Por que o Advogado é chamado de Doutor?

Uma das tradições mais antigas do Direito é chamar os profissionais da área pelo pronome Doutor ou Doutora. Esse costume não é compartilhado somente entre estudantes, bacharéis e advogados, a população em geral também compartilha dessa ideia. 

Em qualquer outra área (tirando medicina) para que o profissional seja chamado de Doutor é necessário que tenha concluído um Doutorado, porém, no Direito esse requisito não é necessário.

Muito embora seja um hábito, existem alguns profissionais que não só fazem questão, como exigem que sejam chamados assim, porém, não sabem o porquê desse título. 

1 – Título de Doutor

Antes de mais nada, no cenário acadêmico, o título de Doutor é o grau mais elevado no sistema de ensino e poderá ser adquirido após a conclusão de um doutorado. Curiosamente, é comum pensar que o pós-doutorado é um título superior ao doutorado, porém, o mesmo não é considerado um novo grau de estudo, mas um estágio que visa aprimorar as habilidades de pesquisa e carreira acadêmica. 

A diferença entre o mestrado e doutorado é que no primeiro caso o aluno deve apresentar uma dissertação que não necessariamente irá abordar um tema inédito, mas que deve pesquisar profundamente sobre um assunto. Por sua vez, no segundo o aluno deve aprofundar seus estudos sobre uma pesquisa e elaborar uma tese que deve obrigatoriamente construir uma ideia inédita. 

A duração do curso varia entre 4 a 5 anos e exige uma rotina rigorosa de estudos e pesquisas. Em regra, para iniciar os estudos, exige-se que o candidato possua título de mestre, porém, em alguns casos se a pesquisa proposta for relevante é possível desconsiderar essa exigência.

Por fim, após completar os 5 anos de curso e defender sua tese o aluno receberá oficialmente o título de Doutor.

2 – Doutor Advogado

Como vimos, é uma tradição popular chamar os profissionais do Direito de Doutores e Doutoras. 

Para se entender a origem desse prenome, é preciso voltar ao ano de 1825, quando o Decreto Imperial de 1ª de agosto de 1825 (que posteriormente se transformou na Lei do Império de 11 de agosto de 1827) criou os dois primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais do país (em Olinda e São Paulo). 

Nos termos dos artigos 9º do preâmbulo e 1º do capítulo XIII da lei, é garantido o título de Doutor aos bacharéis em Direito que estiverem regularmente inscritos nos órgãos de sua classe.

Art. 9.º – Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes.

1º Se algum estudantes jurista quizer tomar o gráo de Doutor, depois de feita a competente formatura, e tendo merecido a approvação nemide discrepante, circumstancia esta essencial, defenderá publicamente varias theses escolhidas entre as materias, que aprendeu no Curso Juridico, as quaes serão primeiro apresentadas em Congregação; e deverão ser approvadas por todos os Professores. O Director e os Lentes em geral assistirão a este acto, e argumentarão em qualquer das theses que escolherem. Depois disto assentando a Faculdade, pelo juizo que fizer do acto, que o estudante merece a graduação de Doutor, lhe será conferida sem mais outro exame, pelo Lente que se reputar o primeiro, lavrando-se disto o competente termo em livro separado, e se passará a respectiva carta.

Legalmente falando, qualquer profissional do Direito que estiver devidamente registrado no órgão competente poderá, independentemente de ter concluído Doutorado ser chamado por Doutor ou Doutora. 

Logo, esse prenome se estende além dos advogados e advogadas regularmente inscritos na OAB para juízes, desembargadores, promotores e defensores públicos que estiverem registrado nos respectivos órgãos.

3 – Conclusão

Sabemos que no universo Jurídico, a tradição é muito forte, como, por exemplo, na exigência em se usar terno e gravata (mesmo com temperaturas superiores a 40º) e a obrigatoriedade do uso da beca em sustentações orais. 

Muito embora exista uma previsão legal, na maioria das vezes esse tipo de tratamento é utilizado como forma de se manter o status tradicional da profissão e nada dizem respeito a capacidade profissional de cada um. 

Contudo, o problema de se utilizar tradições antigas e ultrapassadas é o afastamento que gera entre a população e os profissionais, criando a impressão que o Direito é incompreensível para leigos. 

Nós do Juris temos a missão de descomplicar o Direito através de ferramentas jurídicas que simplificam a vida dos profissionais e cidadãos, entretanto, os próprios profissionais precisam contribuir para essa meta. Por isso, acreditamos que prenomes como Doutor ou Doutora e o uso de gravatas podem ser dispensados, afinal, não é o prenome Doutor ou Doutora que irão garantir a competência dos profissionais. 

