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Proibido o embarque do peido alemão

Tá bom, tá bom, eu não resisti. Eu tive que dar este título para esta crônica que cuida de um caso, em que, na verdade, ninguém peidou. É que eu sou criança dos anos 80, ri com meus colegas do colégio quando infestaram a sala de aula com aquele odor que impossibilitaria qualquer atividade. Conduta que a adulta dos anos 2020 veementemente repudia. Mas a parte do embarque, essa eu prometo que é verdade. Então, vamos ao caso… 

Era março de 2013 quando um homem, munido de sua bagagem de mão, tentava embarcar numa aeronave no aeroporto de Berlin-Tegel com destino a Düsseldorf. Mas, o conteúdo de sua bagagem de mão acendeu os alertas da empresa de segurança da área de embarque. Ele não queria se desfazer do conteúdo proibido e depois de muita discussão, foi conduzido para a inspeção da polícia federal.

E convenhamos, apesar de o homem afirmar e reiterar que sua bagagem era inofensiva, o teor da malinha lhe dava munição suficiente para virar um homem bomba no ar e deixar desnorteados todos os tripulantes. Ele levava 272g de mozzarella de búfala, 155g de salada de caranguejo do mar do norte e 140g de “Flensburger Fördetopf” – um duvidoso prato feito com filé do peixe hering imbuído em maionese. 

Quem já passeou por um supermercado na Alemanha sabe que estes filés de peixe são vendidos com pele em vidros cheios de maionese ou algum óleo. Se se come com os olhos, os meus passaram longe dos filés de hering. Aquela prateleira da geladeira me lembra a prateleira do laboratório de biologia do colégio, com cobras enroladas dentro de vidros cheios de formol. Mas há quem goste, ou ame. Vejam o nosso protagonista que quase perdeu o voo por um vidrinho desses.

Digo quase porque depois de muito discutir com a polícia, não teve jeito. Ele assistiu irresignado o desperdício de seu banquete aéreo. O policial jogou tudo fora e o homem embarcou para Düsseldorf sem peixe, caranguejo e queijo. O resto dos tripulantes não sabiam a sorte que tiveram. Um peido deste alemão poderia tê-los matado a todos. Se soubessem teriam feito placa de agradecimento ao bravo policial que impediu os peixes de voarem.

O homem faminto, por outro lado, não conseguiu digerir sua indignação. Inconformado, ele ajuizou uma ação contra a polícia federal. Para o autor, sua comida era inofensiva. Alimentos não são objetos adequados para atacar pessoas ou danificar aeronaves. Bom, pela argumentação já se vê que o autor ignorava o poder de um peido alemão. Mas ele também alegou que não havia uma proibição contundente de levar líquidos em recipientes com capacidade superior a 100 mililitros, falando provavelmente da maionese, na qual boiavam os peixes e da aguinha rala, na qual boiavam as bolinhas de mozzarella. Afirmou ainda que não tinha se recusado a submeter a exame toda aquela comida. 

Seu discurso, por obvio, não foi suficiente para convencer o juiz. E a sentença do juiz não foi suficiente para convencer o autor que teve a coragem de recorrer. Foi assim que, quatro anos depois do ocorrido, em março de 2017, o tribunal administrativo de Berlim ocupou três desembargadores com este emblemático e importantíssimo caso. E os três decidiram de uma vez por todas que 272g de mozzarella de búfala, 155g de salada de caranguejo do mar do norte e 140g de “Flensburger Fördetopf” não devem ser transportados na bagagem de mão do passageiro.

Tanto a primeira como a segunda instância aplicaram a diretiva da União Europeia sobre bagagem de mão. Segundo ela, os líquidos transportados na bagagem de mão devem ser acondicionados em recipientes individuais com uma capacidade máxima de 100 ml e ser transportados dentro de um saco de plástico transparente com uma capacidade máxima de 1 litro. Os recipientes com líquidos com uma capacidade superior a 100 ml devem ser transportados na bagagem de porão. Estas restrições não se aplicam aos medicamentos nem aos alimentos para bebês.

O tribunal também confirmou que os policiais agiram corretamente ao deixar de analisar a salada de caranguejos em busca de explosivos líquidos. Eles não eram obrigados a fazê-lo.  De toda forma, ainda que não tenha havido exame de explosivos, estou convencida de que os policiais federais, neste caso, impediram um homem de virar homem bomba no ar.

Dados dos autos: Oberverwaltungsgericht (OVG) Berlin-Brandenburg  – Urt. v. 28.03.2017, Az. 6 B 70.15

Diretiva da União Europeia sobre bagagem e mão:

https://ec.europa.eu/transport/modes/air/security/information-air-travellers_en

Instruções da polícia federal alemã sobre bagagem de mão:

https://www.bundespolizei.de/Web/DE/01Sicher-auf-Reisen/01Mit-dem-Flugzeug/03Was-darf-ich-mitnehmen/was-darf-ich-mitnehmen_node.html

Deborah Alcici Salomão é Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

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