O presente estudo não tem como escopo a análise do exame criminológico sob a ótica do princípio da secularização e do direito penal de autor ou da possibilidade (ou não) do exame para o ingresso no regime fechado. Restringe-se o tema à exigência (ou não) do exame criminológico como requisito para a progressão de regime de execução da pena.
A súmula vinculante nº 26 descreve que “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”. Em outras palavras, a súmula narra que é possível a progressão de regime para os condenados pela prática de crime hediondo ou equiparado, desde que sejam preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos da progressão, sendo facultativa a realização do exame criminológico.
Por sua vez, a súmula 439 do Superior Tribunal de Justiça afirma que “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”. Dito de outro modo, o exame criminológico não é obrigatório para a progressão do regime, mas pode ser determinada pelo Juiz, diante das peculiaridades do caso, em decisão fundamentada.
Ponto em comum nas duas súmulas supracitadas é que o exame criminológico não é obrigatório, não constituindo um requisito para a progressão da pena. Pode, no entanto, ser determinado pelo magistrado, desde que por decisão fundamentada.
Mas, o que é o exame criminológico?
Para Cezar Roberto BITENCOURT, o exame criminológico “é a pesquisa dos antecedentes pessoais, familiares, sociais, psíquicos, psicológicos do condenado, para obtenção de dados que possam revelar a sua personalidade” (Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1. p. 459). E continua dizendo que “é uma perícia, embora a LEP não o diga, busca descobrir a capacidade de adaptação do condenado ao regime de cumprimento da pena; a probabilidade de não delinquir; o grau de probabilidade de reinserção na sociedade, através de um exame genético, antropológico, social e psicológico” (idem. P. 461).
Luiz Régis PRADO leciona que “O exame criminológico exsurge na Lei de Execução Penal como instrumento indispensável para a elaboração do programa individualizador da execução de modo a oportunizar a cada sentenciado os elementos necessários para sua reinserção social” (Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010. p. 173. nota 3).
Posto isso, resta-nos saber: o exame criminológico é requisito para a progressão de regime?
Para tanto, importante saber quais são os requisitos para a progressão do regime de execução da pena. Assim, partindo-se da premissa que “A progressão no regime de execução da pena privativa de liberdade é uma das faces visíveis da individualização da pena, que constitui um dos principio fundamentais do Direito Penal” (DOTTI, Rene Ariel. Curso de Direito Penal. 3. Ed. São Paulo: RT, 2010. p. 653) e que “A passagem para o regime menos rigoroso depende da fração de pena cumprida no regime anterior e do mérito do condenado” (idem), passamos, sem mais delongas, aos requisitos.
A progressão de regime, ou seja, a “passagem do condenado de um regime mais rigoroso para outro mais suave, de cumprimento da pena privativa de liberdade” (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo, 2007. Vol. 1. p. 365), possui, regra geral, dois requisitos: a) objetivo ou formal e b) subjetivo ou material. A exceção refere-se ao condenado por crime contra a administração pública, que necessita, ainda um terceiro requisito, qual seja, a reparação do dano ou a devolução do produto do ilícito acrescidos de juros e atualização monetária. Focaremos na regra geral.
Sobre os requisitos da progressão, retomemos novamente a lição de Luiz Régis PRADO (Ob. Cit. p. 183, item 5.1):
Evolui o condenado progressivamente, de um regime a outro, menos severo, desde que se comprove a presença concomitante de dois requisitos básicos: o cumprimento de pelo menos um sexto da pena no regime anterior (requisito formal) e o mérito do condenado (requisito material), que é comprovado pela ostentação de bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, além de outros elementos valorados como relevantes para caracterizar o citado mérito.
Dito de outra maneira, o requisito objetivo ou formal consiste no tempo de cumprimento de pena no regime anterior, de pelo menos 1/6 do restante da pena (para crimes hediondos e equiparados, após a Lei n. 11.464/07, determinou que o tempo para progressão é de 2/3 ou 3/5 da pena). O requisito subjetivo ou material é o mérito do condenado, isto é, o bom comportamento do condenado, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional que se encontra cumprindo a pena.
