escadas do prédio. O ninho tinha aproximadamente 30 centímetros de diâmetro e 24 centímetros de altura. Todos os moradores passavam pelo ninho na parte de 64 centímetros que sobrava livre do degrau.

O artefato decorativo parecia não incomodar, até que uma vizinha acabou por tropeçar no ninho e cair. Mas ela não deixou barato, nada de conversa amigável, nada de “por favor”, ela foi resolver suas mágoas e machucados no judiciário.

Ora, há lugar melhor para perpetuar uma briga de vizinho que o judiciário? Enquanto o processo está em trâmite, os vizinhos estão em guerra, com sorte se estabelece uma “guerra-fria”, com azar um campo de batalha digno de inspirar Picasso a pintar um novo “Guernica”.

A mediação veio para nos lembrar que o judiciário, muitas vezes, não é o melhor lugar para se resolver um conflito que tenha como pano de fundo uma relação continuada, algo entre familiares, vizinhos ou sócios, muitas vezes merece uma atenção especial de pessoas qualificadas legal e psicologicamente para não só aplicar a lei, mas levar o conflito para um patamar mais colaborativo, legitimando as dores de cada parte.

Definitivamente, o judiciário não me parece o melhor lugar para resolver o problema do “ninho no meio do caminho”. Aliás, provavelmente, a vizinha da queda não queria mesmo resolver o problema. Ela queria era dar uma boa lição na vizinha pascalina. Queria apontar um culpado. Mas não é por menos! Segundo consta nos autos, o tombo originou um roxo de 2 centímetros na perna dela, inchaço leve e vermelhidão na pele. Como se isso não bastasse, com o tombo, sua meia-calça rasgou.

Nos autos ela alegou que sua capacidade laboral diminuiu 35% devido à queda. Por isso, pedia à vizinha irresponsável 850 euros pelos danos morais e materiais sofridos. E nisso tenho que convir com a requerente, escada não é lugar de objeto decorativo!

Faltou, neste prédio, um(a) bom(a) síndico(a), daquele(a)s chato(a)s, que nunca teria permitido que o ninho jazesse nos degraus de uso comum. Estes síndicos têm seu lugar, são os positivistas do edifício, os que praticam o slogan de “ordem e progresso”. Seguem à risca o que determina o Art. 1.348, IV do Código Civil: compete ao síndico cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia! Mas no país da Ordnung, ou seja, da ordem, parece que nada na convenção de condomínio proibiu a senhora dona vizinha de colocar seu ninho no meio do caminho.

Todavia, como a autora sabia da existência do ninho há semanas e estava convivendo com ele na escada, sem nenhuma reclamação ou problemas para passar até aquele dia, o tribunal entendeu que a autora foi negligente, deixando de se cuidar. Aquele ninho não era um obstáculo novo, portanto a queda era previsível e, ato contínuo, evitável. A tal diminuição da capacidade laboral em 35% também não colou.

A ação judicial da vizinha que caiu foi até julgada procedente pelo tribunal de Dortmund, que responsabilizou a dona do ninho pelas consequências do tombo. Mas a condenação não passou perto dos 850 euros pretendidos. A condenação foi de 100 euros e o tribunal ainda resolveu dividir pela metade a culpa pelo acidente, responsabilizando também a moradora que caiu. Assim, se o objetivo da moradora era mesmo a vingança, não deu muito certo.

Neste caso, o espírito pascoal cristão mandou lembranças e, provavelmente, da próxima vez que a vizinha precisar do clássico ovo para terminar de fazer a massa do bolo, ela terá que procurar em outro ninho.

Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

O caso do mijão sem caução

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Eu, como mulher, imagino que fazer xixi em pé deve ser uma vantagem enorme, principalmente em banheiros públicos. Não sei se temos intimidade o suficiente para falar destas coisas, mas quando vou a um banheiro público a regra, e ao mesmo tempo o desafio, mais importante é: não tocar em nada! Isso pressupõe um certo talento para fazer xixi entre a posição sentada e a posição de pé. Tem que ter força nos joelhos, que é pra não precisar se escorar na porta. Esta regra só sobrevive enquanto ainda sou jovem. Imagino que quando tiver passado dos 75, provavelmente terei que escolher entre me escorar nas paredes e porta ou me render e me assentar…

Aproveito para informar que a ilusão masculina de que mulheres vão ao banheiro juntas para segurar uma à outra é balela. Vamos juntas mesmo para falar sobre os homens. Os homens, ah, os homens, por outro lado podem sempre não tocar em nada. Já ouvi falar da regra de ouro de nunca checar o “instrumento” alheio. No banheiro masculino, olhos sempre acima do peito.

