Tráfico internacional de pessoas: fenômeno recente que emergiu na sociedade ou herança do período escravocrata?

1. INTRODUÇÃO 

O presente tema aponta sobre um fenômeno frequente, grave e que já ocorre há séculos. A escravidão ocorre desde a origem de nossa história, quando os povos que eram derrotados em combates entre exércitos ou armadas eram aprisionados e transformados em escravos por seus dominadores. No entanto, o tráfico de pessoas tem como referência histórica o tráfico negreiro, que teve seu início no século XVI. Durante o período colonialista esta prática era muito comum, comercializava-se a mão de obra da época, os escravos. Estes por sua vez, não eram considerados se quer como indivíduo, sujeito, e tinham a mesma caracterização de um objeto, ou seja, pertenciam a alguém, e eram vendidos, comprados ou doados de acordo com a vontade de seu dono. No Brasil, esta prática passou a ser ilegal com o advento da Lei Áurea, proclamada pela princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888.

O tráfico internacional de pessoas é considerado um crime de alta complexidade e que viola os direitos humanos, por ser um crime contra a dignidade da pessoa humana, contra a liberdade de ir, vir, querer numa relação de trabalho e de escolha. Afirma-se que o bem jurídico liberdade é violado porque em muitos casos, o passaporte da vítima é confiscado, impossibilitando-a de retornar à sua casa ou país de origem, e também por conta de serem forçadas a trabalhar tanto por meio de violência física e moral ou através de golpes. A fraude inicia-se com o dolo de enganar do empregador, que paga as despesas da vítima, como passagem, hospedagem, alimentação, por exemplo, num suposto ato de boa-fé, porém, mais adiante, cobra toda essa dívida. Desta forma, não resta outra alternativa à vítima senão trabalhar para adimplir.

Ao tratar-se sobre a classificação deste fato típico, podemos identifica-lo como crime formal, pois delito estará consumado no momento da prática da ação, independentemente do resultado, que se torna mero exaurimento do delito; comum, pois qualquer um pode cometer o crime, logo o sujeito ativo é indeterminado; e plurissubsistente, por conta de pela interrupção dos atos, contra a vontade do agente, pode o crime não se consumar( admite tentativa). Além disso, temos uma modificação na legislação pela Lei 11.106 de 28 de março de 2005, que introduziu a possibilidade do homem também poder ser sujeito passivo do crime. Já a competência para julgar este delito, segundo a Constituição, é da justiça Federal, nos termos do seu inciso V do art. 109. No entanto, na omissão de julgamento do Estado Brasileiro, o Tribunal Penal Internacional tem a competência para julgar o agente responsável pela prática delituosa, só que até hoje não houve responsabilização penal para estes agentes.

2.DEFINIÇÕES GERAIS

Impulsionadas por instabilidade financeira, dificuldade em conseguir emprego, discriminação, violência doméstica, entre outros problemas econômicos, pessoais e políticos, milhares de pessoas, predominantemente mulheres, sujeitam-se a trabalhar na prostituição no exterior. No entanto, os aliciadores distorcem a realidade para esses vítimas, que pensam que terão outra condição de vida, apenas se relacionando com pessoas influentes, recebendo por uma parte considerável do seu trabalho, enquanto são escravizadas, exploradas sexualmente e em outros casos menos corriqueiros, mas existentes, são traficadas para fins de remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, para fins de trabalho escravo, e casamento servil. Quando uma criança é vítima, existem casos também de adoção ilegal, comércio também bastante rentável e com alto grau de periculosidade. Nota-se que foi dito anteriormente neste mesmo parágrafo que, muitas vezes, as mulheres que se sujeitam à ir para o exterior viver na prostituição, porém, isso não exclui a culpabilidade dos aliciadores ou traficantes, conforme previsto no nosso Código. Com isso, observa-se que o requisito central do tráfico é a presença do engano, da coerção, da dívida e do propósito de exploração, tornando o consentimento da vítima indiferente para caracterização do crime.

O crime de tráfico internacional de pessoas vem recebendo maior importância ultimamente, tendo em vista seu alto grau de periculosidade, por violar direitos fundamentais garantidos à todos os cidadãos. Uma característica bastante comum neste delito é que os criminosos impossibilitam que as vítimas recorram a justiça quando estas se deparam que sua situação está diferente da prometida previamente. Os traficantes criam situações de endividamentos, confiscam passaportes, ameaçam a vida da vítima e de seus familiares, o que torna muito difícil a denúncia desta pratica criminosa. Esta atividade extremamente esquematizada, forma um mercado altamente rentável, que movimenta cerca de 9 bilhões de dólares anualmente, segundo Escritório da ONU para o Controle de Drogas e Prevenção do Crime (ODCCP), só perdendo em aquisição de lucros para o tráfico de drogas e contrabando de armas.

Embora em sentido literal soem como se fossem a mesma coisa, não devemos confundir tráfico de pessoas com contrabando de migrantes. Neste último, não consideramos o indivíduo que migrou como vítima, pois houve o consentimento para que mude de país, além disso, posteriormente, não haverá exploração por parte do criminoso, visto que a relação do migrante com a pessoa que o ajudou a sair do país, se encerra no momento da chegada da pessoa contrabandeada ao seu destino. Porém, esta prática é ilegal, tendo em vista que o criminoso insere o imigrante de forma irregular no país pretendido, com objetivo de obter uma recompensa econômica. Enquanto o tráfico de pessoas envolve, após a chegada, a exploração da vítima pelos traficantes, para obtenção de algum benefício ou lucro, por meio da exploração. De um ponto de vista prático, as vítimas do tráfico humano tendem a ser afetadas mais severamente e necessitam de uma proteção maior.

