A subsunção e o ato jurídico perfeito: explanação acerca das súmulas contra legem

Resumo                                       

Prestar ou emprestar uma definição ao direito é o mesmo que buscar descrever o seu próximo: é ter ciência e consciência de si próprio até o outro – Fleuma pelo outro e paixão pelo direito. Paixão, que etimologicamente não se encontra exclusivamente ligada ás coisas que nos envolvem, mas também a tudo que nos inquieta; da qual arriscamos concluir ser o direito uma ciência apaixonante…

É razoável que o direito enquanto percepção de equilíbrio, exercício da ética e esperança de justiça permaneça na ideologia do dever ser, tornando legítima toda e qualquer medida capaz de prover consenso. Inviolável, no entanto, é “aquele” para o qual o raciocínio não encontre controvérsias na busca incessante de não rotular, perante sugestionado leque juridicamente farto. De modo inverso, contrário senso, o cuidado de não igualar injustamente os róis da tipificação bem como a eficácia á leis vigentes e em desuso, se sobreveríam dignas; caso façam-se inquestionáveis.

Objetivamos com o presente artigo ressaltar no direito o que nele se extrai de melhor: Uma ciência justa, pautada no princípio da isonomia, tendo como primado “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualem” ² (grifo nosso)Parece-nos oportuno fazer alusão ás súmulas, com especial atenção á aquelas enquadradas como verdadeiramente contra legem que a priori, surtem mais eficazes ao judiciário – não necessariamente á justiça.

Perante a necessidade de prover a uniformidade dos julgados e alcançar maior segurança jurídica, sem deixar de atender ao preceito do Art 5°,II,CF que tem na lei o seu principal fundamento, torna-se impreterível a sua análise sob a ótica penal já que na prática as súmulas vieram a assumir um caráter um tanto imediatista, servindo de fundamento á última palavra a cerca da decisão.  A adoção á súmula, no entanto, não extirpa a possibilidade que decisões contra legem permaneçam validamente no mundo jurídico, pelo contrário; poderá servir de fator multiplicador de injustiças, retirando do direito a sua especificidade.

Palavras chave: Hermenêutica. Súmulas. Súmulas contra legem no direito penal.

1-Introdução; 1.2-Súmulas: Ponderação e instrução para esses instrumentos; 1.3-Quando a lei vai contra o direito.

Introdução

Diante das mais variadas polêmicas as quais pode o direito suscitar – característica de uma ciência rica da qual a abrangência não se exime e cuja eficácia fraciona no tempo, refutada quando incompatível com a realidade social – quiçá questionável; uma vez “criadas por homens e não deuses”, faz necessárias tais indagações; arrebatadas pela compreensão e mais precisamente pela intenção da lei.

Estaríamos livres a optar pela mens legis ou mens legislatoris? Fazer da lei um legítimo instrumento de transformação social, buscando nela calçar a efetividade a que se presta, incorreria a infração de algum artigo?O que restaria pensar, no que toca as leis á luz de sua época que se aplicadas hoje, soariam ridículas? Qual a conseqüência jurídica da aplicação da norma diante tamanha inflação legislativa?

O que se espera, é que o resultado da aplicação de determinada norma conduza a resultados moralmente desejáveis, satisfazendo uma pretensão de justiça. Se é certo que o legislador não utiliza a palavra em vão, é aceitável que perante uma sociedade pluralista como a moderna, entre a vontade da lei e a do legislador prevaleça a vontade da lei; sendo este, o entendimento da majoritária doutrina. Diante disso, estaríamos sucumbe a ânimos?

Pergunto: Retirar o humanismo do direito sob o argumento de que somos todos falíveis, faz de nossa controvérsia algo libertino? Tornar o caso concreto absoluto e exteriorizado faria “fincar os pés” ao absolutismo da escandalosa França do século XVIII, tornando o processo mera formalidade?

No mais das vezes o direito tem nos mostrado nas suas diversas searas, mecanismos pelos quais se possa alcançar a verdade, quer pelo fato de muitas das relações jurídicas por terem de atender aos ditames legais e desejando burlá-las, vem a sedimentar-se sob uma falsa chancela (o uso do princípio da primazia no que toca ás relações jurídicas); quer porque o crime evolui junto com a lei; exigindo da integração um maior esforço, com a ressalva, ás penas que descrevem crimes e impõe sanções.