Como se pode observar, o exame criminológico não é requisito para a progressão de regime. Todavia, pode ser requerido pelo magistrado da execução, em decisão fundamentada, passível de agravo, para que seja elaborada a perícia, com a finalidade de demonstrar ou não o mérito do acusado.
Celso DELMANTO e outros (Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 223), citando decisão do Supremo Tribunal Federal destacou, in verbis:
O sentenciado que preenche os pressupostos necessários à progressão de regime possui direito subjetivo à sua concessão, sendo facultado ao juízo das execuções criminais determinar a realização do exame criminológico, tendo em vista a singularidade do caso concreto. A exigência da perícia, contudo, deve ser motivada com esteio nas peculiaridades da causa e no comportamento carcerário do sentenciado. A gravidade abstrata do delito, dissociada de elementos concretos, per si, não é suficiente para justificar a necessidade do exame criminológico, pois não tem o condão de demonstrar as condições pessoais do condenado, tampouco seu comportamento dentro do sistema penitenciário.
Neste diapasão, eis os precedentes recentes da Suprema Corte:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. EXAME CRIMINOLÓGICO. LEI 10.792/03. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PEDIDO INDEFERIDO. DECISÃO FUNDAMENTADA. ORDEM DENEGADA. 1. A questão de direito tratada neste writ diz respeito à fundamentação da decisão que indeferiu o pedido de livramento condicional do paciente baseado em exame criminológico desfavorável. 2. Esta Corte tem-se pronunciado no sentido da possibilidade de determinação da realização do exame criminológico “sempre que julgada necessária pelo magistrado competente” (AI-AgR-ED 550735-MG, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25.04.2008). 3. O art. 112 da LEP (na redação dada pela Lei 10.792/03) não veda a realização do exame criminológico. No mesmo sentido: HC 96.660/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 21.08.2009; e HC 93.848/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe 19.12.2008. 4. A noção de bom comportamento, tal como prevista no art. 112 da LEP (na redação dada pela Lei 10.792/03), abrange a valoração de elementos que não podem se restringir ao mero atestado de boa conduta carcerária. 5. O pedido de livramento condicional foi indeferido com fundamento em elementos concretos e específicos, que demonstram a inconveniência do benefício pleiteado e, por conseguinte, a inexistência do alegado constrangimento ilegal. 6. Habeas corpus denegado.
(STF. HC. 105.912/RS. Rel. Min. Ellen Gracie. T2. Julg. 05.04.2011. DJe 075).
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. EXIGÊNCIA DE EXAME CRIMINOLÓGICO PARA FINS DE PROGRESSÃO: POSSIBILIDADE, MESMO COM A SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 10.792/2003. EXISTÊNCIA DE DECISÃO FUNDAMENTADA. ORDEM DENEGADA. 1. Conforme entendimento firmado neste Supremo Tribunal, a superveniência da Lei n. 10.792/2003 não dispensou, mas apenas tornou facultativa a realização de exame criminológico para a aferição da personalidade e do grau de periculosidade do sentenciado. Precedentes. 2. Na linha dos precedentes deste Supremo Tribunal posteriores à Lei n. 10.792/2003, o exame criminológico, embora facultativo, deve ser feito por decisão devidamente fundamentada, com a indicação dos motivos pelos quais, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, ele seria necessário, como se tem na espécie. 3. Ordem denegada.
(STF. HC 104.755/SP. Rel. Min. Carmen Lúcia. T1. Julg. 05.04.2011. DJe 099).
Nessa mesma linha, ainda na jurisprudência do STF, vide: HC 105.234/RS (Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. 15.02.2011); HC 106.477/RS (Rel. Min. Dias Toffoli, julg. 01.02.2011); HC 102.859/SP (Rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 07.12.2010); HC 105.123 (Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 16.11.2010); HC 103.733/SP (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. 26.10.2010); HC 101.997/RS (Rel. Min. Ayres Britto, julg. 14.09.2010).
O Superior Tribunal de Justiça posicionou-se no mesmo sentido, confira-se:
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. DECISÃO FUNDAMENTADA. LAUDO PSICOSSOCIAL DESFAVORÁVEL. PROGRESSÃO NEGADA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. De acordo com as alterações trazidas pela Lei n.º 10.792/03, o exame criminológico deixa de ser requisito obrigatório para a progressão de regime, podendo, todavia, ser determinado de maneira fundamentada pelo Juiz da execução, de acordo com as peculiaridades do caso. 2. Se o Tribunal, em sede de agravo em execução, confirmou a decisão monocrática de negativa da progressão, porque o laudo psicossocial apontou ainda não se encontrar o paciente pronto para o convívio social, não há ilegalidade a sanar. Precedentes. 3. Ordem denegada.
(STJ. HC. 183.574/RS. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura. T6. Julg. 31.015.2011. DJe 08.06.2011).
CRIMINAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N.º 439/STJ. FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO DO JULGADOR. GRAVIDADE GENÉRICA DOS DELITOS PRATICADOS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. MAGISTRADO SINGULAR QUE JULGOU DESNECESSÁRIA A PERÍCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. I. A nova redação do art. 112 da Lei de Execuções Penais, conferida pela Lei n.º 10.792/2003, deixou de exigir a submissão do condenado a exame criminológico, anteriormente imprescindível para fins de progressão do regime prisional e livramento condicional, sem retirar do magistrado a faculdade de requerer a sua realização quando, de forma fundamentada e excepcional, entender absolutamente necessária sua confecção para a formação de seu convencimento. Incidência da Súmula n.º 439/STJ. II. A gravidade dos delitos praticados, tomada abstratamente e por si só, sem qualquer respaldo em fatos ocorridos durante a execução penal que denotem a necessidade de submissão do apenado ao exame criminológico, não é fundamento idôneo para determinação de que seja realizado o exame pericial, tampouco sendo suficiente para denotar a periculosidade do paciente ou sua inaptidão para a obtenção de benefícios. III. Evidenciado que o Magistrado singular não considerou necessária a submissão do réu a exame criminológico, entendendo presentes os requisitos indispensáveis à concessão do livramento condicional, não pode o Tribunal a quo sujeitar a concessão do benefício justamente à realização do referido exame, sem a devida motivação da sua necessidade. IV. Deve ser cassado o acórdão recorrido, restabelecendo-se a decisão do Juízo da Execução, que concedeu ao paciente a progressão de regime prisional e, posteriormente, o livramento condicional, sem a necessidade de sua submissão a exame criminológico. V. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.
(STJ. HC 179.471/SP. Rel. Min. Gilson Dipp. T5. Julg. 19.05.2011. DJe 08.06.2011).
Também são os julgados do STJ: AgRg no HC 107.252/RS (Rel. Min. Og Fernandes, julg. 19.05.2011); AgRg no HC 126.497/SP (Rel. Des. Convocado Haroldo Rodrigues, julg. 17.0.2011); HC 194.982/RS (Rel. Min. Laurita Vaz, julg. 10.05.2011); HC 167.050/SP (Rel. Des. Convocado Vasco Della Giustina, julg. 10.05.2011).
Destarte, em que pese o exame criminológico não se caracterizar como um requisito obrigatório para a progressão do regime de execução da pena privativa de liberdade do condenado, é admitida a sua realização, para formação do convencimento do juiz quanto ao mérito do réu, desde que a decisão seja fundamentada e adequada ao caso concreto.
Em suma, a súmula vinculante n. 26 e a súmula 439 do STJ vieram a uniformizar o entendimento jurisprudencial reiterado sobre a facultatividade da realização do exame criminológico para a progressão do regime. Isto é, trata-se de perícia excepcional que pode vir a servir de base para a formação do convencimento do juiz da execução quanto ao requisito subjetivo (material) do mérito do condenado, desde que fundamentada.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.jus.br acesso em 23.06.2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em www.stf.jus.br acesso em 23.06.2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 11. Ed. São Paulo, 2007. Vol. 1.
DELMANTO, Celso. e outros. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DOTTI, Rene Ariel. Curso de Direito Penal. 3. Ed. São Paulo: RT, 2010.
PRADO, Luiz Régis, Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010.
Helio Anjos Ortiz Neto
Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná
Advogado Criminal- ORTIZ ADVOCACIA – Pos Graduado em Direito Penal Processo Penal e Criminologia pela Unicuritba
Pos graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade Positivo
heliosn3@hotmail.com
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