Dissolução de empresa independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias e/ou trabalhistas

Inicialmente, insta elaborar uma distinção técnica entre palavras costumeiramente utilizadas equivocadamente como sinônimos.

Utilizam-se costumeiramente das palavras “extinção”, “baixa” e “cancelamento”, para significar o fim da empresa.

Com efeito, na boa técnica jurídica, tais palavras não significam o “fim da empresa”, visto sob o enfoque da perda da personalidade jurídica.

Em que pese as Leis Complementares nºs 147 e 123, utilizarem as palavras “extinção” e “baixa”, essas leis não as utilizam com a intenção de sinalizar o “fim da empresa”, fim esse, no sentido de perda da personalidade jurídica. E não poderia ser diferente, como adiante demonstra-se.

O campo de atuação das palavras “extinção” e “baixa” reside apenas no aspecto da desburocratização.

De fato, no âmbito da diminuição da burocracia, a Lei Complementar nº 147/2014, na parte que alterou a lei Complementar nº 123/2006, resultou em avanço.

A possibilidade de “extinção”, ou “baixa”, de uma empresa ou do registro de empresário, na antiga redação da Lei Complementar nº 123/2006, já era possível, desde que estivesse sem movimentação há mais de 12 meses.

O que fez a lei Complementar nº 147/2014, no ponto objeto deste estudo, foi suprimir esse prazo de mais de 12 meses de inatividade, para possibilitar o requerimento de “extinção”, ou “baixa”. Confira-se:

Redação antiga:

“Art. 9o O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão envolvido no registro empresarial e na abertura da empresa, dos 3 (três) âmbitos de governo, ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção.”

Redação alterada:

“Art. 9o O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão dos 3 (três) âmbitos de governo ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos titulares, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
§ 1o O arquivamento, nos órgãos de registro, dos atos constitutivos de empresários, de sociedades empresárias e de demais equiparados que se enquadrarem como microempresa ou empresa de pequeno porte bem como o arquivamento de suas alterações são dispensados das seguintes exigências:
I – certidão de inexistência de condenação criminal, que será substituída por declaração do titular ou administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer atividade mercantil ou a administração de sociedade, em virtude de condenação criminal;
II – prova de quitação, regularidade ou inexistência de débito referente a tributo ou contribuição de qualquer natureza.
§ 2o Não se aplica às microempresas e às empresas de pequeno porte o disposto no § 2o do art. 1o da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.”

Redação antiga:

“§ 3º No caso de existência de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas referidas no caput, o titular, o sócio ou o administrador da microempresa e da empresa de pequeno porte que se encontre sem movimento há mais de 12 (doze) meses poderá solicitar a baixa nos registros dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atraso na entrega das respectivas declarações nesses períodos, observado o disposto nos §§ 4º e 5º. “

Redação antiga revogada:

§ 3o (Revogado). (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

Redação antiga:

“§ 4º A baixa referida no § 3º não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados impostos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da simples falta de recolhimento ou da prática comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial de outras irregularidades praticadas pelos empresários, pelas microempresas, pelas empresas de pequeno porte ou por seus titulares, sócios ou administradores.”

Redação alterada:

“§ 4o A baixa do empresário ou da pessoa jurídica não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados tributos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da falta do cumprimento de obrigações ou da prática comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial de outras irregularidades praticadas pelos empresários, pelas pessoas jurídicas ou por seus titulares, sócios ou administradores. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)”

Redação antiga:

‘§ 5º A solicitação de baixa na hipótese prevista no § 3º deste artigo importa responsabilidade solidária dos titulares, dos sócios e dos administradores do período de ocorrência dos respectivos fatos geradores.’

Redação alterada:

‘§ 5o A solicitação de baixa do empresário ou da pessoa jurídica importa responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014).”

Assim, em verdade, manteve-se a preocupação com a diminuição da burocracia, pois como se sabe, no Brasil, não era difícil abrir uma empresa, o difícil era requerer a “extinção”, ou “baixa”.

“An passant”, visto que não é o objeto deste estudo, não é preocupante a questão relativa a solidariedade dos titulares, dos sócios e dos administradores, decorrente da “extinção” (ou baixa), porque, como acima demonstrado, essa previsão já existia na Lei Complementar nº 123/2006, mesmo antes da edição da Lei Complementar nº 147/2014.

Ademais, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula nº 435, há muito tempo pacificou entendimento no sentido de que: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos Órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”.

Já a solidariedade dos sócios, titulares e/ou administradores, na eventualidade de haver dívida trabalhista, a Justiça do Trabalho sempre assentou no artigo 10, da CLT.

Portanto, quanto a solidariedade em comento, não há nada de novo. Havendo crédito tributário ou trabalhista inadimplido e, estando presente o fechamento irregular (o abandono da atividade), ou mesmo a “extinção” ou “baixa” nos termos da Lei Complementar nº 123/2006, com redação dada pela Lei Complementar nº 147/2014, aquela, ou seja, a solidariedade, estará sempre presente.

Destarte, a primeira questão prática cinge-se apenas ao alargamento da desburocratização, no aspecto temporal. Isso é positivo.

Contudo, salvo melhor juízo, outra questão prática, esta, preocupante, poderá restar presente.

