Ah, o medo! Causador da afobação e da inércia, a uns faz correr, a outros paralisa. E a outros… faz mentir. Quem nunca mentiu por medo que atire a primeira pedra! Quem nunca pôs a culpa no irmão mais novo para não levar um xingo? Quem nunca omitiu os fatos polêmicos de uma história que contou para o parceiro ou parceira? Mas aí, a gente cresce, amadurece, e entende que não precisa mentir. Que aquilo que queremos omitir, na verdade não é tão ruim assim e que lidar com as consequências da verdade é muito melhor que lidar com as da mentira. Passamos a ter outros medos e, com sorte, um pouco mais de coragem para enfrentá-los e fazer tudo mesmo assim.
Mas há um medo que parece resistir ao tempo. E quando digo tempo, não estou apenas falando dos anos de vida de um indivíduo, mas de eras. Um medo que, creio eu, acompanha a humanidade desde que homem e mulher se juntaram para formar um casal. O medo que o homem tem de sua mulher.
Você já presenciou uma cena dessas, de um homem que fez alguma coisa que ele sabe que sua mulher repreende? Chega a ser hilário! Minhas primas, certa vez me contaram, que meu tio estava pintando alguma bobagem sua no quintal e a tinta derramou e acabou manchando o chão e a parede. Elas dizem que nunca viram seu pai tão desesperado. Tentando de qualquer jeito limpar tudo antes que minha tia chegasse. Dizem ter sido cômico ver aquele cinquentão de dois metros de altura, agindo como se fosse uma criança que quebrou o vaso favorito da mãe. Não passou pela cabeça dele que ela talvez fosse entender que aquilo foi um acidente, mas, cá pra nós, acho mesmo que ela não trataria a situação de maneira tranquila. Se ele conseguiu esconder sua lambança eu já não me lembro. Mas a dinâmica do casal funciona muito bem. Ela manda, ele obedece.
Como o medo da mulher ultrapassou gerações, ele também atravessa oceanos. Em Detmold, na Alemanha, um homem se meteu numa enrascada por medo de sua mulher. O “dito cujo” foi levado ao hospital com um ferimento de tiro na coxa. Mas calma, não foi sua esposa quem atirou no coitado.
O pessoal do hospital, seguindo o protocolo de atendimento a quem é ferido a tiros, chamou a polícia que tomou seu depoimento. Segundo o sujeito, ele estava praticando exercícios, fazendo sua corrida em uma tranquila área de lazer, quando foi baleado. A polícia levou muito a sério este relato e colocou seu pessoal à procura daquele que tirara a paz do lugar. E de fato, toda a cidadezinha ficou alarmada, com medo do tal atirador, que, desprovido de motivos, atirara no homem de 46 anos. Grande foi a mobilização, enquanto sucedia a investigação de aproximadamente uma semana.
Contudo, a investigação não levou ao tal atirador, mas sim à própria vítima. Aquele homem inventara toda a história por medo de sua mulher. Na verdade, ele tinha achado a arma quando fez a limpa numa casa velha de estranhos e resolveu ficar com ela. Sabia, contudo, que sua esposa seria contra a manutenção de uma arma dentro de casa. Manteve segredo sobre o fato.
Chegou depois à sábia conclusão, de que não deveria contrariar sua esposa e resolveu se desfazer da arma que possuía ilegalmente. Pegou-a então para limpar e empacotar e aí, boom! Atirou em sua própria perna. Ora, já ficou claro que sua esposa estava cheia de razão por não querer que o marido portasse uma arma, antes mesmo de saber que ele a tinha. Como ele pôde guardar a arma em sua casa carregada e pronta para o disparo? Deu no que deu e ainda piorou!
Sua historinha teve consequências penais. Em processo perante o tribunal distrital de Detmold o homem foi condenado a 12 meses de pena privativa de liberdade e multa no valor de 1.600 euros de acordo com o §145d do Código Penal Alemão (StGB), por ter mobilizado o aparato estatal em razão de uma mentira. Este artigo prevê pena de até 3 anos ou multa. Um pouco mais do que aquela prevista no art. 340 do nosso Código Penal para um comportamento assim: “Art. 340 – Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
Engraçado é o fato de que, em sua defesa, ele realmente alegou ter agido com medo de sua esposa. Disse que só queria vender a arma com medo de que ela descobrisse tudo. Depois de ter atirado em si mesmo ele continuou com medo de que ela desvendasse o real motivo do ocorrido e resolveu inventar os fatos que levaram à investigação policial.
Sinceramente, eu fiquei até com pena do sujeito. Esse deve ter dormido no sofá por umas boas semanas, meses quiçá! Ele saiu no prejuízo em todos os aspectos físicos, amorosos e financeiros. Ele se enrolou todo nesta história. E pior, muito pior do que ter feito tudo aquilo e mentido para polícia é que agora a mulher, além de saber de tudo, sabe que ele mentiu! Confiança é um troço frágil… Por isso, por fim, caro homem, deixo-lhe um breve conselho: não minta, mas, se for mentir para sua mulher, que seja de maneira que ela nunca descubra.
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Deborah Alcici Salomão é Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.