Você sabia a origem desse pronome? Os advogados devem ser chamados de doutor ou é um costume ultrapassado? O que você acha?

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22 respostas para “Por que o Advogado é chamado de Doutor?”

  1. Pra mim continua e continuará sendo “Doutor” aquele que capacita-se e conclui o doutorado, o resto é balela…

  2. “afinal, não é o prenome Doutor ou Doutora que irão garantir a competência dos profissionais”. É isso ai! De que adianta chamar-me de doutor se na verdade eu não entendo nada do direito? Eu prefiro entender de direito e dominar a matéria e ser respeitado como um bom profissional a chamado de Doutor. Tem cada doutor por ai….

  3. Assim como o título de Doutor é respeitoso o profissional que escolher atuar também deverá ser!
    O profissional da advocacia tem valores muito preciosos sob sua administração, não é só a questão patrimonial, mas é a vida, a família, a liberdade, o futuro de pessoas.
    Assim como quando se escolhe um time de futebol, identificamos nosso time em campo pelo uniforme que veste, também, da mesma forma, identificamos os profissionais de diversas áreas pelas roupas: médicos, policiais, bombeiros, etc.. O advogado não é diferente, deverá zelar pela sua identificação, pela boa apresentação e o devido treinamento através do constante estudo para o melhor resultado a causa assumida, isso é comprometimento e respeito!
    Descomplicar não significa esquecer os deveres, por isso zelem pelas raízes, pelas memórias e tradição, isso é manter viva os valores já conquistados e aprendidos, não precisamos regredir naquilo que já deu certo.
    Portanto, como profissionais e cidadãos, se comprometam e façam o melhor que puderem em tudo que assumirem, não confundam descomplicar com desleixo.

    1. MUITO BOM DOUTORA!!!
      A DRA. ESTA DE PARABÉNS PELA SUA EXCELENTÍSSIMA COLOCAÇÃO.
      PARABÉNS!!!

  4. Na verdade, a adoção do uso coloquial “doutor” para se referir a qualquer bacharel em direito deflui do Alvará Régio que instituiu os dois cursos jurídicos iniciais no Brasil (São Paulo e Olinda).
    Naquele Decreto, Dom Pedro I fez referência à forma com que se daria a habilitação e formação dos futuros profissionais das Leis, com base no sistema francês, que dispunha Licenceè en Droit e Docteur; o primeiro com 4 anos de duração em período integral, e o segundo, com 3 anos de aprofundamento de estudos e defesa final de tese para obtenção do grau. Por força de interpretação equivocada de um advérbio de inclusão existente no dispositivo final daquele alvará (…haverá também o grau de doutor…), pessoas que desconheciam a gramática normativa da língua (difícil pressupor má-fé) entenderam por: HaverÃO (os bacharéis) também o título de doutor. Assim, de forma coloquial, seguimos insistindo no tratamento protocolar “doutor”, mesmo àqueles que jamais puseram os pés em uma classe de Lato Sensu, quanto mais mestrado ou doutorado…Coisas do Brasil…

  5. Não achei certo concluírem com “…qualquer profissional do Direito que estiver devidamente registrado no órgão competente…”. No artigo acima está claro (apesar de haver sido escrito em outro idioma, que certamente não é o nosso atual) que o postulante ao título (acho esse o termo correto) “defenderá publicamente varias theses escolhidas entre as materias, que aprendeu no Curso Juridico, as quaes serão primeiro apresentadas em Congregação; e deverão ser approvadas por todos os Professores” portanto, não é apenas registrar-se no órgão competente que confere o grau de Doutor a um Advogado – ou entendi errado?…

    1. Não sou formado em direito, porem discordo totalmente do exposto no artigo.
      Se considerarmos o direito ao titulo de doutor somente pela Lei de 1827, a premissa é negativa.

      No paragrafo 1º expõe que o grau de doutor se daria após a formatura, com a defesa de teses, assim como são as especializações hoje, e não somente pela obtenção do bacharelado. Segue techo: “Se algum estudantes jurista quizer tomar o gráo de Doutor, DEPOIS DE FEITA A COMPETENTE FORMATURA, e tendo merecido a approvação nemide discrepante, circumstancia esta essencial, defenderá publicamente varias theses escolhidas entre as materias…”

  6. Concordo plenamente com o Nestor, acrescentando apenas que doutor é aquele sabe mais, portanto, o melhor mecânico de uma cidade é o doutor da mecânica; o melhor pedreiro é doutor… e assim por diante.