3.MEDIDAS PARA O COMBATE AO TRÁFICO

Os métodos de combate a essa prática delituosa vem sendo aprimorados tanto com medidas legislativas, quanto com medidas de conscientização, para que a população, e principalmente os principais alvos de traficantes(mulheres, com maior incidência na faixa etária dos 18 aos 20 anos, e crianças de países subdesenvolvidos) não caiam em golpes. Outro mecanismo de combate ao tráfico, foi a criação da Campanha do Coração Azul, pela ONU. Esta é uma campanha que visa à conscientização para luta contra o tráfico de pessoas e seu impacto na sociedade. Campanhas como essa vem ganhando espaço no mundo atual por conta da grande dimensão de receptores atingidos e na rapidez da propagação da mensagem que a internet e os veículos de comunicação possuem, sendo assim mais fácil sua divulgação e consequentemente um maior número de pessoas envolvidas com a campanha. Além disso, a Assembleia Geral da ONU, em mais uma tentativa de incentivar a supressão da existência deste crime, instituiu o dia 30 de julho como o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

No início do século passado, medidas legislativas para prevenção do tráfico de pessoas iniciavam-se no Brasil. A primeira delas foi o Decreto Nº 5.591, de 13 de julho de 1905. Já alguns anos depois, em 1940, foi promulgado o nosso atual Código Penal, pelo Decreto-Lei Nº 2848, de 7 de dezembro. Porém, em 2005, com o advento da Lei N 11.106, nosso Código Penal foi alterado. Houve uma mudança significativa, pois enquanto nas primeiras legislações (como a de 1905) sobre o tráfico de seres humanos apenas as mulheres brancas eram defendidas legalmente, hoje, como já visto, qualquer indivíduo, independente de cor, raça e sexo, tem o respaldo da legislação. O art. 231 do Código Penal de 1940, já alterado, descreveu a conduta tema deste artigo, apenas se o fim for de exploração sexual. Pode-se dizer que houve outra grande evolução se compararmos com o primeiro Decreto, pois a sanção passa a ser mais severa e com penas mais especificas em alguns casos que exigem maior tutela, como no caso de um menor de idade aliciado.

No entanto, evolução substancial tivemos com o advento do Decreto Nº 5.948, dando início a Política Nacional de Enfrentamento de Tráfico Internacional de Pessoas(PNETP), no dia 26 de outubro de 2006. Tal medida tem caráter preventivo, repressivo, de apoio às vítimas e familiares e de responsabilização de seu autores, desta forma, a política define ações a serem implementadas por órgãos e entidades públicas em diversas áreas, como justiça, segurança pública, educação, saúde, assistência social e direitos humanos. A lei contém princípios norteadores, como o da dignidade da pessoa humana e da promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos, além de diretrizes gerais e específicas, estas últimas por sua vez, estão mais ligadas à prevenção da atividade criminosa e também ao atendimento às vítimas. Por fim, ainda trata sobre as ações, que seriam as competências de órgãos e entidades públicas em promover determinadas medidas em suas respectivas áreas de atuação: na de justiça e segurança pública, na área de relações exteriores, na educação, saúde, na área de assistência social, na de promoção de igualdade racial, na do trabalho e emprego, do desenvolvimento agrário, dos direitos humanos, de proteção e promoção dos direitos da mulher, do turismo e na área cultural.

4.CONCLUSÃO

A proibição do tráfico negreiro foi imposta no Brasil em 1850, por meio da Lei Euzébio de Queiroz. Alguns anos depois, como já vimos neste artigo acadêmico, a Lei Áurea foi promulgada, extinguindo-se assim a escravidão no país. Porém, é de conhecimento de todos que mesmo depois do advento de todas as leis anti-escravocratas, o comércio e exploração de seres humanos permanecem na sociedade atual. Uma das práticas que comprovam isso é o tráfico internacional de pessoas. Comumente utilizado para exploração da vítima sexualmente, no entanto, existem casos de indivíduos traficados com outra finalidade, como para remoção de órgãos, adoção ilegal e também para serem explorados com trabalho manual, de forma degradante e desumana.

O presente trabalho acadêmico detalhou e aprofundou no tema, discorrendo sobre as razões que motivam as vítimas a procurar um comércio ilegal no exterior, como os traficantes conseguem manter as vítimas longe da justiça, para que não haja denuncia e ainda foi feito uma relação histórica, entre o tráfico negreiro e o tráfico de pessoas no mundo atual. Além disso, foi estudado a competência dos órgãos responsáveis por julgar os agentes praticantes desta conduta. Englobando nesse contexto o Tribunal Penal Internacional, que também possui competência para condenar os responsáveis, porém, que até hoje não foi registrado nenhum caso de condenação por esta prática neste tribunal. E por fim, toda classificação doutrinária do crime estudado, deixando claro quando o crime se consuma, quem pode ser sujeito ativo e passivo do crime, e se é admissível condenar por tentativa ou não.

Apesar de toda mobilização por parte de organizações internacionais, em campanhas como a do Coração Azul, dos Estados, fortificando medidas legislativas e incentivando projetos de proteção à vítima, de conscientização da população, o tema ainda é bastante desconhecido para milhões de pessoas, o que é uma vantagem para os praticantes deste delito, que se aproveitam da inocência das vítimas. Por fim, conclui-se que o tráfico internacional de pessoas é um crime de alta complexidade, pois envolve mais de um país e com grau elevado de periculosidade, por ferir direitos invioláveis do ser humano, além de ser fruto de uma herança deixada pelo período escravocrata, e que ainda sim vem ganhando contornos que tornam esta prática um problema mundial.

Lucas Fernandes Avelino
Acadêmico de Direito no Centro Universitário de Brasília (UNICEUB) – 4 semestre
E-mail: lufernandesavelino@hotmail.com
Telefone: (21)981009418

Juris Correspondente