O governo do presidente Michel Temer (PMDB) envolveu-se em uma polêmica durante o mês de outubro, quando o Ministério do Trabalho editou a Portaria 1.129/2017 que altera as regras para a definição de trabalho escravo no país.
A medida foi apontada por oposicionistas e parcela importante da imprensa brasileira como um aceno a deputados federais da bancada ruralista na Câmara, em troca de votos para que o peemedebista escapasse da segunda denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR).
Mas a principal polêmica no que diz respeito ao assunto se deu, na verdade, por conta do conteúdo da portaria, criticada por organismos de combate ao trabalho escravo no Brasil e no mundo.
Continue a leitura e entenda o que o governo tentou mudar com as novas regras para o setor e toda a repercussão em cima do tema.
A portaria do trabalho escravo
O texto apresentado pelo governo federal, por meio do Ministério do Trabalho, traça mudanças em diversos pontos. Veja alguns deles:
Definição do trabalho análogo à escravidão
O Código Penal brasileiro determina, em seu artigo 149, que está em condição análoga a de escravo quem é submetido a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho, restrição de locomoção ou servidão por dívida.
Na nova portaria, porém, essa condição requer a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária; o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico; a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto; e a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho.
Na prática, portanto, tal condição só seria considerada caso haja algum tipo de cerceamento da liberdade do trabalhador.
As definições de trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante também foram modificadas de modo a exigir de alguma forma o cerceamento da liberdade para sua configuração.
Assim, trabalho forçado, para a portaria do Ministério do Trabalho, passou a ser “aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade”.
A jornada exaustiva, pela nova regra definida pelo governo federal, passou a ser “a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais a sua categoria”.
No que diz respeito à condição degradante, a portaria aponta que ela é caracterizada “por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação de sua dignidade”.
Novos limites à fiscalização
Atualmente, o conjunto de violações, mesmo que não se apresente por completo, é considerado no momento da fiscalização por parte da área técnica do Ministério do Trabalho.
A portaria publicada pelo governo aponta que, para a definição do trabalho escravo, é necessário que estejam previstas todas as variáveis que determinam essa condição no exato momento da fiscalização. Se a jornada não for exaustiva ou o trabalho não for degradante, por exemplo, não há que se falar em trabalho análogo à escravidão.
A portaria também amplia a burocracia relacionada ao tema, ao exigir documentos que demonstrem a ocorrência dos fatos, incluindo fotos, descrições detalhadas etc. Também é necessário que se lavre um boletim de ocorrência pela autoridade policial que deverá participar da fiscalização. Hoje não é necessária a presença da polícia para isso.
Entraves à inclusão na lista suja
Criada para divulgar o nome de empregadores que foram pegos em fiscalizações praticando trabalho escravo, a chamada “lista suja” foi pensada para impedir que tais empresas obtivessem acesso a recursos públicos. Porém, a publicação passou a ser encarada como uma forma de constrangimento aos empregadores.
Por dois anos, a “lista suja do trabalho escravo” teve a divulgação proibida pela Justiça, que só liberou sua veiculação neste ano.
A nova portaria dificulta a inclusão do nome de empregadores na lista, ao determinar que as atualizações só serão feitas duas vezes por ano no site do Ministério do Trabalho. Além disso, passou a ser do ministro a decisão final sobre a publicação de um nome no documento e não mais da área técnica da pasta.
Críticas
A publicação da Portaria 1.129 recebeu fortes críticas do Ministério Público e de entidades nacionais e internacionais que combatem o trabalho escravo.
A procuradora geral da República, Raquel Dodge, por exemplo, considerou que a medida é “um claro retrocesso”. Em um evento no dia 30 de outubro na sede da Escola Superior do Ministério Público da União, ela afirmou que o documento “implica na mudança de um conceito que está sedimentado em lei e na política pública que vem sendo praticada no país nos últimos 30 anos.”
O Ministério Público não foi o único órgão a questionar a regra definida pelo governo federal. Após a publicação da portaria, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio de nota e de pronunciamento de seu representante em Brasília, Antônio Rosa, demonstrou “preocupação”.
O porta-voz da entidade, que é coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT no país, chegou a destacar que o país deixava de ser referência no combate à escravidão.
O Ministério do Trabalho, por sua vez, nega que a portaria afete o combate ao trabalho escravo, apontando que esta é uma política permanente do governo federal.
Portaria suspensa
Diante de toda a polêmica em torno da portaria sobre trabalho escravo, partidos políticos como a Rede Sustentabilidade, PDT e a Confederação Nacional das Profissões Liberais foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida.
Atendendo ao pedido, no dia 24 de outubro de 2017, a ministra da Corte máxima do Judiciário brasileiro Rosa Weber decidiu liminarmente suspender a portaria. Com isso, até que o plenário do Supremo, composto por 11 ministros, analise o caso, continuam valendo as regras antigas.
Em sua decisão, entre diversos argumentos, Rosa Weber destacou que o Ministério do Trabalho “introduz, sem qualquer base legal de legitimação, o isolamento geográfico como elemento necessário à configuração de hipótese de cerceamento do uso de meios de transporte pelo trabalhador, e a presença de segurança armada, como requisito da caracterização da retenção coercitiva do trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída”.
Pelo visto, as novas definições para a fiscalização do trabalho escravo ainda vão render bastante discussão.
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