Lembro a vocês que é vedada a analogia em direito penal; razão pela qual nos deparamos com a chamada norma penal em branco. Não se entende afastavel em nenhum momento, sob nenhuma hipótese o primado da legalidade, pois como reza o Art 5°,II,CF:

Art 5°,II,CP – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.

Súmulas: Ponderação e instrução para estes instrumentos.

As súmulas ganham destaque ao buscar refrear a discricionariedade interpretativa passível de toda a lei; melhor dizendo, o tratamento ao direito material apreciado de forma divergente nas câmaras e tribunais superiores; “em bolsa de mulher e cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair”- não é assim que diz o ditado popular? Parecem laborar para a efetiva justiça e há de entender ter seu fim, todo o escárnio voltado á visão elitista reservada ao judiciário, já que  oportunamente se fazem mantedoras do controle de constitucionalidade de determinada matéria.

Conhecidas como jurisprudência, podem ser descritas como o conjunto de decisões, sendo entendidas como a linha que um determinado tribunal segue para tratar de um tema específico. Diferem-se das orientações jurisprudências (mais simples e atinentes á seara trabalhista) Uma vez editadas, sua alteração ou cancelamento se dará por um processo muito mais aprofundado no tribunal onde se originou.

A polêmica que rodeia a edição das súmulas se dá pelo fato de ordenamentos jurídicos complexos apresentarem vez ou outra, conflitos entre normas ou entre normas e princípios; e nesse caso, quando vencida, algumas delas se realizariam em detrimento da lei, sobrevindo súmulas inconstitucionais denominadas “contra legem”.

Embora idealizadas desde a década de 60, ainda hoje repercutem discussões sobre a possibilidade de tornarem-se ou não objeto de ADI. Cada vez mais presentes e com a mesma atenção que se dá a uma norma; ainda que não lhe seja dado o caráter jurídico de uma norma, não lhes são cabíveis argüições de descumprimento de preceito fundamental, pois lhes carece caráter normativo, conforme resolução da ADPF n° 80 julgada pelo Supremo.– Somente os legitimados que constam do artigo 3º da Lei 11.417/2006, é que podem propor a sua edição e o seu cancelamento.

Quando vinculantes, após a aprovação por no mínimo oito ministros e a publicação no Diário de Justiça Eletrônica, criadas pela Emenda Constitucional (EC) 45/04,dentre tantas outras melhorias, são atinentes á questões examinadas nas instâncias inferiores e terão o condão de tornar obrigatória a sua aplicação, pacificando o seu entendimento e servindo de veto á subsunção do juiz – embora defendam o que o ato jurídico perfeito sequer fora violado, conforme redação da supramencionada Emenda, a qual é regulamentada pela referida lei  11.417/2006 :

[…]“terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (parágrafo 1o do artigo 103-A).

O caso concreto seria aquele sumulado, bastando por si só o seu enquadramento.

Se o direito já repousa vinculado, não mais se produz o direito, a sentença teria por tanto um aspecto caricativo, não mais será possível alterar a maneira como se interpreta e se aplica uma lei, o que limitará a interposição de recursos. No entanto, quando elas beneficiam, todos os ramos do direito vão buscar sua validade no direito constitucional. Vai gerar a coisa julgada, terá seus efeitos erga omnes e porque não dizer, retroativos – se satisfeita talvez a única exceção em direito penal: o príncípio in bonan partem, a retroatividade, quando em benefício do réu.

São poucos os julgamentos anulados por conta da retroatividade da lei no que toca ao uso de algemas. Não nos parece cabível que centenas de julgamentos sejam decretados nulos; validado os seus efeitos, mas deixam-nos  á margem de questionar a  sua conveniência. De qualquer forma, uma vez uniformizados, ainda que não se discuta a justiça da decisão, a celeridade estaria mais próxima de ser alcançada e o senso de justiça bastaria preenchido.

1.3 “Quando a lei vai contra o direito”                                 

As súmulas não são leis, mas é necessário que se compreenda que há súmulas capazes de ir contra o direito com a mesma inércia que uma ação realiza uma norma.Tomemos como exemplo as súmulas sem efeito vinculantes.

Importante lembrar que respondendo o agente na medida de sua culpabilidade, sendo o  direito algo especifico, consequentemente variável e relativo por tanto; cujo molde se realiza através da subsunção do Juiz; a adoção facultativa pelo magistrado (cuja inobservância faz pensar ter o juiz o respaldo no Art. 5 LINDB  promovendo a justiça para atingir ao fim social e as exigências do bem comum), remete-nos áTeoria do Direito de Ronald Dworkin para a chamada Textura Aberta do Direito.

