Ícone do site Blog do Juris

Papai Noel dá justa causa

Você se lembra do dia em que soube que Papai Noel não existe? Ah! Eu me lembro bem. Devia ter uns seis anos e fiz minha cartinha pedindo uma boneca. Acho até que eu fui uma criança bem-comportada e estava certa de que merecia meu presente. Em um dia, em meados de dezembro, em casa apenas com a babá, descobri uns pacotes embrulhados, escondidos no armário. A babá me contou toda a verdade. Ela me disse que meus pais haviam comprado aqueles presentes de Natal. Fiquei muito triste e, curiosa, fui abrir o meu presente naquele dia, bem antes do Natal. Aí foi que a frustração aumentou. Era uma boneca, mas não aquela que eu queria. Foi um dia tenso. Reembrulhei a caixa da boneca, tentando não deixar rastros e fui lidar com a frustrante novidade.

Chegou o Natal e a empolgação com o presente era inexistente. Eu estava pronta para fingir cara de surpresa e para ser grata mesmo com a boneca errada. Mas aí, quando rasguei o papel, deparei-me com a boneca certa, aquela que eu havia pedido. Este episódio me rendeu ainda uns dias de benefício da dúvida. Será que a babá havia mentido e o Papai Noel entregou o meu presente? Talvez meus pais tivessem comprado os presentes que eu havia visto para outras crianças? Mas, desde aquele dia até hoje, a ilusão acabou e a desilusão só foi piorando. Primeiro, foi-se o Papai Noel, com o tempo foram-se até mesmo os presentes de Natal e pior, para quem faz aniversário no dia 26, grudado no Natal, como eu, foram-se também os presentes de aniversário. Quando se trata de celebrar o aniversário é impossível concorrer com Jesus, sequer tenho esta pretensão.

Ainda bem que ficam a tradição familiar, a novena, a ceia, a oração, a decoração. Ah vá! Quem precisa de Papai Noel? Em muitos países nem é ele quem leva os presentes, mas o próprio menino Jesus. É assim na Alemanha (das Christkind), na Colômbia (el niño Dios)…

Mas na Espanha o niño Dios concorre com o Papai Noel, uns se apegam a um, outros ao outro.  Foi assim em dezembro de 2015, quando um casal espanhol foi à famosa rede de lojas El corte inglês fazer suas compras de Natal, juntamente com sua filhinha de sete anos, que inocentemente acreditava que Papai Noel lhe entregaria no Natal o seu presente, devidamente requisitado por carta endereçada ao Polo Norte. Afinal, nem todo casal pode deixar a criança com alguém enquanto faz as compras de Natal, tentando correr menos risco de que ela descubra que os presentes são comprados por seus pais e não manufaturados por anões numa fábrica no Polo Norte.

Lá foram eles, firmes no propósito de fazer suas compras com discrição suficiente para preservar a inocência da menina. Tudo ia bem, até que uma vendedora do departamento de relógios e joias disse à criança que fosse com seu pai para outro departamento da loja para que sua mãe pudesse comprar os presentes de Natal em paz. Os presentes de Natal? A menina reagiu com um misto de incredulidade, dúvida, estranheza e por fim, desânimo. Ora, então é a mamãe quem compra os presentes?!

A mãe, vendo no rosto da filha a expressão da descoberta que frustra, ficou estarrecida. Como é que se reage a isso? Tentando decidir entre acudir a menina e xingar a vendedora, os pais ficaram petrificados. Veio a chefe do departamento pedir desculpas pelo comportamento inadequado da funcionária, mas o caos já havia se instalado. Um pedido de desculpas não reconstituiria a inocência e a alegria da menina que cria no bom velhinho. 

O “sincericídio” da vendedora acabou lhe custando seu emprego! A funcionária foi dispensada por justa causa em plena época do advento. Mas ela não se conformou facilmente. Ela ajuizou uma ação perante a justiça trabalhista de Santa Cruz de Tenerife pretendendo com isso anular sua dispensa. A moça não via tanta gravidade em ter dito aquilo que nada mais era que verdade. Não podia acreditar que dizer a uma criança que Papai Noel não existe fosse considerado justa causa para deixá-la no desemprego em pleno natal. No Brasil dizer à criança que Papai Noel existe tampouco faz parte do rol do art. 482 da CLT. Mas nada que uma boa interpretação legal não resolva. Direito é assim, Direito depende… E neste caso, a vendedora ficou dependendo da interpretação dos magistrados sobre as causas da dispensa por justa causa.

Dois natais depois do incidente, o tribunal de Tenerife analisou a dispensa e concluiu que a causa disciplinar era válida e que a funcionária foi mandada embora justamente. A empresa informou ainda que mesmo antes do dia da revelação natalina, já havia notado o comportamento rebelde da vendedora que não condizia com sua função. Devem tê-la enquadrado em algo como o art. 482, b da CLT: “Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: b) incontinência de conduta ou mau procedimento.”

Pelo menos uma lição do Papai Noel se confirmou com este caso, quem se comporta mal é impiedosamente riscado da lista do bom velhinho e não recebe presente. A vendedora se comportou mal e não adiantou mandar sua cartinha com sua lista de pedidos para o judiciário, ela não foi contemplada com nenhum. Perdeu em primeira e em segunda instância… Que o niño Dios (menino Jesus) lhe tenha piedade, porque com o Papai Noel não dá pra contar.

Deborah Alcici Salomão é Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

Dê uma nota a este post
Sair da versão mobile