Não me esqueço de um dia em que fui tomar uma cerveja no Kaffe Wolkenlos com amigos e um professor de Direito brasileiro, que estava em Giessen para fazer parte de sua pesquisa pós-doutoral. Ele pediu licença, foi ao banheiro e quando voltou, não se aguentou, teve que nos contar que havia feito um gol. Era um bar de futebol, e no banheiro masculino, no mictório, havia um gol e uma bolinha. O sujeito que mirasse certinho e acertasse a bolinha, conseguia movê-la e fazer um gol! Triste que fiquei por saber que eu não poderia fazer um gol, pedi ao próximo que pelo menos tirasse uma foto do tal mictório, para que eu pudesse ver o motivo da diversão masculina.

De toda forma, o incentivo para que os homens mirassem certinho na bolinha não deve ser um acaso. Depois de algumas cervejas a pontaria deve deixar a desejar e limpar um banheiro masculino de bar não deve ser das tarefas mais agradáveis. As mães alemãs há muito reconheceram que poderiam facilitar a limpeza do banheiro ensinando, desde cedo, a seus meninos que, dentro de casa se mija sentado. O comportamento de fazer xixi em pé chega a ser mal visto. Nenhum deles ficou menos masculino por se assentar confortavelmente no vaso na feitura tanto do número 2 quanto do número 1. Todavia, a ré do caso que vou contar não teve a sorte de alugar seu imóvel para um homem assim educado por sua mãe.

Depois de alugar seu apartamento em Düsseldorf para o autor durante alguns anos, este resolveu se mudar. Quando ele saiu, a dona do imóvel percebeu que a área do chão de mármore dos banheiros no entorno do vaso estava, digamos, sem brilho, demasiadamente afetada pelo uso. O perito reconheceu logo de cara a causa dos danos ao mármore: urina. Segundo ele, o inquilino era seguramente um Stehpinkler. Em bom português: um mijão em pé. Assim, as gotinhas que não achavam seu caminho até o vaso iam deixando sua marca no chão.

A dona do imóvel não pestanejou. Ela tomou a caução que havia exigido do locatário para garantir o contrato e trocou os pisos. Gastou com isso dois mil euros. Há de se dizer que a caução nos contratos de locação na Alemanha é uma prática mais comum que no Brasil. Apesar de prevista legalmente nos arts. 37 ss. da nossa Lei do Inquilinato – Lei 8.245, aqui, pratica-se com mais frequência a fiança como garantia do aluguel. Lá, assim que se celebra o contrato, paga-se normalmente o equivalente a três meses de aluguel como caução, valor também indicado no art. 38, § 2º da Lei brasileira 8.245. A caução fica em uma conta específica, em nome do locatário e o dinheiro vai sendo atualizado.

No dia em que as partes resolvem rescindir o contrato, o locatário deve esperar cerca de seis meses para reaver sua caução. Neste interim, o locador tem tempo de verificar se houve algum dano no imóvel pelo qual o locatário é responsável e poderá usar da caução para repará-lo, devolvendo apenas o que sobrar. Quando não há danos, ele deve devolver a caução por completo, devidamente atualizada.

Ora, o mijão não reconheceu ter feito nada de errado que ensejasse o uso da sua caução. Ele ajuizou uma ação com o objetivo de ter sua caução de volta, já que o desgaste do chão do banheiro não lhe deveria ser imputado. Em primeira instância ele teve sucesso, mas a locadora não deixou por menos e apelou. Na segunda instância o caso tomou contornos quase cômicos. Imaginem que, à revelia do autor, três desembargadoras decidiram o caso do Stehpinkler. As três mulheres, no entanto, ao contrário do que algumas poderiam pensar, decidiram em favor do autor.

O dano ao mármore e sua causa restaram devidamente comprovados pela proprietária do imóvel, todavia as magistradas entenderam que não havia culpa do locatário. Disseram ainda que a decisão teria sido diferente se o contrato avisasse o locatário sobre a sensibilidade do revestimento do chão. Como ele nunca havia sido notificado sobre o cuidado que deveria ter com o mármore, elas não consideraram a sua conduta de fazer xixi em pé como condenável e determinaram que a proprietária lhe devolvesse o dinheiro da caução. Parece então que os locatários estão autorizados a fazer xixi em pé. Mas aqueles que quiserem economizar o tempo e o dinheiro do litígio, que treinem a mira ou que se assentem.

Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

Testemunha Felina

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Você conhece alguém que trata o cachorro como se filho fosse, quer dizer, como se humano fosse? Tem comida gourmet, roupinha de sair e ai do amigo que se esquecer do aniversário do bicho! Há também os donos de gatos. Apaixonados pelos felinos, enchem a casa dos bichos, tiram fotos, postam no Instagram e viralizam. Admiram não só sua beleza, mas sua destreza e independência. O amor pelos bichos, às vezes, supera o amor pelos humanos, há quem diga, inclusive, talvez com certa razão, que lidar com animais é mais fácil que lidar com gente. Meu pai mesmo é um partidário desta teoria. Eu, que amo lidar com gente, observo com admiração o carinho dele com os cachorros.

A Alemanha é bem conhecida pelo amor aos bichos. Não é lenda, é fato, que no país, a associação de proteção aos animais tem mais membros que a associação de proteção às crianças. Os bichos podem usar o transporte público com seus donos e vão a vários restaurantes. Eles são bem-educados e rara vez se ouve um latido ou miado. Ainda assim, animais são terminantemente proibidos nos tribunais. Contudo, como toda regra tem uma exceção, fez-se uma ressalva para um gatinho, que ficou do lado de fora de uma sala de audiência, no fórum de Ingolstadt em 2017, pacientemente esperando sua vez de servir como testemunha. Ele ficou dentro de um cesto, coberto por um cobertor, para não atrair muitos olhares curiosos, acompanhado do namorado da ré, sua dona.

Para nós brasileiros, uma testemunha felina soa no mínimo cômico, afinal, segundo o art. 447 do CPC, podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. Repito: pessoas! O código de processo penal também confirma: art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha. Mas o código de processo civil alemão não foi tão preciso, regula a prova testemunhal nos §§ 373 e ss., mas a regra geral é negativa: não pode ser testemunha quem é parte. E na verdade, se o gato não fosse um bicho, seria ele mesmo o réu, pois todo o imbróglio se desenvolveu em razão de o gato ter mordido a vizinha.

Segundo a vizinha, o suposto ataque aconteceu na noite de 9 de janeiro. Enquanto ela andava, o gato a seguia, como costumava fazer. “Eu disse ao meu marido, olha, estamos sendo acompanhados novamente”, disse ela na audiência. De repente, no entanto, o animal pulou nela e mordeu sua coxa. Ela gritou alto até que o gato a deixou. A ferida acabou inflamando e a autora foi inúmeras vezes ao médico por conta do ocorrido. Uma cicatriz a lembrará para sempre daquela fatídica noite de inverno.

Já a ré dizia que seu gato nunca havia mordido ninguém. O máximo que havia feito era ter dado uma patada num veterinário. Seu estimado gatinho não era ruim ou agressivo. Além disso, ela já havia confundido seu próprio gato com o de outra vizinha, chegando a deixá-lo até a entrar em seu apartamento, então talvez tivesse sido o gato da outra vizinha quem mordeu a autora.

Diante dos argumentos controversos, ambas as partes concordaram com uma acareação do gato com a autora, eis o motivo de o gato ter comparecido em audiência. A juíza que presidia a audiência estava visivelmente se divertindo com tudo aquilo. Já no início dessa, ela perguntou se o gato estava seguro e preparado para uma experiência tão emocionante em sua vida animal. Provocando um sorriso de lado em todos os que assistiam à audiência, disse a juíza ainda que a vantagem era que ela não teria que inquirir o gato. A juíza ainda perguntou à autora como foi que ela reconheceu o gato de noite, já que à noite todos os gatos são pardos e o gato da ré era preto e branco. A autora respondeu que o reconheceu pelas marcas no pelo.

Para decepção geral – com exceção das partes -, a tal acareação de gato e autora acabou não acontecendo. As partes chegaram a um acordo. A dona do gato pagou à vizinha metade do que ela pedia de danos, incluindo os custos com médicos, o que deu um total de 2.700 euros. Ambas saíram satisfeitas da audiência, o que é de suma importância para uma relação continuada, como é a de vizinhos.