Poderá o juiz decidir diferente, adotando ou não a súmula, levando ou não o fato ao STJ, levando ou não ao Supremo e, de alguma forma, o direito e a liberdade das pessoas restaria cerceado.  A idéia não é trazer críticas a ratio penal, mas ressaltar a sua finalidade qual seja, a uniformização dos julgados.  Qual é a distancia, o discernimento, a linha tênue da qualidade do que lhe é facultativo e discricionário? E qual é a conseqüência, juridicamente falando?

São minoria as súmulas ditas contra legem em direito penal, súmulas estas que podem ser aplicadas com a maior tranquilidade pelos tribunais. Pouquíssimas, se comparadas dentre as várias 736 aplaudidas súmulas, distribuídas em suas diferentes justiças. Todos os tribunais possuem súmulas ou enunciados as quais atendem por um número sequencial. Digo que são poucas, mas friso que são várias – e isso ofende; fere a legalidade.

Importante lembrar que em se tratando de direito penal, o agente sempre responderá na medida de sua culpabilidade. Razão pela qual fora afastada do ordenamento a teoria da imputação objetiva, que atinha-se somente ao resultado final, sem levar em conta o nexo de causalidade. Logo, se o agente desferisse 6 (seis) tiros contra a vítima e a mesma viesse a falecer por conta do desabamento do teto do hospital em que se instalara, o mesmo ficaria impune – ainda que notória a intenção de matar, pois a causa da morte não seria em razão dos tiros desferidos contra ela e sim o traumatismo craniano provocado pela ação do desabamento.

Atendo-se somente ao resultado exposto por essa teoria, aquele que concorresse para o crime, mas o fizesse perante atividade lícita, ex- assar um bolo com uma faca em seu interior, também ficaria impune, uma vez que assar um bolo é uma atividade lícita, não configurando crime. Por razões óbvias, essa teoria fora definitivamente superada. –

É necessário ponderar que perante as mais variadas formas pelas quais o ius puniendi tem se incorporado no decorrer da história e evoluído, no que toca aos suplícios e as penas corpóreas – o desafio de manter-se em equilíbrio ainda é uma realidade em épocas de população carcerária, a considerarmos “ser os poderes independentes e harmônicos entre si”. Essas reformas tão aludidas e comentadas das quais hoje mais do que normas ou princípios, conflitam valores, imputam-nos no esforço de conceituá-las.

Se a impunidade choca, o esperado é que seu exagero provoque semelhante furor (pelo menos em um estado democrático de direito) e por isso, atendendo ao princípio da razoabilidade, iniciaremos fazendo menção á súmula n° 610 do Supremo no que toca ao crime de latrocínio:

STF Súmula n° 610- Há crime de latrocínio quando o homicídio se consuma ainda que não realize o agente a subtração dos bens da vítima.

Sabemos que o latrocínio é um crime complexo, realizado pela ação de roubo (art 157 CP) qualificado pelo resultado morte (Art 121CP). A lei fora revogada? Não. Crimes de homicídio e latrocínio atendem a mesma execução? Não. O tratamento punitivo para ambos os tipos de crime é o mesmo? Definitivamente não!

A adoção a essa súmula além de ferir o princípio da legalidade, parece contrariar por completo o Art.14 CP, que caracteriza o crime consumado quando realizados todos os elementos de sua definição legal, quais sejam, a subtração e o resultado morte; caso contrário, estaríamos diante de um crime tentado ou somente um homicídio.

Notem que com a edição da referida súmula o ilícito penal configurado no Art.157 CP fora suprimido, “transtornando” o tipo penal. Sendo assim, um crime contra o patrimônio passaria a ser considerado um crime contra a vida. Seria esse crime levado a júri? A resposta é não.

STJ Súmula nº 174 – no crime de roubo, a intimidação com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena.

Não se pretende discutir a genuinidade de sua criação. Não é preciso descrever o que é medo, nem necessário explicar a violência e submissão que o medo impõe.  Devemos nos ater para as conseqüências de sua aplicação que é o aumento de pena.