Em que pese, como dito acima, mesmo antes da edição da Lei Complementar nº 147/2014, fosse possível a “extinção” ou como queiram, a “baixa”, de uma empresa, mesmo com créditos tributários e/ou trabalhistas, bastando uma prévia inatividade de 12 meses, somente com a edição dessa nova lei, essa possibilidade de “extinção”, ganhou maiores discussões e uma busca mais acentuada dos que possuem empresas inativas.

Pois bem, havendo a “extinção”, como preceitua a lei em comento, ou, não sendo a “extinção” implementada, resultando no fechamento irregular (abandono da empresa), como ficam os eventuais débitos comerciais, por exemplo?

Preceitua o Código Civil que o “fim da empresa” ocorre em duas etapas, a saber, a dissolução e a liquidação (arts. 1033 ao 1038 e 1102 ao 1112, todos, do Código Civil).

Na dissolução ocorre a manifestação de não prosseguir com o negócio e, na liquidação, ocorre a solução do passivo, através do ativo. Havendo sobra do ativo, será efetuada a correspondente partilha entre os sócios.

Assim, com a dissolução não há a perda da personalidade jurídica, a qual continua, embora mitigada, com o objetivo de apenas “ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios”.

A “extinção”, nos termos em que proposto pela legislação em comento, qual seja, a Lei Complementar nº 123/2006, com redação dada pela Lei Complementar nº 147/2014, alberga apenas a hipótese de dissolução.

Por sua vez, a dissolução pode ocorrer pelo vencimento do prazo de duração da empresa (prazo determinado), por consenso unânime dos sócios, por deliberação dos sócios, por maioria absoluta na sociedade de prazo determinado, falta de pluralidade de sócios não reconstituída no prazo de 180 dias e, extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. Acrescenta-se, tratando-se de sociedade empresária, a hipótese de falência.

Pois bem, dissolvida a empresa, “cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura de liquidante, e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis” (inteligência do artigo 1036, do Código Civil). Portanto, passa-se imediatamente para a fase da liquidação.

A liquidação, a qual é obrigatória, deve ter como parâmetros, além da ultimação dos negócios inadiáveis e, os pagamentos do passivo, que estes, ou seja, os pagamentos das dívidas, sejam efetuados em respeito aos direitos dos credores preferenciais (inteligência dos artigos 1036, 1103, 1105 e 1106, todos do Código Civil).

Embora o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em casos recentes, tenha decidido que havendo o fechamento irregular e, não havendo bens suficientes à satisfação dos eventuais credores, está viabilizada a despersonalização da pessoa jurídica*, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entende que somente nas hipóteses descritas no artigo 50, do Código Civil, estaria viabilizada a despersonalização**.

Para o Colendo Superior Tribunal de Justiça, o fechamento irregular, embora seja um indício importante de abuso, por si só não é suficiente a justificar a despersonalização da pessoa jurídica.

O fechamento irregular é o abandono da empresa, a qual por não estar dissolvida, pode eventualmente retomar suas atividades, ao passo que a “extinção”, nos termos da Lei Complementar em comento, é uma expressa manifestação pela dissolução.

Contudo, ao manifestar expressamente pela “extinção”, junto aos Órgãos dos três âmbitos do governo, salvo melhor juízo, necessariamente, deverão os administradores promover a liquidação.

E tal porque o Código Civil assim determina.

Não o fazendo, em tese, haverá violação à lei e, portanto, poderá estar viabilizada a despersonalização da pessoa jurídica e, a assunção de responsabilidade das dívidas comerciais pelos sócios, na hipótese da pessoa jurídica dissolvida não ter patrimônio suficiente.

Como visto acima, a liquidação não é a garantia de que não haverá violação à preferência de credores, mas, ao menos é um mecanismo que serve para dar transparência à solvência do passivo.

Este estudo não é uma apologia do fechamento irregular, mas tão somente uma reflexão, no sentido de provocar discussão e, eventualmente um necessário ajuste na legislação, no sentido de facilitar também a fase da liquidação, por exemplo, mediante a apresentação de um quadro de credores, juntamente com o requerimento de baixa, de modo possibilitar maior segurança jurídica, não apenas aos que pretendem requerer a extinção, mas também aos credores.

S.M.J. e, respeitando vozes divergentes, é como penso.

 

* Apelação nº 1070952-90.2014.8.26.0100, j. 24/4/2015 e Agravo de Instrumento nº 2042428-41.2015.8.26.0000, j. 17/4/2015.

** REsp nº 1395288.

Paulo José Carvalho Nunes
Advogado do escritório Ozi, Venturini & Advogados Associados
paulo@oziventurini.com.br

Uma resposta para “Dissolução de empresa independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias e/ou trabalhistas”

  1. Prezado(s), Sou contador de formação desde 2004 e agora sou também advogado recém-formado. Tenho um cliente contábil que desde 2007 eu tentei por três vezes junto a Secretaria de Fazenda Federal através do DBE (Documento de Baixa de CNPJ), a baixa de suas empresa que é enquadrada como ME e me fora negado pelo simples motivo deste cliente/empresa ter débito junto àquela instituição. Tal débito nunca foi ajuizado por que, segundo a mesma Receita Federal, imprime em seus relatórios que o seguinte: “NÃO AJUIZADO EM RAZÃO DO VALOR”. Bom, se não pode ser ajuizado, não poderá ser cobrado, afora que o débito é de 2007, isto posto, deu-se vencido a decadência e a prescrição. Estou entrando com processo pedindo esses institutos e a liberação da empresa, “baixada”. Ou seja a própria Receita Federal passa por cima do que rege a lei.

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