A Páscoa é época de celebrar a vida. Este feriado religioso, que nos lembra a ressurreição de Jesus, é celebrado nos países com maioria cristã. Por aqui, nós decoramos as casas com pintinhos, coelhinhos e cenouras, e esperamos que chegue o coelhinho da páscoa com nossos deliciosos ovos de chocolate. Cristã e chocólatra que sou, a páscoa muito me apetece. Na Alemanha, ao invés dos ovos de chocolate, pintam-se os ovos da galinha de diferentes cores. A decoração também conta com coelhinhos e pintinhos em seus ninhos, representando a vida nova.
Acontece que nem todos se alegram com a decoração sazonal. Na época pascal de 2012, a alegria da moradora de um prédio na Alemanha durou pouco. Com o objetivo de ornamentar seu lar para a páscoa, ela colocou um ninho pascal nas escadas do prédio. O ninho tinha aproximadamente 30 centímetros de diâmetro e 24 centímetros de altura. Todos os moradores passavam pelo ninho na parte de 64 centímetros que sobrava livre do degrau.
O artefato decorativo parecia não incomodar, até que uma vizinha acabou por tropeçar no ninho e cair. Mas ela não deixou barato, nada de conversa amigável, nada de “por favor”, ela foi resolver suas mágoas e machucados no judiciário.
Ora, há lugar melhor para perpetuar uma briga de vizinho que o judiciário? Enquanto o processo está em trâmite, os vizinhos estão em guerra, com sorte se estabelece uma “guerra-fria”, com azar um campo de batalha digno de inspirar Picasso a pintar um novo “Guernica”.
A mediação veio para nos lembrar que o judiciário, muitas vezes, não é o melhor lugar para se resolver um conflito que tenha como pano de fundo uma relação continuada, algo entre familiares, vizinhos ou sócios, muitas vezes merece uma atenção especial de pessoas qualificadas legal e psicologicamente para não só aplicar a lei, mas levar o conflito para um patamar mais colaborativo, legitimando as dores de cada parte.
Definitivamente, o judiciário não me parece o melhor lugar para resolver o problema do “ninho no meio do caminho”. Aliás, provavelmente, a vizinha da queda não queria mesmo resolver o problema. Ela queria era dar uma boa lição na vizinha pascalina. Queria apontar um culpado. Mas não é por menos! Segundo consta nos autos, o tombo originou um roxo de 2 centímetros na perna dela, inchaço leve e vermelhidão na pele. Como se isso não bastasse, com o tombo, sua meia-calça rasgou.
Nos autos ela alegou que sua capacidade laboral diminuiu 35% devido à queda. Por isso, pedia à vizinha irresponsável 850 euros pelos danos morais e materiais sofridos. E nisso tenho que convir com a requerente, escada não é lugar de objeto decorativo!
Faltou, neste prédio, um(a) bom(a) síndico(a), daquele(a)s chato(a)s, que nunca teria permitido que o ninho jazesse nos degraus de uso comum. Estes síndicos têm seu lugar, são os positivistas do edifício, os que praticam o slogan de “ordem e progresso”. Seguem à risca o que determina o Art. 1.348, IV do Código Civil: compete ao síndico cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia! Mas no país da Ordnung, ou seja, da ordem, parece que nada na convenção de condomínio proibiu a senhora dona vizinha de colocar seu ninho no meio do caminho.
Todavia, como a autora sabia da existência do ninho há semanas e estava convivendo com ele na escada, sem nenhuma reclamação ou problemas para passar até aquele dia, o tribunal entendeu que a autora foi negligente, deixando de se cuidar. Aquele ninho não era um obstáculo novo, portanto a queda era previsível e, ato contínuo, evitável. A tal diminuição da capacidade laboral em 35% também não colou.
A ação judicial da vizinha que caiu foi até julgada procedente pelo tribunal de Dortmund, que responsabilizou a dona do ninho pelas consequências do tombo. Mas a condenação não passou perto dos 850 euros pretendidos. A condenação foi de 100 euros e o tribunal ainda resolveu dividir pela metade a culpa pelo acidente, responsabilizando também a moradora que caiu. Assim, se o objetivo da moradora era mesmo a vingança, não deu muito certo.
Neste caso, o espírito pascoal cristão mandou lembranças e, provavelmente, da próxima vez que a vizinha precisar do clássico ovo para terminar de fazer a massa do bolo, ela terá que procurar em outro ninho.
Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.