  7. Acho uma discussão pertinente. Esse “tratamento”, segundo a doutrina que discute a legitimidade de tratar o advogado por “doutor” mostram argumentos convincentes sobre isso. E o oposto, os que discutem a ilegitimidade do título também.
    O fato é que consiste num assunto bastante polêmico. Mas, particularmente, acredito na sua legitimidade no âmbito forense, por conta dos costumes, posto ser uma prática de priscas eras que remontam ao século XI, na universidade de Bolonha… Nesse aspecto, temos que entender que o título de doutor tinha outra conotação naquela época, pois a universidade tinha outra diretriz do que a moderna universidade, reduto da pesquisa e da ciência.
    Ou seja, o título nesse período não era o mesmo que se dá atualmente. Isso significa, em termos da chamada historiografia, o denominado “anacronismo” – ver o passado com os “olhos do presente”.
    Assim, a estrutura moderna da universidade começou em meados do século XIX, e o título acadêmico de mestre e doutor só começou oficialmente no Brasil depois do famoso “Parecer Sucupira”, que deu início aos títulos supracitados para a academia/pesquisa…
    De qualquer modo, além da questão dos costumes, que delegava o título de doutor ao advogado, tem a questão da Lei do Império de 11 de agosto de 1827, que se baseou no Decreto Imperial de 1825, no estatuto criado para o curso jurídico elaborado pelo Marquês de Cachoeira.
    Além disso, os estatutos da advocacia, exceto o atual (Lei 8.906/1994), previa em artigos o advogado doutor (o primeiro estatuto de 1930 e o de 1963). Isso diferia os advogados dos provisionados (os que não eram bacharéis formados em direito, mas tinham conhecimentos jurídicos).
    Então, acredito que no âmbito forense, tal título pode ser adotado pelos operadores do direito (juiz, promotor e advogado), posto ser uma formalidade baseada na tradição e legal (a Lei do Império de 11 de agosto não foi revogada, uma vez que entrou no ordenamento republicano por força do Decreto 17.879 de 1927, que instituiu o 11 de agosto como feriado, por conta do centenário de criação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil).
    Desse modo, para finalizar, lembrando da formalidade, acredito que tem que continuar as exigências de se utilizar o terno e a gravata aos advogados e demais operadores do direito (juízes e promotores), pois isso significa a seriedade da profissão, uma vez que, tal qual ocorreu com o magistério público a partir de 1970, em que os professores deixaram de usar terno e gravata em suas aulas e que levou ao sucateamento da profissão, fazer isso com os advogados é legitimar a falta de importância desta digna profissão!

  8. Achei engraçada a parte do texto que diz: “Como se o direito fosse complexo e nichado”. Entendi, esperem aí que irei contar isso aos meus 18 colegas juízes que moram na minha rua. Por favor, né? Geralmente é esse tipo de “operador de direito” que trata o ramo como se fosse algo absolutamente informal e “fácil” que comete as maiores “atrocidades” intelectuais no exercício da profissão.

  9. Interessante, vocês advogados fazem uma leitura interessante das leis. Naturalnente as usam em benefício próprio ou de alguém que defendem. A lei citada não diz que advogado bacharel é doutor e sim que obterá esse título após mais estudos e provas, que a lei não estabelece. Minha leitura é que advogado é doutor, de modo semelhante a profissionais de outras faculdades, após conclusão do doutorado.

  10. Excelente matéria! Um breve esforço para desenraizar tradição do ofício, desnecessário do necessário, algo mais inerente aos profissionais de direito… ego inflado.

  11. Quem não é Doutor por formação e se acha como tal é ridículo. Pior ainda quando coloca no seu carimbo as duas letras e o ponto. Mais ridículo ainda.

