A pandemia tem gerado efeitos em todas as esferas da sociedade e na vida das pessoas também e, nesse sentido, os impactos no âmbito jurídico não seriam diferentes. Diante desse cenário de incertezas e restrições, uma das questões que mais tem gerado dúvidas é sobre a guarda compartilhada durante a pandemia, ou seja, sobre o direito de convivência com a criança quando os pais são separados, até porque, a orientação é ficar em casa para evitar o contágio ou a propagação da doença.
A partir daí, muito tem-se questionado aos profissionais jurídicos: como ficam as questões de Direito de Família no que diz respeito à convivência e a guarda compartilhada durante a pandemia?
Mas antes, é preciso entender que o Direito de Família é um ramo do Direito que deve ser visto com muito cuidado, pois envolve afeto, emoções, patrimônios, ou seja, advogadas e advogados devem ter em mente que, na maior parte das vezes, estarão lidando com perdas emocionais, pois pode se tratar de um divórcio, investigação de paternidade, reconhecimento e extinção de união estável, pensão alimentícia e o que vamos ver, guarda compartilhada e o direito de convivência.
O Direito de Família tem como um de seus princípios – a igualdade, de uma maneira que deve ser pautada na solidariedade entre os membros do poder familiar, isto é, os direitos e os deveres, no que diz respeito aos filhos, devem ser exercidos igualmente pelos pais ou responsáveis, conforme o artigo 1.631.
Então, se em um relacionamento há crianças ou adolescentes menores de idade, pensando em seu bem estar e, à luz da Constituição, que dispõe como direito fundamental à proteção dos direitos da criança e do adolescente, os integrantes da família possuem deveres e garantias. Como por exemplo, a educação, a saúde, o lazer, entre outro direitos elencados no artigo art. 227 da Constituição Federal aos menores.
Nesse sentido, é importante dizer que o poder familiar decorre tanto da filiação biológica quanto da socioafetiva e legal, não se extinguindo ou deixando de existir com o divórcio ou separação, embora o poder familiar também possa estar presente onde não há necessariamente uma relação conjugal entre os genitores, seja na concepção ou no nascimento da criança.
Antes de continuar sua leitura e nos dizer sua opinião sobre este assunto, que tal dar o play no vídeo que preparamos para você?
Quais são as modalidades de guarda?
Na legislação, há duas modalidades que denominados de “guarda” de crianças ou adolescentes, que são: a unilateral ou a compartilhada. Tal instituto existe para definir como será a convivência e as responsabilidades dos pais na vida do menor.
Porém, a guarda tanto unilateral quanto a compartilhada não devem se confundir com o que entendemos por poder familiar. Isso porque, com o advento do Código Civil de 2002, a expressão “poder familiar” substituiu o termo “pátrio poder” para estabelecer que a responsabilidade sobre os filhos não é tão somente de um dos pais, e sim dos dois.
Assim, mesmo diante do divórcio ou fim da união estável, o poder familiar não se extingue, a mudança ocorre então, sobre a guarda. Para ficar mais claro, pense em um casal heterossexual que se divorcia e a guarda é concedida a mãe da criança. Nessa hipótese, não há que se falar em fim do poder familiar para o pai, ou seja, tanto a mãe como o pai continuam exercendo o poder familiar, embora só a mãe tenha a guarda.
Partindo desse pressuposto, na guarda unilateral somente uma pessoa é considerada como guardiã da criança e, mesmo assim, o outro mantém o direito de convivência, podendo ainda se subdividir em exclusiva e alternada.
Então, como vimos, na hipótese da guarda unilateral ser exclusiva, não há que se falar em limitação ao poder familiar ao outro genitor, pois somente na falta ou no impedimento daquele que exerce a guarda exclusiva é que o outro poderá exercer o poder familiar com exclusividade (art. 1.631).
Já na guarda unilateral alternada, os pais dividem as obrigações por períodos de tempo, por exemplo, a criança fica um mês com um genitor e depois fica um mês com o outro genitor. Diferentemente do que ocorre na segunda modalidade, a guarda compartilhada, na qual ambos são considerados co-guardiães da criança. Mas, mesmo nessa hipótese é sempre definido um domicílio para a criança com um dos genitores.
Em 2014, o Código Civil sofreu alterações em alguns de seus dispositivos, pela Lei nº 13.058 e passou a dispor que a guarda dos filhos será em regra compartilhada, salvo se um deles abrir mão ou não demonstrar condições para exercê-la (art.1.584, CC), devendo ainda ser dividida, de forma equilibrada, o tempo de convívio com os filhos.
Direito de convivência x guarda
Assim, estaremos diante de um outro direito: o da convivência. Isso porque, nem mesmo a guarda unilateral, como vimos, limita ou restringe o poder familiar. Ou seja, pode-se dizer que a responsabilidade não decorre tão somente da guarda, mas sim do poder familiar que é exercido pelos genitores, de modo que não há que se falar em falta de responsabilidade do genitor pelo simples fato da criança ou adolescente menor não estar em sua companhia.