Não se pode confundir uma arma com um brinquedo pela simples razão de que armas de brinquedo não matam.  O que “fizeram” com a teoria finalista da Ação que considera primordialmente a intenção do agente? De um lado a intenção de fundado temor, de outro… Não trataria este de um crime impossível?Ao analisar a justiça que esta súmula pretendia alcançar, perguntamos: sob a ótica de quem? A doutrina criticou em peso e a citada súmula teve seu cancelamento no ano de 2000.

STJ Súmula n° 231 – A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. –

Sabemos que diante a dosimetria da pena, a pena base que não tem quantun de lei, não poderá ir além (acima) ou aquém (abaixo) da escala penal. Caberá ao juiz decidir, diante as circunstâncias Judiciais, as circunstâncias legais, bem como as causas de aumento e diminuição de pena, valorar e fixar a pena mediante a análise criteriosa e específica perante o caso concreto, sendo a conduta do agente (que atenderá a critérios etários, psíquicos e sociais, antes, durante e após o crime) fundamental e determinante. O direito como resultado meio, nunca como resultado fim.

Vejamos por exemplo o cometimento de um furto simples, cuja escala penal estabelece pena de 1 a 4 anos. Um furto simples praticado sem violência, cuja a lei permite, satisfeitos tais requisitos, a possibilidade de um hipotético arrependimento posterior e, nesse caso, a redução da pena ( Art 16 CP) que ao reparar o dano tornaria este crime de formal um crime de mera conduta e que, tendo o agente menos de 21 anos, serviria de fator ensejador a uma atenuante. – Esse é o raciocínio.

Surge o entendimento do STJ ao editar uma “súmula fim” que escandalosamente põe fim ao que reza o Art. 65 CP ao ignorar as várias enumeradas causas que sempre atenuam a pena, como já pretendera demonstrar o legislador, a evitar que o direito venha a recair sobre determinada clientela. Notem a mácula ao sistema trifásico. Súmula elitista, indiscutivelmente contra-legem.

STF Súmula n° 11- Uso de Algemas, restrições, Responsabilidades do Agente e do Estado – Nulidades

Súmula vinculante que talvez seja a mais atacada, a que mais provoque celeumas, quer em sua defesa quer em sua crítica, quer pela reação do réu, quer porque a mídia a noticie como constrangedora usurpando do direito, conclusões fundadas como ofensivas ao princípio da dignidade da pessoa humana. Acusam seu estereótipo, contestam seus estigmas, aludindo a uma justiça ora repressora, – o agente incapacitado de se mover, preso antes mesmo da sentença…um escândalo!  Ora debochada, o agente cruzando os braços e estufando o peito, rindo, acenando, livre para atuar dolosamente contra o juiz, caso queira, se condenado, quando perigoso…um absurdo!

O Entendimento é íngreme, pois não se pode algemar, restando feridos princípios constitucionais, ainda que em respeito á coletividade que em tese, prevaleceria, o que poria abaixo o in dúbio pro réu, além de influenciar o júri, que no mais das vezes gera a coisa material julgada. A revisão criminal é a exceção e o direito pode sim balizar-se em excludentes, não devendo nunca desviar-se.  A presunção da inocência é estabelecida como regra para a prática de determinado delito e deve ser observada ao acusado, sendo um princípio de ordem constitucional.

Art. 5° LVII, CF –  Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Expostas tais divergências, deixamos sob a égide do direito a súmula em seu aspecto reformador, não inquisidor. Que sejam elas capazes de arrancar críticas, sinal de que o direito possa ainda repousar unânime, clamado e reclamado, reformulado e urgente. A intenção não é revelar um fim ou desvendar uma finalidade, é respeitar a súmula com a cautela que exige -cientes de sua força, com a observância á inevitável e influente volúpia que ao homem sempre se consome, como característica.

Gostou do artigo? No Dubbio você também pode publicar seus artigos e conquistar novos clientes!

BIBLIOGRAFIA

[1]CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 1978, p.225.

Dworkin Ronald, Levando o direito a Sério.1° Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

Paulo, Digesta, 22.3.2

Rogério Greco, A evolução do direito penal, disponível aqui.

Toledo, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5° Ed.São Paulo: São Paulo

Érika Barion Bacellar
Acadêmica do 8 período do Curso de Direito pela Faculdade de Ciências e Letras Dr. Edmundo Ulson – UNAR
erikabarbac@yahoo.com.br

Dê uma nota a este post
cta-ebook-recem-formado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *