O que diz a lei brasileira sobre o racismo?

Nos últimos dias muito se tem falado sobre o racismo no Brasil e no mundo. Temos visto manifestações e mobilizações em torno do assunto, e com isso, torna-se necessário conhecer, com mais profundidade, o que diz a lei brasileira sobre o racismo.

O tema ganhou destaque nas mídias após a morte de João Pedro, criança baleada a tiros por policiais em uma favela do Rio de Janeiro, e a morte de George Floyd nos Estados Unidos, que faleceu após ser submetido a uma abordagem violenta de policiais americanos. E, ao fechar este artigo, mais um caso veio à tona, com a morte de Rayshard Brooks, americano e também morto por policiais. 

O que esses fatos têm em comum? João Pedro, George Floyd e Rayshard Brooks eram negros e foram mortos após abordagem violenta e controversa de policiais.

Esses os crimes estão sob investigação, por isso, é necessário cautela quanto a toda e qualquer análise feita. Mas, o que chama atenção e que não pode passar despercebido, é o fato de que, casos como esses ocorrem a todo tempo, o que evidencia a violência e o tratamento desigual em questões raciais em nossa sociedade.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 o número de assassinatos de jovens negros no Brasil foi quase três vezes maior que o de jovens brancos. 

Além disso, a população negra está em desvantagem também quanto ao acesso à educação e representa a maioria em relação aos índices de pobreza. De acordo com o IBGE, pesquisa relativa ao ano de 2018, os jovens de 18 a 24 anos cursando o ensino superior, apenas 55,6% eram negros e 78,8% brancos e, quanto aos índices salariais, no estrato de 10% com maior rendimento per capita, 70,6% são brancos e os negros representam apenas 27,7%.

A explicação para os dados, segundo o IBGE, decorre da própria condição histórica vivenciada pela população negra, marcada pela escravidão, desvalorização da mão-de-obra, dificuldade de acesso a condições básicas de moradia, saúde,  educação, segurança, dentre outros.

Os dados do IBGE apenas confirmam o que pode ser facilmente percebido, a população negra no Brasil está mais vulnerável e permanece em situação de desigualdade quanto aos brancos. Isso faz com que as práticas de racismo, discriminação e preconceito em relação à raça, sejam reproduzidos na sociedade, disseminando uma cultura de violação aos direitos humanos e da dignidade da população negra.

Para reduzir a desigualdade existente são necessárias ações afirmativas e políticas públicas de inclusão, além da aplicação das leis que tratam sobre o combate ao racismo no Brasil.

Em relação à legislação, as principais normas que tratam sobre o assunto é a  Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor e que terá enfoque neste artigo. Ainda, cabe destacar o Estatuto da igualdade racial, Lei nº 12.288/2010.  

As leis citadas surgiram a partir de um movimento internacional de proteção e combate à discriminação, e que tinha como objetivo promover a igualdade entre os povos. Nesse sentido, é importante destacar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que dispõe:

Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade.

Artigo 2º Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional
ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 

Outro documento internacional importante e ratificado pelo Brasil foi a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. Essa Convenção faz parte do sistema especial de proteção dos direitos humanos e dispõe sobre o combate à discriminação por cor, sexo, etnia, idade, classe social, etc.

Além dos documentos internacionais, algumas Constituições da República Brasileira também trataram sobre o assunto. As Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1957, de alguma forma, dispuseram sobre a igualdade entre os povos. No entanto, o assunto foi abordado de forma mais clara na Constituição Federal de 1988, conforme se observa os artigos 3º e 5º:

Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

XLII- a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; 

No artigo citado, a lei considera o racismo como um crime inafiançável e imprescritível, ou seja, não é possível pagar fiança pela liberdade, em caso de prisão, e o crime não se prescreve ao longo do tempo.

Essas disposições constitucionais fizeram surgir a criação da Lei nº 7.716/1989, conhecida também como Lei Caó, pois foi incentivada pelo parlamentar à época Carlos Alberto Caó, negro, jornalista e militante do movimento a favor da não discriminação e racismo.

A lei citada tipifica cerca de vinte condutas que podem ser consideradas discriminatórias e racistas, além de estabelecer penas para quem incorre nos crimes, e que podem chegar a até cinco anos de reclusão. Essa lei considera crime: recusar ou impedir o acesso de pessoas a um estabelecimento comercial, instituições de ensino, administração pública direta ou indireta por motivo de raça, dentre outras condutas.

No artigo art. 1º da referida lei está disposto que: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”

É importante esclarecer que essa lei estabelece a proteção em relação à discriminação e atitudes preconceituosas, ou seja, duas condutas diferentes. Isso porque, na discriminação há separação e segregação de um indivíduo em decorrência de sua raça, cor, opção sexual, religião, etc. Já no preconceito, o indivíduo acredita que aquela pessoa que possui uma raça, cor, opção sexual, religião, deve ser tratada de forma diferente, contudo, na prática não chega a segregar, ou seja, a discriminar.

Vale dizer que o preconceito só é punível para essa lei, quando a pessoa exterioriza o seu pensamento, ou seja, se o preconceito ocorrer no campo da mente não há como existir punição penal.

Apesar da Lei nº 7.716/1989 estar em vigor há mais ou menos 30 anos no Brasil, o combate às práticas racistas ainda são um desafio, pois cada vez mais há um aumento nos casos.

De toda forma, é importante lembrar que a luta de combate ao racismo é um dever de todos como cidadão e isso independe de ideologia, viés político ou partidário. Não se pode permitir a propagação de práticas que violam a dignidade de uma outra pessoa, seja por qualquer motivo.

Os fatos ocorridos com João Pedro, George Floyd e Rayshard Brooks ocorrem para nos lembrar que o racismo deve ser combatido sempre e que, por mais que existam leis sobre o assunto, é a mudança de cultura de oportunidade e igualdade que possibilitará uma redução nos casos de violência à população negra.

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Doação de sangue é liberada para homossexuais

No mês de junho comemora-se o Dia do Orgulho LGBTQI+, mais precisamente no dia 28 e, em 2020, mais uma conquista foi alcançada pelos homossexuais e bissexuais do sexo masculino, que foi a liberação da doação de sangue.

O tema sobre a doação de sangue é amplamente divulgada em mídias como redes sociais, televisão, jornais e revistas. Porém, o que não é muito conhecido é que dentre o rol daquelas pessoas impedidas de doar, como por exemplo, pessoas com anemia, hipertensão ou hipotensão arterial, encontravam-se também os homens homossexuais e bissexuais.

Isso mesmo que você leu! Trata-se de um impedimento que não se enquadra na realidade do Brasil quando se olha os números.

De acordo com os dados do Ministério da Saúde do ano de 2016, apenas 1,6% dos cidadãos brasileiros possuíam o hábito de doar sangue, naquela época e, segundo a Organização Mundial da Saúde, o esperado era de que 3% da população fosse doadora para que a demanda fosse suprida.

Então, provavelmente, você deve estar se perguntando: de onde veio esse impedimento? Vamos entender um pouco melhor.

Durante muito tempo, desde quando a AIDS começou nos anos 80, os homossexuais foram a maioria das pessoas infectadas e, somente quando os usuários de drogas injetáveis apresentaram a doença, passou a ser referenciada em públicos heterossexuais também. Ou seja, decorrente da epidemia causada pela AIDS, as pessoas que se consideravam homossexuais foram sendo vistas pela sociedade como “grupo de risco”.

Mais tarde, tal conceito foi substituído por “comportamento de risco”, pois o vírus passou a se espalhar de forma geral, não mais se concentrando em grupos específicos. Hoje, considera-se comportamento de risco aqueles realizados tanto por heterossexuais quanto por homossexuais, sem distinção.

Em 2016, o Ministério da Saúde publica a portaria nº 158, que previa em seu artigo 64, IV, a desqualificação temporária do homem que tivesse relações sexuais com outros homens, assim como o artigo 25, XXX da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) de 2014.

A partir daí, surgiram debates e questionamentos em relação a essa questão. Seria esse impedimento constitucional ou inconstitucional?

Para responder, é preciso conhecer um pouco mais sobre os aspectos que contornam esse tema.

O que seriam normas inconstitucionais?

Ao indicar que uma norma é inconstitucional, significa dizer que esse dispositivo não está em conformidade com o texto Constitucional. Mas, apenas perceber que um determinado ato normativo não está de acordo com a Carta Magna não é suficiente, por isso o legislador criou um mecanismo para controlar tais atos: o Controle de Constitucionalidade.

Esse controle ocorre por duas vias: a difusa e a concentrada. O primeiro caso ocorre quando o juiz não aplica uma determinada lei por ela se mostrar, naquele caso, incompatível com o texto constitucional, ou seja, questiona-se a compatibilidade de forma indireta em um caso específico. Já o segundo controle – o concentrado – analisa a constitucionalidade do texto legal em si, independentemente de uma situação concreta.

A partir daí, existem 4 dispositivos que são aplicados por via de controle concentrado:

  • Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI);
  • Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC);
  • Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF);
  • Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).

Essas ações fazem parte do que conhecemos por “Controle de Constitucionalidade”, no que tange ao aspecto concentrado e possuem finalidades distintas. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), por exemplo, questiona a norma contrária a preceitos tidos como essenciais pelo texto constitucional. Além disso, ela é apenas utilizada quando a situação não se enquadrar nas hipóteses dos outros dispositivos, ou seja, ela atua de modo subsidiário.

Por sua vez, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), é um meio para resolver aquelas incertezas decorrentes de decisões distintas dos Tribunais. Assim, em uma situação hipotética em que é ajuizado uma ADC e for julgada procedente, aquela lei deverá ser aplicada justamente por ter sido declarada Constitucional.

No que se refere à Ação Direta de Inconstitucionalidade, segundo dados coletados em 2018 pelo Conselho Nacional de Justiça, é a ação mais utilizada tendo em torno de 5,6 mil ações. Ela pode vir a ocorrer de duas formas: por meio de uma ação, quando há incompatibilidade entre Leis ou atos do Poder Público com o texto constitucional; ou por omissão, quando o legislativo deveria ter regulamentado alguma norma constitucional de eficácia limitada, isto é, quando ela precisa de outra para exercer suas funções de maneira plena, mas não o fez.

As pessoas competentes para ajuizar a ADI e ADC estão dispostas no artigo 103 da Constituição, quais sejam:

  • Presidente da República;
  • Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados;
  • Casas legislativas e pelos Governadores dos estados e do Distrito Federal;
  • Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
  • Partidos políticos com representação no Congresso Nacional;
  • Procurador-Geral da República;
  • Confederações sindicais e pelas entidades de classe de âmbito nacional.

Como já dito, o objeto da ADI é uma lei ou ato normativo federal ou estadual, conforme o artigo 102, I, da Constituição Federal. As normas questionadas nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade fazem parte dos atos normativos, tendo em vista que possuem os requisitos para tanto, quais sejam:

  • Autonomia jurídica;
  • Abstração;
  • Generalidade;
  • Impessoalidade.

Além disso, por obedecer o Princípio da Indisponibilidade do interesse público, uma vez proposta essas ações de controle de constitucionalidade – ADI, ADC e ADPF – a desistência não será admitida.

Uma discussão antiga que voltou a ser debatida é a ADI nº 5543, proposta em 2016, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Essa Ação Direta de Inconstitucionalidade, tem como objetivo a declaração de inconstitucionalidade das normas do Ministério da Saúde e da Anvisa, citadas anteriormente, que dizem que homossexuais e bissexuais do sexo masculino são inaptos temporariamente à doação de sangue.

O julgamento teve início em outubro de 2017 e seu relator, o ministro Edson Fachin, votou pela inconstitucionalidade de tais normas, assim como os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. No entanto, Gilmar Mendes pediu mais tempo para analisar o processo, que só voltou a ser julgado em maio de 2020, pois seria uma das soluções para as quedas dos estoques de sangue decorrente da pandemia do COVID-19.

Argumentos favoráveis à declaração da inconstitucionalidade

Os argumentos eram de que as normas mencionadas acima faziam com que os bancos de coleta de sangue recusassem o material coletado de homens homossexuais e bissexuais e, por isso, afrontaria a dignidade da pessoa humana e a liberdade de autodeterminação, conferidas pelo artigo 1º, inciso III, da Constituição.

Conforme as normas do Ministério da Saúde e da Anvisa, um caso hipotético funcionava da seguinte forma:

Pedro, homem, homossexual, possui um relacionamento de 3 anos com João e mantém com ele relações sexuais. Nesse caso, tanto Pedro quanto João não poderiam doar sangue, de forma quase definitiva, porque a cada nova relação sexual entre os dois, iniciam uma nova contagem de 12 meses para eles serem considerados aptos a doar sangue. 

O mesmo não acontecia com homens heterossexuais, que possuem a vida sexual ativa, como a de Pedro e João no exemplo acima. Ou seja, nesse sentido, as normas também seriam contrárias ao Princípio da  Igualdade, que busca promover a tolerância às diversidades, dizendo que todos são iguais e que a própria Lei não pode fazer nenhuma ou qualquer distinção, seja por preconceito relacionado à cor, sexo, idade ou quaisquer outras forma de discriminação  (art. 5º, caput, CF/88).

Argumentos desfavoráveis à inconstitucionalidade

Nem toda história possui apenas um lado e os argumentos trazidos pelo Ministério e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária defendem a constitucionalidade de suas normas. Segundo elas, o impedimento não era feito com o objetivo de discriminar os homens que possuem relações sexuais com outros homens, e sim para garantir a máxima qualidade e segurança para os bancos de sangue. 

Além disso, alegaram que o impedimento era feito conforme evidências epidemiológicas e técnico-científicas, seguindo ainda, as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que inclui como perfil de alto risco, em seu manual de seleção de doadores, os homens homossexuais. Ainda de acordo com a OMS, possuem 19,3 vezes mais chances de terem o vírus da AIDS e, por isso, apoiam o impedimento como padrão. 

Contudo, vale dizer que a própria OMS, em 2018, reconheceu que seu manual está desatualizado, uma vez que foi desenvolvido num momento em que as pesquisas sobre a doação de sangue estavam evoluindo.

Resultado do Julgamento

No dia 8 de maio de 2020, a maioria dos ministros do STF votou para declarar inconstitucionais as restrições feitas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa. Entenderam que é função do Estado Democrático de Direito afastar e impedir restrições realizadas em razão da autodeterminação manifestada em sua orientação sexual, de modo que ao impedir e dispensar o sangue de um homem que teve ou tem relações com outros homens, estariam dispensando o próprio indivíduo e confrontando, consequentemente, princípios constitucionais. 

Segundo o relator, Edson Fachin, as normas declaradas inconstitucionais voltavam a estabelecer os homossexuais masculinos em “grupos de risco” que, como já dito, é  um expressão ultrapassada justamente por se tratar de uma discriminação. Além disso, ele diz que a restrição impedia que esses homens participassem plenamente da execução de uma política pública na área da saúde que beneficia toda a população. 

Ainda, segundo o ministro, há uma discriminação indireta – aquela que não possui intenção –  que causa um impacto desproporcional por:

  • Ofender a dignidade da pessoa humana (autonomia e reconhecimento);
  • Impedir que as pessoas sejam como são (art. 1º, III, CRFB);
  • Impossibilitar que as pessoas fossem tratadas como iguais em relação aos demais cidadãos (art. 5º, caput, CRFB);
  • Induzir o próprio Estado a não promover o bem de todos sem preconceitos de sexo e quaisquer outras formas de discriminação – art. 3º, IV, CRFB.

Então, é impossível negar que, no Brasil, a população LGBTQIA+, sofre diariamente vários tipos de violência, inclusive as de cunho físico, psicológico e moral, como acabamos de ver. O não reconhecimento do sangue dessa população como sangue apto a ser doado é também não reconhecer a própria humanidade nessas pessoas, e foi basicamente nesse argumento que a maioria dos votos se embasaram. 

Assim, o sangue doado é analisado de forma igualitária, ou seja, passa pelos mesmos procedimentos para que não haja nenhum risco de contaminação, seja um sangue de um homem homossexual ou heterossexual. A análise, a partir da ADI, é focada nos riscos envolvidos na conduta individual e não de um grupo específico.  

Muito sangue tem sido derramado em nome do preconceito e discriminação, ao invés de estarem sendo doados. Porém, espera-se que, com o resultado da ADI 5543, as pessoas que precisam de transfusão de sangue possam ser beneficiadas. 

E você, o que achou da decisão do STF? Conte para gente nos comentários!

O namorado do calção frouxo

Neste mês dos namorados eu vim contar um “causo” quente de um casal de namorados. Caso este que virou ação penal. Espero que leitores penalistas ajudem a elucidar o caso contado por esta civilista, nos comentários abaixo.

Primeiro, preciso esclarecer que se trata de um casal de adolescentes. Ele, 18, ela, 19. Apesar de terem atingido a maioridade, tanto no Brasil, como na Alemanha e do ECA, no art. 2º, considerar adolescente aquele entre 12 e 18 anos, a ciência vem concluindo que a adolescência vai até os 24! Algumas pessoas nos fazem crer que ela pode ir além dos 40. Então, vamos ler este caso com a misericórdia que os adolescentes merecem e que é reconhecida pelo próprio Código Penal brasileiro, segundo o qual os protagonistas deste caso teriam sua pena atenuada por terem menos de 21 anos (Art. 65, I Código Penal).

Afinal, a adolescência é um tempo muito desesperador. Na verdade, na adolescência tudo é muito. Ou é muito drama ou é muito tédio, ou é muito amor, ou é muito ódio e aí fica tudo muito desesperador. Cada coisinha vira um “problemão”. A estética tampouco ajuda. Adolescente fica um bicho esquisito, as partes não crescem concomitantemente, parece que vai crescendo um órgão de cada vez. Primeiro o nariz e as orelhas e o resto continua de criança, vai ficando tudo desproporcional antes de ficar proporcional de novo. O menino cria até barba, mas a voz continua num timbre soprano. A menina tem que aprender a lidar com o fato de ser cíclica e com os percalços de sangrar por uns dias. Como diria um tio meu: – Que fase! Pra piorar, muita gente faz pouco do adolescente, deixando de legitimar suas posições e emoções, já que geralmente não atendem ao princípio da proporcionalidade ou sequer da razoabilidade.

Outra coisa que cresce na adolescência é o tesão. Ninguém segura o adolescente! São hormônios demais e – falando bem baixinho para que meus futuros filhos nunca ouçam – seria quase um desperdício de potencial se os adolescentes não aproveitassem a fase. Todavia, ainda que se perdoe a falta de parcimônia, não dá pra perdoar a falta de adequação. Foi por esta falha que um casal de adolescentes de Augsburg não escapou a uma sentença penal condenatória.

Era natal de 2014… Bom, para ser mais precisa, era meu aniversário. Na Alemanha chamam o dia 26 de segundo dia de natal. Prolongaram o feriado para dar tempo das pessoas se recomporem e ficarem um pouco mais com a família. Não era dia dos namorados, nem feriado político, mas os pombinhos, ao invés de ficar em casa e celebrar a data com a família, resolveram ir para uma espécie de termas. Esses lugares são uma delícia! Cheios de piscinas e saunas quentinhas, luz baixa, aromas especiais, tudo bem no meio do inverno europeu. Quem os poderia condenar por escapar para as termas? Ora, por isso não, mas não precisavam transar bem no meio da piscina.

O funcionário do local, observando as câmeras debaixo d’água se horrorizou ao ver a cena e pegou os dois em flagrante. Foram então processados. Tipo penal? §183a do Código Penal Alemão: “incitar o incômodo público”. Segundo este dispositivo, qualquer pessoa que fizer atos sexuais públicos enfrentará prisão de até um ano ou multa¹. O réu adolescente jurou que o coito não foi consumado e que seu calção tinha caído, tudo sem querer.

Esta argumentação não pôde ser levada a sério pelo magistrado, até porque, ele foi obrigado a ver o tal vídeo que gravou toda a ação dentro d’água. Ele mesmo disse que parecia estar vendo um filme pornô em audiência. Para os curiosos, o vídeo está até disponível no YouTube. Deste modo, palavras não foram de muito auxílio ao adolescente do calção frouxo. O juiz condenou o menino a duas semanas de detenção e a menina a um fim de semana sem sair e 32 horas de serviços à comunidade. Ainda assim, não tendo convencido um juiz, ele tentou convencer três e apelou! O resultado do recurso deve ter sido brochante para ele. A namorada, resignada e ciente de sua conduta em local inapropriado, deixou por isso mesmo.

O casal de adolescentes virou chacota na cidade. O ato deve ter entrado para o rol de coisas que se faz na imaturidade e que não te largam por um tempo, o rol da ressaca moral permanente. Monica Lewinsky que o diga… Não quero nem imaginar o “carão” dos pais dos jovens. Devem ter se mudado para outra cidade e, com sorte, já estão rindo do ocorrido. Na verdade, até imagino o menino, quando pai, ensinando o seu filho a manter o calção sempre bem amarradinho, que é para não correr nenhum risco.

Se você gostou deste “causo”, deixe umas estrelinhas e conte o que achou nos comentários! É importante para mim. Até a próxima!

¹ § 183a. StGB: Erregung öffentlichen Ärgernisses. Wer öffentlich sexuelle Handlungen vornimmt und dadurch absichtlich oder wissentlich ein Ärgernis erregt, wird mit Freiheitsstrafe bis zu einem Jahr oder mit Geldstrafe bestraft, wenn die Tat nicht in § 183 mit Strafe bedroht ist.

Deborah Alcici Salomão é Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

E-book: Produtividade nos Tribunais em tempos de pandemia

Ficar por dentro de tudo o que acontece no Judiciário brasileiro não é uma tarefa simples, não é mesmo? Ultimamente, toda a sociedade tem mudado a forma de ver e viver no mundo, devido aos acontecimentos decorrentes da pandemia do Covid-19. Nesse sentido, com o Judiciário não seria diferente.

Durante esse momento de crise, a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi ressaltada, isso porque foram dadas respostas rápidas e orientações necessárias para que o Judiciário não parasse e, inclusive, foi estabelecido um sistema de plantão extraordinário para os Tribunais, interrompendo os trabalhos presenciais. Por isso, prazos foram suspensos, audiências canceladas, na tentativa de conter a disseminação do vírus.

Vale lembrar que antes da pandemia, o Judiciário passava por um momento de transição gradativa, no qual muitos processos físicos já estavam sendo substituídos pelos processos eletrônicos e, com a pandemia, essa mudança se tornou a única forma de manter os serviços funcionando: remotamente, cada um em sua casa.

Diante desse cenário, você acredita que a produtividade tem aumentado ou diminuído? Para responder esse questionamento, o Juris desenvolveu o e-book Produtividade nos Tribunais em tempos de pandemia, em formato de infográfico, com dados atualizados relativos à quantidade de sentenças, acórdãos e despachos proferidos. Para baixar, basta acessar o link abaixo.

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Como aplicar a recuperação judicial e extrajudicial em empresas?

No momento atual, empresas de diversos setores estão sendo impactadas com a crise gerada pelo Covid-19. Com isso, a recuperação judicial e extrajudicial de empresas é um tema que gera muito interesse aos empresários e profissionais atuantes do Direito.

O novo coronavírus não gerou uma crise sanitária apenas, pois também afetou o poder de consumo do cidadão, considerando os altos índices de desemprego presentes na sociedade. Além disso, a crise econômica ocorre porque as empresas estão comercializando serviços e produtos menos que o esperado, diante das medidas de isolamento social e fechamento do comércio impostas por cada estado e município.

Essa situação tem feito com que empresas brasileiras enfrentem uma crise financeira, se tornando inadimplentes quanto aos seus compromissos com colaboradores, parceiros e demais credores envolvidos na atividade.

Ainda não se sabe em quanto tempo a situação irá se normalizar, por isso, a tendência e que a quantidade de empresas em crise aumente, o que pode causar um grande número de empresas falidas.

No intuito de evitar o encerramento da atividade empresária, a legislação brasileira prevê o instituto da recuperação judicial e extrajudicial, conforme a Lei nº 11.101/05, que fala sobre recursos que podem ser usados quando a empresa enfrenta uma grave crise econômica.

O objetivo da recuperação judicial e extrajudicial é permitir a continuidade da atividade econômica, garantindo a preservação dos interesses dos credores, de modo a evitar o inadimplemento dos créditos e um processo de falência. Diante disso, podemos dizer que pode ser uma excelente alternativa para muitos negócios. Mas, como aplicar a recuperação judicial e extrajudicial nas empresas? A seguir, destacamos alguns aspectos relevantes sobre o assunto.

Requisitos para a empresa pedir a recuperação judicial

A recuperação judicial é uma alternativa dada às empresas para que possam renegociar débitos e pagamentos a fim de manterem a atividade econômica. O artigo 48 da lei citada acima estabelece alguns requisitos para as empresas que querem realizar o pedido de recuperação judicial:

  1. exercício da atividade econômica há mais de 2 (dois) anos;
  2. não ter falido e, em caso de falência anterior, esta deve ter sido declarada extinta;
  3. não ter obtido concessão de recuperação judicial nos últimos 5 anos. Esta regra também se aplica à empresa de pequeno porte ou microempresa que se beneficiou do plano especial, nesse caso, para que essas empresas possam usufruir da recuperação judicial, não podem ter obtido tal medida, ainda que em plano especial, nos últimos 5 anos;
    Vale dizer que o plano especial é um plano de recuperação judicial aplicável somente para microempresas e empresas de pequeno porte. Na Lei 11.101/05, o plano especial está disposto a partir do artigo 70 e oferece condições mais simplificadas para processamento de recuperação judicial, além de estabelecer prazos e forma de pagamento já definidos em lei.
  4. não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, condenação por crime falimentar.

Os requisitos acima devem existir de forma conjunta, de modo a autorizar o pedido de recuperação judicial.

Quem pode pedir a recuperação judicial?

De acordo com o artigo 48, § 1º da Lei nº 11.101/05 (citado acima), o pedido de recuperação judicial pode ser feito pelo devedor, ou seja, o empresário detentor da atividade econômica, bem como, seu cônjuge sobrevivente, herdeiros, inventariante ou sócio remanescente.

Como funciona o pedido de recuperação judicial perante o juízo?

O devedor apresenta na Justiça o pedido de recuperação judicial por meio da petição inicial. Esta, deve conter algumas informações e documentos específicos, conforme determina o artigo 51 da Lei 11.101/05, como, por exemplo, a relação de todos os credores, as demonstrações contábeis da empresa, que demonstrem sua dificuldade financeira em continuar a funcionar, a relação dos empregados, bem como do patrimônio dos sócios, dentre outros.

Apresentado o pedido junto com as informações necessárias, o juiz irá apreciar e analisar sobre o deferimento ou não. Se deferido, irá ocorrer a nomeação do administrador judicial, suspensão das ações contra a empresa, dispensa das certidões negativas para que o devedor exerça as atividades e intimação do Ministério Público e a comunicação por cartas às Fazendas Públicas Federal.

Além disso, a partir do deferimento, a empresa possui o prazo de 60 dias para apresentar o plano de recuperação judicial, sob pena de conversão em falência.

O que deve conter no plano de recuperação judicial?

No plano de recuperação judicial devem existir:

  1. A relação dos meios utilizados para a quitação das dívidas;
  2. A demonstração da viabilidade econômica do plano, ou seja, deve estar comprovado que é possível cumpri-lo economicamente;
  3. O laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor.

Além disso, no plano de recuperação judicial deve conter propostas da empresa para abatimentos, compensação, descontos, acordos relativos às dívidas, ou seja, o devedor deve apresentar meios de satisfazer o pagamento, considerando sua situação econômica e os interesses dos credores.

Elaborado o plano, ele será apreciado pelos credores e pode ser impugnado, caso haja discordância com os termos. Se houver objeção, o juiz convoca a assembleia geral dos credores, que é a reunião destes, conforme as classes:

  1. Credores trabalhistas;
  2. Credores com garantia real, que são aqueles garantidos ao credor por meio de uma hipoteca ou penhor;
  3. Credores subordinados, com privilégio e quirografários. Os créditos subordinados são aqueles decorrentes de contrato ou definidos por lei, ou, ainda, aqueles sem vínculo empregatício, decorrentes da relação com o sócio administrador. Os créditos com privilégio são aqueles previstos no artigo 964 do Código Civil de 2002 ou aqueles assim definidos em outra lei civil ou comercial. E, por fim, o crédito quirografário são aqueles sem qualquer garantia, os saldos das instituições financeiras superiores à garantia real e os trabalhistas acima dos 150 salários mínimos, sendo que estes se configuram como a maior parte dos créditos existentes na recuperação judicial e, como exemplo, estão os créditos decorrentes de indenizações e contratos mercantis;
  4. Credores qualificados como micro e pequena empresa.

O plano deve ser aprovado por todas as classes e, se assim não acontecer, ele poderá ser rejeitado e o processo convertido em falência ou, ainda, o juiz pode desconsiderar as objeções dos credores e, ainda assim, homologar o plano apresentado.

É importante lembrar que, após a homologação do plano, a empresa deverá permanecer sob fiscalização até que todas as obrigações sejam cumpridas. E, em caso de descumprimento do plano, a recuperação judicial poderá ser convertida em falência.

A empresa pode pedir recuperação de forma extrajudicial?

Sim, se a empresa cumprir os requisitos do artigo 48 da Lei 11.101/05 (citados anteriormente), ela também poderá requerer o benefício de forma extrajudicial. Nesta hipótese, ocorre a negociação direta da empresa com os credores para pagamento dos débitos.

De acordo com o artigo 161, § 1º da Lei citada, na recuperação extrajudicial não poderá ser feito acordo de dívida trabalhista, tributária ou decorrente de acidente do trabalho.

Após as negociações extrajudiciais, o plano deverá ser levado à apreciação pelo juiz, que poderá homologar ou não. Após o recebimento na esfera judicial, o magistrado irá convocar os credores para análise do plano e estes terão 30 dias para impugnar o documento.

Ao final, caberá ao magistrado analisar as impugnações e homologar o plano por meio de sentença. Se o plano não for aceito pelo magistrado, não ocorre a conversão em falência, como é o caso da recuperação judicial. Nesse caso, a empresa possui o direito de apresentar um novo plano de recuperação.

Como é a recuperação judicial para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte?

A microempresa e empresa de pequeno porte podem utilizar do plano de recuperação judicial comum, ou seja, aquele que é aplicável a qualquer espécie de atividade empresarial. Mas, a Lei 11.101/05, a partir do artigo 70, possibilitou a essas empresas a realização do plano de recuperação especial, modalidade que tem o objetivo de simplificar o procedimento de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte.

De acordo com a Lei Complementar 123/2006, em seu artigo 3º, microempresa é aquela que aufere, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e empresa de pequeno porte, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).

Assim, as empresas que se enquadram nessa classificação, possuem a alternativa de apresentar o plano especial de recuperação judicial. O artigo 71 da Lei 11.101/05 estabelece que esse plano deve seguir o seguinte procedimento:

  1. abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, com exceção dos créditos de recursos oficiais, que podem ser entendidos como aqueles decorrentes de financiamento realizado por instituição que administra bens públicos como o BNDES, além dos créditos fiscais e decorrentes de adiantamentos de contrato de câmbio;
  2. preverá parcelamento em até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas;
  3. o pagamento da 1ª (primeira) parcela será no prazo máximo de 180 dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;
  4. estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

No caso do plano especial, este deverá ser aprovado ou não pelo juiz e não pela assembleia geral de credores, como acontece na recuperação judicial de procedimento comum. Isso significa que os credores podem apresentar objeção quanto ao plano, contudo, caberá ao juiz decidir pela sua homologação ou não.

Conforme o artigo 72 da Lei 11.101/05, a depender da quantidade de objeções apresentadas pelos credores, o plano não será aprovado e a recuperação judicial é convertida em falência.

Conclusão

A recuperação judicial ou extrajudicial é uma excelente alternativa para enfrentamento de crise. Empresas podem adotar essa medida, a fim de evitar o completo encerramento das atividades.

O profissional jurídico é essencial nesse processo, pois irá analisar a viabilidade da recuperação judicial ou extrajudicial. Para isso, deve considerar os fatores envolvidos no negócio, como: valores envolvidos, porte da empresa, cumprimento dos requisitos legais, dentre outros, a fim de verificar qual o meio mais adequado para usar desse procedimento.

Independente da modalidade da recuperação a ser usada, se judicial ou extrajudicial, o advogado ou advogada que atuar, deve ter em mente o espírito colaborativo e conciliador, visto que será necessário realizar bons acordos para viabilizar o cumprimento do plano e o seu aceite pelos devedores e juiz.

Acreditamos que essa alternativa legal pode ser muito útil para as empresas, além de ser um nicho de mercado com alta crescente na advocacia. Se quiser saber mais como encontrar oportunidades de atuação em recuperação judicial ou extrajudicial de empresas, o Juris em parceria com o Dubbio, disponibiliza casos jurídicos enviados pelo cidadão para advogados e advogadas, com inscrição na OAB e assinantes da plataforma.  Tem interesse? Acesse agora mesmo o seu desconto de 40% no Juris e comece a atender os Casos Jurídicos.

Violência doméstica em tempos de Covid-19

À medida em que a população se mantém em isolamento social, decorrente da pandemia do Covid-19, um outro problema se agrava entre quatro paredes: a violência doméstica na quarentena que é, infelizmente, um inimigo antigo que atinge famílias, mas principalmente mulheres no Brasil e também no mundo.

Por muito tempo, as mulheres não tinham direito ao voto, não participavam da vida política e do mercado de trabalho e, por isso, estavam predestinadas aos afazeres domésticos. Contudo, com o passar dos anos, os direitos básicos como o de estudar, trabalhar, poder votar e ter voz perante a sociedade, foram sendo conquistados através dos movimentos feministas. No entanto, muitas mulheres ainda lutam por um direito fundamental, que é viver sem violência.

Para compreender melhor sobre esse fenômeno, que vem se intensificando nos últimos meses por conta da pandemia, é preciso dar um passo atrás, e visualizar através da história um melhor entendimento de como essa violência invisível é decorrente do preconceito de gênero.

Origem da discussão sobre a violência doméstica

Como já dito, durante muito tempo as mulheres não possuíam direitos básicos e várias foram as mudanças para chegar nos dias de hoje. O legislador do Código Civil de 1916, por exemplo, deixava claro os papéis dos cônjuges, onde o homem era visto como o provedor do lar, enquanto a mulher, era submissa a esse regime patriarcal.

No âmbito penal, por meio do seu código de 1940, vigente até os dias de hoje, só garantia a proteção à mulher contra vários crimes sexuais caso ela fosse considerada “honesta” e essa realidade só foi alterada em 2005 pela Lei 11.106/05. Ou seja, a condição jurídica conduzia a forma que as mulheres eram vistas perante a sociedade.

Mais tarde, durante os anos 70, o assassinato de muitas mulheres deram visibilidade para a questão da violência doméstica que sempre aconteceu, porém de forma invisível. Dentre os casos, o assassinato de Ângela Diniz teve destaque gerando, inclusive, protestos populares.

Ângela havia sido morta com 4 tiros na cabeça, disparados pelo seu companheiro, Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como “Doca Street”. Em sua tese de defesa, foi alegado que ele havia agido em legítima defesa da honra e “matado por amor”. Doca Street foi condenado a dois anos de prisão nesse primeiro julgamento e, devido às manifestações sociais, 5 anos depois ele foi julgado novamente e condenado a 15 anos.

Então, nesse momento, aquela luta que fez com que as mulheres conquistassem seus direitos sociais chega contra a violência doméstica com muito mais força e, por isso, surgiram campanhas emblemáticas como “quem ama não mata”, trazendo visibilidade à violência doméstica e, por isso, por si só, foi uma grande conquista, pois por muito tempo ainda se falava “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.

A partir daí, devido ao enfoque que foi criado sobre a violência doméstica como um problema social e, também, de saúde pública, foi criado como resposta, em 1985, a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher. Ela surgiu como forma de materialização do reconhecimento dessa violência como crime e da responsabilidade do Estado de criar mecanismos que permitam o combate a esse fenômeno.

Contudo, mesmo diante desses avanços, as mulheres continuam sofrendo e convivendo, muitas vezes, com o inimigo. Foi em 2006, através da Lei Maria da Penha que houve um divisor de águas na questão da violência. Confira abaixo.

Lei Maria da Penha

Maria da Penha, outro caso emblemático, foi vítima de duas tentativas de homicídio ocorridos em 1983. Em um primeiro momento, seu companheiro tenta assassiná-la com um disparo em suas costas enquanto dormia, deixando-a paraplégica e, posteriormente, ele tentou eletrocutá-la durante um banho.

Mesmo diante de tais crimes, seu violador foi julgado 2 vezes e, em ambos, saiu em liberdade. No primeiro, por meio de recursos solicitados pela sua defesa e, no segundo, por alegações de irregularidades no processo. Diante disso, o caso ganhou notoriedade internacional e foi parar na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Como resultado, a Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006 e batizada com o seu nome, Maria da Penha, como forma de simbolizar a sua luta contra a violência doméstica.

Suas principais inovações

  • Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher;
  • Estabelece as formas da violência doméstica contra a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral;
  • Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual;
  • Determina que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz;
  • Ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas);
  • Retira dos juizados especiais criminais (Lei nº 9.099/05) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher;
  • Altera o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher;
  • Altera a lei de execuções penais para permitir ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação;
  • Determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger as questões de família decorrentes da violência contra a mulher;
  • Caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em um terço.

Nesse sentido, a Lei Maria da Penha foi de grande importância e avanço para a luta do direito à vida das mulheres sem violência. Ela explicita, por exemplo, que a violência não é só a física, podendo ser também a psicológica que é aquela:

que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (art. 7º, II, da Lei 11.340).

No entanto, mesmo sendo um fenômeno que ganhou visibilidade e deixou de ser um problema que ocorria somente entre quatro paredes, sem que ninguém soubesse, a violência doméstica não deixou de ocorrer.

Feminicídio

De acordo com dados das Nações Unidas, mesmo possuindo a Lei Maria da Penha, o Brasil é o 5º país onde mais de mata mulheres no mundo, e é importante ressaltar que essas informações não são coletadas dos processos que chegam às autoridades policiais, e sim, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que afirma que 4,8 mulheres são mortas a cada 100 mil.

Diante dessa realidade, foi sancionada em 2015 a Lei do Feminicídio, com a finalidade de alterar o Código Penal, para introduzir o feminicídio como um agravante, isto é, como uma circunstância que irá agravar a condição do réu, podendo a pena variar entre 12 e 30 anos de prisão (art. 121, §2º, VI).

Diferença entre a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio

Você deve estar se perguntando como era a punição antes da Lei do Feminicídio e porquê ela foi criada, se já existia a Lei Maria da Penha. Bom, em primeiro lugar, antes da Lei do Feminicídio não havia nenhuma punição diferenciada pelo homicídio ser cometido contra uma mulher pelo fato dela ser mulher. Ou seja, uma pessoa que assassinou uma mulher pela condição do sexo feminino era punida como tão somente homicídio.

Nesse sentido, a Lei surgiu com a finalidade de alterar esse cenário, porque a Lei Maria da Penha não trouxe um rol de crimes, uma vez que seu objetivo é de proteger a vítima da violência doméstica, sem tipificar novas condutas e, por analogia, ela também protege a criança, o idoso e o homem da violência realizada no âmbito doméstico (da casa). Contudo, como já dito, estatisticamente, as maiores vítimas desse tipo de violência são as mulheres.

Violência doméstica na quarentena

Os números de casos e de denúncias têm aumentado durante o período de isolamento social não só no Brasil, como também no mundo. Na França, por exemplo, o governo anunciou que irá pagar quartos de hotel e abrirá centros de aconselhamentos para acolher as vítimas de violência doméstica, uma vez que os índices de denúncias aumentaram consideravelmente. Em Paris, houve uma crescente de 36%, e no restante da França o aumento foi de aproximadamente 32%.

Infelizmente, não para por aí. No México, segundo Nadine Gasman, diretora do Instituto Nacional de Mulheres do México (INMUJERES), as denúncias cresceram desde março – início da quarentena por lá – em 60%. Além disso, na Argentina, nos primeiros 9 dias de quarentena, 6 mulheres já foram mortas.

No Brasil, os números não são muito diferentes, segundo o Ministério Público do estado de São Paulo, a violência contra a mulher cresceu em 30% e, de acordo com os dados levantados em março, 2.500 medidas protetivas foram decretadas em caráter de urgência.

Diante disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo desenvolveu um projeto para auxiliar nas denúncias, chamado de “Cartas de Mulheres“. Neste projeto, uma equipe especializada responde informando, por exemplo, os locais de atendimento especializado, isso tudo, é claro, levando em consideração a situação de cada mulher.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando prevenir a violência doméstica, após a confirmação do aumento de casos registrados, informou que criou um grupo para elaborar medidas emergenciais justamente coma finalidade de prevenir e diminuir esses números.

Ademais, o governo de Minas Gerais criou um aplicativo (app), que se chama “MG Mulher”, no qual a vítima da violência encontra endereços e telefones dos locais mais próximos da sua localização para lhe ajudarem em caso de emergência. A vítima também terá acesso a diversos outros conteúdos dentro desse aplicativo, como textos e vídeos sobre a violência doméstica e, principalmente, de como sair desse problema. Você pode fazer o download gratuito na AppStore ou no GooglePlay.

Como forma de ajudar a combater a violência doméstica, a loja Magazine Luiza, por meio de seu app, disponibilizou um botão (no perfil de usuários) de denúncia de violência contra a mulher. Baixe o app, de forma gratuita, na AppStore ou GooglePlay.

Então, podemos observar que o fenômeno da violência doméstica e, principalmente, da violência contra a mulher sempre existiu. Porém, com a pandemia, muitas dessas mulheres estão sendo obrigadas a conviver em período integral com o seu violador. É como se existisse uma pandemia dentro de outra.

Contudo, medidas estão sendo tomadas pelos governadores de diversos estados para impedir que esse problema se intensifique ainda mais. A criação de aplicativos, de sistemas e modos de auxílio às vítimas estão sendo colocados em prática o mais rápido possível.

E se você está enfrentando esse problema ou conhece alguém próximo, denuncie. Ligue para o número 180, a ligação é gratuita e funciona 24 horas por dia. O serviço fornece informações sobre os direitos das mulheres e os locais mais próximos da sua localização mais apropriados para cada caso.

Prévia do e-book Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

O Juris escreveu um e-book completo para assinantes da plataforma sobre o que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que tem como objetivo o estabelecimento de regras sobre a coleta, tratamento, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais.

Para que você possa conhecer um pouco mais sobre essa lei, que foi adiada para entrar em vigor em maio de 2021, devido à pandemia do Coronavírus, disponibilizamos a prévia do primeiro capítulo.

Esse conteúdo é importante para você conhecer mais sobre a lei, para instruir clientes e quem sabe ter uma nova forma de atuação. Confira abaixo os capítulos que você encontra no material completo.

  1. O porquê da LGPD
  2. Tratamento de dados
  3. O que são dados pessoais
  4. Os sujeitos da LGPD
  5. Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)
  6. Princípios da LGPD
  7. Requisitos para o tratamento de dados
  8. Direitos referentes ao tratamento
  9. Das penalidades
  10. Da responsabilidade e reparação de danos

Se interessou? Então, venha para o Juris. Aqui temos outros conteúdos relevantes para você utilizar na prática em sua advocacia.

Acesse aqui a prévia do e-book sobre a LGPD

Amplie sua carteira de clientes na Advocacia utilizando os meios digitais

É possível ampliar a carteira de clientes na Advocacia utilizando os meios digitais? Esta é uma pergunta feita por muitos profissionais do Direito, principalmente em razão do momento que estamos vivendo.

Antes da pandemia gerada pelo Covid-19, quando advogados e advogadas precisavam divulgar seus serviços, a presença em eventos ou uma reunião em um café com um potencial cliente eram as formas mais utilizadas.

Agora, com as medidas de isolamento social, as opções para prospecção no meio físico se tornam limitadas. Mas, isso não impede que o profissional jurídico mantenha sua atividade em funcionamento, o que é possível se o seu negócio tiver uma presença digital na internet.

Um novo modelo de negócios nos é exigido neste momento, ou seja, uma forma diferente de advogar. Não que seja novidade a prospecção de clientes por meios digitais, pois esta prática já acontecia, ainda que de forma tímida. A diferença é que agora tal prática se tornou questão de sobrevivência para o mercado jurídico. Por isso, o que resta aos profissionais é se adaptarem à nova realidade.

Para te ajudar a conhecer mais sobre os negócios no mundo digital, separamos algumas dicas. Confira e coloque em prática agora mesmo!

Crie um site

O profissional jurídico ou o seu escritório devem ter um site, pois este é o cartão de visitas da sua marca.

O site é a primeira impressão que o cliente tem sobre o que você faz, então, nesta plataforma deve constar algumas informações como: uma apresentação sobre o(a) profissional, em qual área atua e como entrar em contato.

Atualmente, a internet dispõe de plataformas gratuitas para que você crie o seu próprio site, sem custo algum como, por exemplo, a ferramenta Wix ou WordPress. É importante lembrar que o site deve ter uma linguagem simplificada, acessível para que o público entenda o que você quer dizer e seja fácil para que o cliente possa operar.

Após a criação do site, você pode ser localizado na internet de forma mais fácil. Por exemplo, se o cidadão possui uma demanda trabalhista para resolver e procura no Google pelo termo “advogado trabalhista”, esta ferramenta de busca irá indicar os sites dos profissionais que atuam nesse segmento.

Para o seu site aparecer nas ferramentas de busca é necessário publicar conteúdos interessantes e atuais como notícias, artigos jurídicos, além de utilizar recursos do marketing digital.

Dessa forma, quando o cliente te encontrar pela internet ele vai entender o seu posicionamento sobre determinados assuntos, quais as demandas costuma atender e isso irá te aproximar e gerar conexão, fazendo com que ele procure pelos seus serviços.

Escreva artigos jurídicos

A produção de artigos jurídicos é uma excelente forma de prospectar novos clientes. Você pode escolher um tema que possui aptidão, escrever sobre ele e publicar em alguns sites como LinkedIn ou em plataformas que conectam o cidadão a advogados e advogadas, como no Dubbio.

Ao escrever um artigo, se preocupe em:

  • Direcione o conteúdo para o público-alvo, ou seja, a escrita deve ser simples, clara e objetiva. Usar palavras difíceis, em latim ou termos muito técnicos não fará com que o possível cliente te compreenda;
  • Use imagens, se possível, pois elas ilustram e tornam mais fáceis o entendimento;
  • Procure resolver a dor do seu cliente. Ao escolher um tema, se pergunte: qual problema atinge o meu potencial cliente?
  • Verifique se o texto observa as normas de português, pois os erros da norma podem abalar a sua credibilidade.

Lembre-se que, ao final do artigo, deve conter os seus dados e uma breve apresentação, para que o possível cliente te conheça e, se for o caso, entre em contato.

Use redes sociais

É possível ampliar sua carteira de clientes e tornar o seu trabalho conhecido por meio das redes sociais, tais como: Instagram, Facebook, LinkedIn, WhatsApp, Telegram e YouTube.

Você não precisa estar em todas as redes sociais, mas deve analisar qual delas possui maior relação com o seu público e com o seu objetivo. Para isso, você deve avaliar:

  • Quem é o seu público-alvo? Ou seja, os clientes que você quer prospectar são empresas ou pessoas físicas? Jovens ou idosos?
  • Qual a melhor linguagem para se comunicar com o seu público? Se você optar por usar o LinkedIn, por exemplo, estará se comunicando em grande medida com profissionais e empresas, o que vai demandar uma linguagem mais formal;
  • Qual tipo de conteúdo produzir? Esta é uma dúvida comum, mas para saná-la, basta pensar em qual dor do seu cliente você quer resolver. O foco deve sempre estar no seu prospecto, qual tipo de dúvida ele tem, qual problema jurídico você poderia resolver para ele?
  • Qual a frequência de postagens essa rede social demanda? O Instagram, por exemplo, é uma rede social que exige uma frequência maior de postagens para que o seu conteúdo alcance as pessoas. Isso deve ser analisado, para que escolha uma rede social compatível com sua disponibilidade.

Ainda está em dúvida sobre qual rede social usar? Segue abaixo as principais redes e suas particularidades.

A quem se destina?Ferramentas mais usadas
InstagramTodos os públicos
(maior número de usuários jovens)
Posts no feed
Stories
IGTV (vídeos mais longos)
FacebookTodos os públicosPublicações no feed
Stories
LinkedInProfissionais
Empresas
Publicação de artigos
Publicações no feed
YouTubeTodos os públicosVídeos
WhatsApp
Telegram
Todos os públicosMensagens
Vídeos e imagens nos Stories

Por meio das redes sociais, você pode adquirir reconhecimento e autoridade em sua área de atuação. Além disso, pode se conectar com outros profissionais da área por meio de parcerias, o que pode ser muito útil na prospecção de novos clientes.

Participe de plataformas online

Como já citamos, existem diversas plataformas que conectam profissionais jurídicos com clientes, como é o caso do Juris que, em parceria com o Dubbio, tornou isso possível.

Nessas ferramentas, além de produzir conteúdo, por meio de artigos, você pode prestar atendimento ao cidadão, tirando suas dúvidas, por exemplo. É uma forma de se conectar com potenciais clientes de forma direta.

Para realizar orientações jurídicas, basta se tornar um assinante do Juris, ser advogado ou advogada e com inscrição na OAB. É mais uma forma de você ser útil, por meio de sua advocacia, a quem realmente precisa. Utilizar de plataformas assim é um meio bem simples e direto de se alcançar um cliente.

Conclusão

Diante do cenário atual, não há outra alternativa se não colocar o seu negócio no mundo online. Este pode ser o meio mais útil para prospectar novos clientes, já que, como mostramos, existem várias ferramentas para isso.

Vale dizer que, as ferramentas demonstradas acima não possuem custos para serem operadas, além disso, você pode se comunicar com muitas pessoas ao mesmo tempo e sem limitação territorial, ou seja, você pode atingir pessoas do mundo todo com o seu conteúdo na internet.

Apesar das vantagens, o mundo digital ainda é muito novo para todos nós, principalmente para a área jurídica, que segue um caminho de tradicionalismo. É importante lembrar que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estipula restrições em relação ao exercício da advocacia no meio digital. Por isso, recomendamos que antes de adotar estratégias no mundo online, leia o nosso e-book sobre as regras de publicidade na OAB.

Sabemos que esse processo de mudança é difícil e por isso queremos te ajudar. O Juris produz uma série de conteúdos relacionados com a prospecção de clientes online, que pode ser acessado em nosso blog.

Desejamos boas vindas no mundo digital e conte conosco. 😉

Filho de vegana, carnívoro é…

Neste mês das mães temos que reconhecer que educar filhos é tarefa hercúlea. Mas imagino que provê-los também deve ser bem difícil. Uma preocupação latente em todo pai ou mãe que exercem a parentalidade com responsabilidade, é a de se o filho tem tudo o que precisa. Muitos deixam de comprar roupas e coisas para si para comprá-las para os filhos. O orçamento fica apertado, para que o filho possa frequentar uma boa escola. Deve mesmo ser um alívio quando o filho finalmente consegue pagar suas contas, comprar suas roupas e planejar suas viagens.

Mas mesmo os pais mais abastados sofrem com a tarefa de prover, não porque tem que escolher entre o dar ou não dar, o comprar ou não, o comprar para si ou para o filho, mas porque antes de prover e gastar há ainda uma pergunta a ser respondida: – O que dar? Com o que gastar? Pais querem dar o melhor para seus filhos, mas sequer sabem o que é o melhor.

Seria melhor obrigar o filho a comer brócolis, porque faz bem, ou melhor não obrigar para não o traumatizar, causando um terror vitalício daquele vegetal delicioso que está sendo rejeitado pelo simples fato de ser verde? Seria melhor dar uma mesada gorda para que nada lhe falte ou deixar o filho passar um apertinho em prol de uma boa educação financeira? Seria melhor não lhe deixar faltar nada, ou permitir certas necessidades, mostrando para o filho que sua condição é, na verdade, privilegiada e na esperança de incitar um comportamento mais caridoso no futuro?

Diante de perguntas tão desafiadoras, duas conclusões são certas. Pais certamente acabam revendo suas próprias condutas ao se perguntarem como devem fazer para prover os filhos. Pais, mesmo quando “erram”, o fazem tentando fazer o melhor.

São tantos os desafios que deve ser por isso que Deus fez com que apenas dois pudessem fazer outro. Nada de reprodução assexuada por mitose. Com a humanidade tem que ter diálogo. É preciso que dois diferentes se encontrem para fazer um terceiro diferente e único. Já que é para tomar decisões difíceis, que isso seja um trabalho em dupla, cada um contribuindo com sua visão, conhecimento e experiência, para que a probabilidade de acertar aumente. E não estou aqui a excluir qualquer forma de ter filhos, seja ela por adoção, barriga de aluguel, reprodução assistida, in vitro etc. Para o início da vida humana, será necessário que duas células diferentes se encontrem, seja lá de que modo for.

O Direito confirmou a sábia decisão divina e, conforme dispõe o Art. 1.634 do Código Civil, compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar. Contudo, quebrada a relação afetiva, o trabalho em dupla fica pesado.

Sabe quando na escola tinha um trabalho em grupo e todo mundo já escolheu o seu e você sobrou, tendo que fazer o trabalhinho com outro coleguinha que também sobrou, sem afinidade, sem vontade e com medo de que sobre tudo para você fazer sozinho? Pois é… Pais divorciados podem ser assim, ou pior. Consensos podem ser raros, porque não se quer chegar ao consenso, porque não se valida mais a opinião do outro, porque não há ambiente para o diálogo e, na pior das hipóteses, porque discordar pode ser a forma de chamar atenção ou de atingir o outro. Vira tudo uma bagunça e prover e educar, que já era difícil, encontram um obstáculo ainda maior.

Por isso, o(a) advogado(a), que atua com direito de família, tem que ter lencinhos de papel na sala de reunião e entender nuances emocionais e pessoais de cada caso. Por isso, também, o profissional precisa avaliar bem a solução mais adequada para casos de família analisando as opções judiciais e extrajudiciais de solucionar os conflitos e tomando cuidado para que o processo não seja usado para ferir as partes.

Um caso italiano ilustra bem o patamar a que as discussões entre um casal divorciado sobre o provimento do filho comum podem chegar. Ela, vegana, ele, convicto de que carne é necessária para a saudável alimentação do filho. O filho de 12 anos passava a semana com a mãe e o fim de semana com o pai. Assim, durante a semana qualquer produto animal era tabu. Carnes, ovos, mel, leite não faziam parte da alimentação do pré-adolescente, pois, para sua mãe, uma vida vegana é uma vida saudável. Aos finais de semana com o pai, o menino comia carne aos montes, pois o pai, preocupado com o seu desenvolvimento intelectual e físico, tentava suprir a falta de proteína nos dois dias que lhe restavam.

A mãe se incomodava com a festa da carne e dizia que o menino sofria com dores de estômago e rins sobrecarregados depois do final de semana com o pai. Para o pai, a dieta de carnes apenas aos sábados e domingos era muito pouco para um menino em fase de crescimento. Assim, sem conseguir chegar a um acordo sobre a alimentação do filho, o caso foi parar no judiciário de Bergamo e um juiz teve que decidir sobre o plano nutricional do menino.

Ora, se nem os pais concordaram sobre como alimentar o filho, imagina o Estado tendo que decidir sobre isso! Sábio foi o juiz Ezio Siniscalchi que chamou para ajudá-lo com a difícil interferência na vida da família uma nutricionista. A especialista deu seu parecer e declarou que para uma criança em fase de crescimento, uma dieta exclusivamente vegana não era balanceada. Certos nutrientes e vitaminas não estão suficientemente disponíveis na dieta vegana.

Com base no parecer da expert, o juiz decidiu que o menino deve comer carne três vezes por semana. O pai, pôde assim continuar a servir carne para o filho, mas com parcimônia, no máximo duas vezes. Já a mãe terá que servir carne para o filho pelo menos uma vez por semana. A mãe saiu bufando quando soube da sentença. Ela acha um “absurdo” o Estado dizer a ela como alimentar seu filho. Deu para perceber quão profundamente ferida ela estava quando reclamou que o juiz poderia, pelo menos, ter condenado o pai a preparar um peixinho para o filho uma vez por semana.

É… quem pode condená-la por achar absurda a interferência estatal na tarefa mais essencial da parentalidade, o provimento dos filhos… Ela, que sem o Estado o nutriu no ventre e o amamentou, agora vai ter que cozinhar uma carninha de vez em quando. Talvez, quando passar o calor da decisão, ela ficará mais calma e vendo seu filho crescer, não se importará mais com o rigor da dieta. Quem sabe o menino, daqui a alguns anos, quando puder decidir por si, também adirá ao veganismo. O pai deve ter saído feliz depois que uma nutricionista finalmente colocou no papel aquilo que ele deveria estar tentando dizer para sua ex há um tempão.

Vegano pra cá, carnívoro pra lá, salvar os bichinhos pra cá, comê-los pra lá… a dúvida que ficou na minha cabeça é apenas com relação ao menino. Será que alguém quis saber o que ele quer comer? Não que aquilo que ele diga vá fazer coisa julgada entre os pais, afinal, como dispõe o Art. 1.630 do Código Civil, os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. Era um menino de 12 anos que ainda precisa deles para ajudá-lo a saber o que é melhor para si, mas, não custava perguntar…


Deborah Alcici Salomão é Cronista | Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

A empresa pode reduzir salário?

A calamidade pública gerada pelo Covid-19 trouxe diversas implicações no mundo jurídico. A economia parou em razão da crise sanitária enfrentada pelo país, o que causou o descumprimento de diversos contratos, de toda natureza, principalmente os trabalhistas.

Isso aconteceu porque as empresas e estabelecimentos físicos tiveram que interromper suas atividades comerciais em razão da quarentena, medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde e Governo de Estados e Municípios.

Assim, se a empresa não está em atividade, ela não gera lucro, por isso, fica inviável cumprir com todos os seus compromissos financeiros, que vão desde o pagamento do aluguel de imóvel comercial até o salário dos empregados.

No momento atual, o que se evita a todo custo são as demissões de trabalhadores, pois está é a medida mais drástica a ser adotada pelas empresas. Apesar dos planos para recuperação dos empregos, estima-se que com o novo coronavírus, a taxa de desemprego pode alcançar 15,5%, que representa 16,5 milhões de desempregados, de acordo com a pesquisa realizada pelo GO Associados, a pedido da Revista Exame.

O cenário é assustador e, por isso, empresas e governos estão pensando nas melhores alternativas para minimizar os impactos diante da crise. Para tanto, o Governo Federal editou a Medida Provisória 936/2020, que oferece ao empregador a opção de reduzir a jornada de trabalho e o salário, além de suspender o contrato de trabalho.

Para saber mais sobre essa Medida Provisória, o Juris produziu o artigo MP 936: entenda a medida para preservar o emprego e a renda. Acesse e se informe.

Sobre a redução de salário e jornada, a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 503, já previa essa possibilidade, desde que a redução fosse de até 25% do salário.

A redução salarial é objeto de controvérsia, pois há dúvida se é um procedimento legal ou não, seja na hipótese de aplicação do artigo 503 da CLT, seja nos casos previstos na MP 936/2020.

No que se refere à disposição celetista, o artigo 503 estabelece que:

Art. 503 – É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.

A redução salarial é legal se for até 25% nos casos de força maior. Cabe esclarecer que força maior é o evento natural ou humano, que pode até ser previsível, mas não pode ser evitado. Como exemplo, em se tratando de evento natural, pode-se citar os fenômenos da natureza, como tempestades e, como evento humano, as greves.

A epidemia gerada pelo Covid-19 pode ser considerada como força maior, mas essa interpretação caberá aos julgadores. A dúvida sobre a aplicação ou não desse dispositivo legal se encontra no fato de que existe norma constitucional que determina a irredutibilidade salarial, ou seja, dispõe em sentido contrário ao artigo 503 da CLT.

Por irredutibilidade salarial entende-se que é o princípio constitucional decorrente do artigo 7º, VI, que prevê que o salário não pode ser reduzido, pois é verba de natureza alimentar, ou seja, os trabalhadores precisam do salário para manter sua subsistência como alimentação, moradia, saúde etc.

Alguns doutrinadores entendem que o artigo 503 da CLT é incompatível com a Constituição Federal (CF). Isso porque, a CLT é datada de 1943 e a CF de 1988, assim, após a promulgação da Constituição, o artigo celetista não foi recepcionado pela norma constitucional, já que possuem interpretações em sentidos diversos.

Dessa forma, para essa parte da doutrina, se o artigo 503 da CLT não foi recepcionado pela CF/88, o salário é parcela irredutível e, em caráter excepcional, a redução poderá ocorrer mediante negociação coletiva, seja por meio de Acordo Coletivo (ocorre entre Sindicato dos empregados e empresa) ou Convenção Coletiva (ocorre entre Sindicato dos empregados e Sindicatos das empresas).

Em se tratando das medidas trabalhistas previstas na MP 936/2020, foi autorizada a redução salarial, sem a presença do Sindicato, e por meio de contrato individual e escrito nos seguintes casos:

  • Redução no percentual de 25%;
  • Redução nos percentuais de 50% e 70%, se o empregado receber até três salários mínimos (R$3.135,00) mensais ou se o empregado tiver curso superior completo e receba salario igual ou superior a duas vezes o teto da Previdência (R$12.202.12).

Diante da previsão celetista e da MP 936/2020, pode-se observar que há violação ao princípio da irredutibilidade salarial, disposto no artigo 7º, VI da CF/88, pois autorizam a redução salarial sema a negociação coletiva.

Tanto é que, quanto à MP 936/2020, a controvérsia foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Superior Tribunal Federal (STF), por meio da ADI 6363, que teve como objeto o pedido para que a redução salarial ocorresse por meio de negociação coletiva, conforme preconiza o dispositivo constitucional.

No dia 17 de abril de 2020, o STF decidiu por manter a constitucionalidade da MP 936/2020, no sentido de que o acordo para redução salarial pode ser feito sem a participação do Sindicato, considerando o momento excepcional que a sociedade vivencia com o novo coronavírus.

Saiba os interesses de seus clientes

Diante de situações práticas sobre o tema, deverá ser analisado quais os interesses do cliente, a fim de encontrar os melhores argumentos, seja a favor ou contra a redução salarial.

Caso seu cliente seja o trabalhador, a tese adotada é no sentido de que a redução salarial é inconstitucional, pois viola diretamente o artigo 7º, VI da CF/88, por isso, o trabalhador pode pedir a nulidade da redução salarial.

Além disso, poe existir pedido de nulidade caso da redução não tenha sido feita por meio de negociação com o Sindicato, pois, aunda que se considere, excepcionalmente, a possibilidade em reduzir o salário, o dispositivo constitucional já mencionado e o artigo 503 da CLT, determinam expressamente que tal redução ocorra com a participação sindical.

No entanto, se o seu cliente é a empresa que realizou a redução salarial, o argumento de defesa é no sentido de que o país está vivenciando uma situação de calamidade pública, reconhecida por meio do Decreto Legislativo nº 6 de 2020, fato que enseja adoção de medidas excepcionais quanto aos direitos trabalhistas.

Assim, em um caso de pandemia, como esta que estamos vivenciando, as regras podem ser flexibilizadas para permitir a redução salarial sem a participação do Sindicato, apenas por acordo individual com o trabalhador.

Tal medida é permitida, segundo a visão do empregador, para preservar os empregos e a atividade econômica empresarial, pois, caso não ocorra a redução salarial é possível que haja um aumento nas demissões e extinção da empresa, diante de sua impossibilidade de arcar com os custos para manter os empregados.

Nesse caso, a redução salarial também atende à preservação do emprego, já que será garantido ao trabalhador a preservação no emprego, conforme artigo 10 da MP 936/2020. Assim, durante o período de redução salarial e após o término deste, e por período equivalente ao que houve redução, o trabalhador não poderá ser dispensado do emprego.

Por exemplo, se o trabalhador teve redução de salário e jornada por 30 dias, isso significa que durante o período de redução não poderá ser dispensado. Esta garantia se estende aos 30 dias subsequentes ao período em que houve redução, o que garante ao trabalhador a garantia de emprego por 60 dias.

Como se observa, a questão é polêmica e muito recente. Por isso, não se pretende apontar a solução para o caso, mas tão somente gerar reflexão e ajudar os advogados(as) que irão de deparar com essas demandas a partir de agora.

Se você quiser saber mais sobre o assunto, continue acompanhando os nossos conteúdos, pois disponibilizaremos as novidades sobre o tema.