Por isso, é muito importante não confundir a guarda com a convivência. O artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), diz que a guarda “obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente (…)”, ao passo que a convivência diz respeito ao período de tempo que genitora ou genitor terá. Logo, é necessário a sua fixação tanto na guarda compartilhada quanto na unilateral, veja o que o Código Civil diz a esse respeito:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los
e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro
cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério
do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.
Portanto, o direito de convivência não é assegurado somente aos genitores, uma vez que entende-se que é direito da própria criança de conviver com a família, reforçando seus vínculos. Por isso, tanto na guarda unilateral como na guarda compartilhada, o regime de convivência pode ser aumentado ou diminuído.
Durante a pandemia
Devido aos acontecimentos recentes decorrentes da pandemia, uma das medidas mais eficazes para conter a disseminação rápida do vírus é o isolamento social. Além disso, tem ocorrido lockdown em alguns municípios do Brasil, justamente para evitar a propagação da doença e, por isso, surgiram dúvidas sobre a guarda compartilhada.
Sobre isso, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) se manifestou, por meio de um documento “Recomendações do Conanda para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia do COVID-19”, afirmando que menores sob a guarda compartilhada ou unilateral não devem ter a sua saúde colocada em risco em decorrência do cumprimento de período de convivência, estipulados em acordo ou definido judicialmente.
Nesse sentido, a convivência física poderá ser substituída, por exemplo, pelo contato via meios tecnológicos e internet, como ligações e chamadas de vídeo e, posteriormente, esses dias podem ser compensados. Assim, como os genitores podem aplicar a regulamentação das férias, com a criança ficando períodos mais longos, com cada um dos genitores, com a finalidade reduzir o deslocamento.
Caso preferirem, ainda existe a possibilidade de ajustar um acordo, visando o bem da criança e, nesse momento, a orientação de uma advogada ou advogado seria essencial para auxiliar as partes. Nessa hipótese, estando os genitores de comum acordo, não há necessidade de levar a demanda até o Judiciário.
Porém, caso não cheguem a uma consenso, poderão, por meio de profissionais do Direito, ajuizar uma ação em uma das varas de família para tentar revisar ou modificar a guarda. Apesar do Judiciário estar funcionando apenas em esquema de plantão, a Justiça continua apreciando as causas urgentes.
Contudo, o ideal era que os responsáveis se resolvessem por meio de um acordo, uma conversa e uma análise do que é melhor para a criança e para adolescente, diante do atual cenário. Assim, eles podem ajustar um regime de convivência, por exemplo, no qual há um menor deslocamento, justamente para evitar a contaminação pelo vírus. Ou ainda, garantir um deslocamento seguro, conforme as recomendações médicas veiculadas na mídia.
A 3ª Vara de Família e Sucessões de Curitiba, por exemplo, deferiu o pedido de uma mãe para suspensão temporária do convívio presencial da filha com o pai, que já era limitado aos finais de semana. Mas que houvesse um contato, por videochamada, nos mesmos dias que ocorreria a visitação para que não ocorra um desgaste no vínculo paterno.
Portanto, o que observamos é que ainda há uma falta de regras pré-definidas sobre esse assunto, mas o aconselhável é que os pais tenham bom senso, serenidade e equilíbrio, visando o melhor interesse da criança. Para isso, você, profissional jurídico pode auxiliar possíveis ou atuais clientes, por meio de um modo mais apaziguador.
Os seguintes questionamentos podem auxiliar na definição de quem será responsável pela criança enquanto perdurar a pandemia:
- Qual dos genitores terá mais disponibilidade para auxiliar a criança nos deveres escolares que estão sendo aplicados de forma remota?
- Quem estará sob o regime de home office?
- Existe alguém na mesma residência que faz parte do grupo de risco?
- Existe alguém na mesma residência que possui comportamentos de risco? Por exemplo, que não esteja adotando o isolamento social.
Existe alguém na mesma residência que não está sob o regime de home office?
Desse modo, independentemente das soluções encontradas pelas partes, seja por meio de um acordo amigável ou com a ajuda do judiciário ou com a suspensão do período de convivência com a mãe ou o pai, que a criança e adolescente seja bem assistida e cuidada, sem prejudicar o vínculo afetivo.
Por fim, é importante que os genitores estimulem o contato com a criança e adolescente, ainda mais aquele que não viver na mesma residência. Assim, fica garantida a existência do contato, ainda que de forma virtual, a fim de que o distanciamento físico não implique na fragilização do vínculo afetivo.
Como já dito, Direito de Família é um ramo do Direito bastante delicado e, por isso, deve ser acompanhado de perto por uma advogada ou advogado, que consiga ajudar a equilibrar as questões legais e os sentimentos envolvidos, ainda mais em assuntos que envolvam o futuro e a saúde de uma criança ou adolescente.
E você, já pensou que como advogada ou advogado, pode oferecer esse equilíbrio? Conte para gente nos comentários!