  12. Está errado e no próprio texto se percebe, já que evoca lei ainda que do império, pra fundamentar. Posto isso, lei nova revoga lei velha no que coincidirem disciplina de forma que a LDB disciplinou SIM que dr é quem conclui doutorado

  13. Interessante o artigo, mas o DI de 25 de agosto de 1825, não diz que os Bacharéis formados nas Faculdades de Olinda e São Paulo teriam o direito de serem chamados de “Doutores”. O próprio Decreto Imperial rezava que os que quisessem seguir em frente na carreira acadêmica deveriam defender teses. Erra quem usa o citado Decreto para fundamentar sua tese. Nem os Advogados e nem os Médicos são “Doutores” por direito, mas sim por uma longa tradição. Os Advogados são conhecidos como tal desde da República Romana e o grande orador e Advogado Cícero já falava isso em sua obra ” De Oratore”. Naquela época se usava o termo latino “doctor” para designar os sábios, àqueles que doutrinavam sobre determinado assunto, como direito e filosofia. Com a derrocada do Império Romano a Igreja Católica Apostólica Romana, manteve quase toda a burocracia e tradições do antigo regime. Por este motivo a Igreja usar o termo ” Doutor da Igreja” para os grandes homens e mulheres de doutrina, como Santo Agostinho, São Tomás de Aquino dentre outros. O termo Doctor continuou sendo utilizado para designar os homens sábios e foi formalizado e consagrado com a criação da Universidade de Bolonha, no século XI (1088) e o título foi dado inicialmente aos sábios que dominavam o direito, a filosofia e a teologia. Com o passar dos séculos e com a criação de outra Universidades as áreas laureadas foram aumentando como a medicina e outras. O título de Doutorado com pós graduação concedido a uma pessoa que defende tese, após um ciclo (graduação, mestrado e doutorado), só começou a ser usado como o conhecemos nos dias atuais, no século XIX em Oxford. Legalmente só é Doutor àqueles que fizeram pós graduação e defenderam uma tese inédita para uma banca de outros Professores Doutores, como reza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Porém, a tradição de chamar os Advogados e Médicos de doutores perdura até os dias atuais e já faz parte da cultura nacional. Não creio que seja errado chamar um Advogado e Médico de “doutor”, pois ambas as profissões merecem a deferência e o povo reconhece a mesma. O problema se dá quando o “doutor” com doutorado ou não exige tal tratamento. A tradição dá lugar a arrogância nesses casos.

    1. Excelente explicação. Vale ressaltar que o Código Civil atual prescreve como umas das formas de se aplicar o direito está no “uso” e no “costume”. E o caso do tratamento dispensado aos advogados e aos demais operadores do direito. O mais engraçado engraçado é que a revolta só é contra o tratamento aos advogados.

  14. Acho que doutor tem que ser atualizado, para quem TEM DOUTORADO OU É MÉDICO(A). Essa lei jurássica de 1827 de Dom Pedro é defasada e faz com que profissionais recém formados e inexperientes sejam soberbos, como presenciei um BACHAREL (NEM OAB TINHA AINDA) dizendo para mim (médica) que tinha que chama-lo de DR… um absurdo, mesmo que tivesse oab, não tem nem domínio ainda da carreira e prática das suas atividades, DOUTOR SÃO MÉDICOS E QUEM SE DEU TRABALHO DE FAZER DOUTORADO.

    1. Corrigindo o seu texto: “Acho que doutor tem que ser atualizado, para quem TEM DOUTORADO. Essa lei jurássica de 1827 de Dom Pedro é defasada e faz com que profissionais recém-formados e inexperientes sejam soberbos. Como presenciei um BACHAREL (NEM OAB TINHA AINDA) dizendo para mim (médica) que tinha que chamá-lo de Dr…. um absurdo. Mesmo que tivesse OAB, não tem nem domínio ainda da carreira e prática das suas atividades. DOUTOR É QUEM SE DEU AO TRABALHO DE FAZER DOUTORADO.”

  15. O tratamento de Doutor é conferido ao Bacharel em direito devidamente inscrito no órgão de classe, no caso a OAB. Logo o titulo de Doutor não é conferido ao Bacharel em Direito e sim ao ADVOGADO. Bacharel em direito sem inscrição na OAB continua sendo Bacharel em Direito.

  16. Complementando o comentário anterior, o Bacharel em Direito tem conhecimento jurídico.
    O Advogado tem o conhecimento jurídico o aperfeiçoamento prático diário e para adquirir aperfeiçoamento prático exige-se cotidianamente a atualização e aprofundamento nos conhecimentos jurídicos, o quê o capacita muito além de qualquer doutorado Acadêmico. Sem entrar no desmerecimento de nenhuma formação, o médico pode fazer doutorado, mestrado que o corpo humano e as doenças são sempre as mesmas. Já as leis são modificadas todos os dias, o que exige do Advogado uma eterna atualização de conhecimentos. O Advogado é Doutor por excelência, instituído por decreto imperial.

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