A juíza ainda deu seu último pitaco e disse que “um gato não deveria ser a razão pela qual as vizinhas não pudessem mais olhar uma nos olhos da outra.” Bom, claro que eu entendi que a juíza quis ser legal, mas ela correu o risco, ela deu uma pequena menosprezada no gato. Dizer para a mamãe de um gatinho que ele não deve ser a razão de uma briga pode despertar a tigresa que há nela. Afinal, o gato não é apenas um gato, é seu bichinho de estimação, seu pet, seu tudo, o motivo pelo qual ela pagou sorrindo 2.700 euros.

Pra ter bicho é preciso mesmo muito amor, porque bicho pode dar prejuízo. Lembrei-me de quando o noivo do meu melhor amigo queria um gato, ele trouxe a “Meia-noite”, assim chamaram a gata, para casa. Chamaram-me para jantar. Todas as portas da casa fechadas, achei estranho. Ao fim da refeição, ele tirou o forro da mesa e explicou, que era para que a gata não o desfiasse. Meu amigo, que nunca foi lá fã dos bichos e havia tentado conviver e tinha criado até certo apreço pelo bichinho, por amor ao seu noivo, me confessou: as portas estavam fechadas para que ela pudesse destruir o menor número possível de coisas. Havia uma bandeja de areia na sala e uma de comida na cozinha e tirar o forro da mesa depois do jantar, ah!, essas eram coisas que ele ainda não estava preparado para fazer por um bichinho. Uns dirão que ter um bichinho pode ser um treinamento para ter filhos, já que filhos também podem dar prejuízo, pois eu digo, tenho certeza que ele será um paizão e que estará disposto a muito mais por um “serhumaninho”. Pensando assim, talvez possamos mesmo dividir a humanidade em membros da associação de proteção aos animais e membros da associação de proteção às crianças. Bem-aventurados os membros de ambas.

Fontes: LG Ingolstadt 2017
https://www.sueddeutsche.de/bayern/skurriler-prozess-katze-muss-vor-gericht-als-zeugin-erscheinen-1.3581350
https://www.donaukurier.de/nachrichten/bayern/DKmobil-wochnnl282017-Einigung-im-Prozess-um-Katzenbiss;art155371,3457099

Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Philipps Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas


Por que ler as crônicas da Deborah Salomão?

nota de deborah salomao juris

Nota da autora

Mineira que sou, gosto de um bom “causo”, contado à beira do fogão à lenha, acompanhado de um pão de queijo e de um cafezinho, sem açúcar, por favor! Mas nem todos os “causos” que ouvi foram contados num dedo de prosa. Minha profissão me deu o privilégio de ouvir muitos deles e pesquisar outros inúmeros. Muitos dos que aqui contarei, ouvi do outro lado do Atlântico, morrendo de saudade do pão de queijo e do café mineiros. Pois eu não mereceria minha “mineirisse” se não os repassasse. Este é o intuito destas crônicas, contar casos concretos, mas transformando-os em “causos” de beira de fogão.

Contudo, todo mundo sabe que quem conta um conto, aumenta um ponto. Todo advogado sabe que toda vez que se ouve um caso contado, só se ouve um lado da história e corre-se o risco de se saber do caso todo apenas na hora da audiência de instrução. Além disso, nenhum advogado que se preze vai sair por aí dando opinião sem ter lido os autos e averiguado todas as provas juntadas. Portanto, caro leitor, fique já de sobreaviso, não por amor ao debate – o que seria muito brega – mas por amor ao humor, adicionarei umas pitadas de emoção aos casos, para transformá-los em “causos”. O jurista diligente que quiser ter uma visão menos apaixonada e mais apurada do que for aqui contado, fique à vontade para buscar os casos que, graças ao princípio da publicidade, ficam à disposição do povo. Todos os “causos” serão casos reais.

No mais, espero que os textos também sirvam como contraprova de uma frase que ouvi muito durante os oito anos em que vivi na Alemanha: “Jura ist trocken“. Praticamente toda vez que eu falava o que fazia, alguém respondia: – “Direito é seco”, como você consegue? Ora, os “causos” a seguir demonstram com clareza que Direito é divertidíssimo! Se a vida é divertida, o Direito também o é, pois é a ela que ele diz respeito. Então, permitam-me o trocadilho, “Jura kann ganz nass sein“, quem quiser e puder, que se esbalde ou se afogue…

Clique aqui para ler a crônica Testemunha Felina, que envolve um gato como testemunha em uma audiência. Já pensou nisso?

Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Philipps Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas