Quando a tia Julia virou Julia Pink

Chegou o mês das crianças e o caso aqui contado, apesar de ter como protagonista uma professora de ensino infantil, não é recomendado para menores. Mas é muito recomendado para os amantes do direito trabalhista, que ficam convidados a dar seu parecer sobre o caso nos comentários abaixo.

Você já conheceu aquele cara meiguinho que gostava de rock progressivo? Ou a dona da padaria que não come doces? O médico que fuma? Já conheceu um baixinho que ama basquete? Uma professora de maternal que é atriz pornô? É, tá bom, nesta última eu peguei pesado, né? Mas você entendeu… às vezes a gente conhece umas pessoas controversas, ou diferenciadas, pessoas surpreendentes! A gente pensa: -Dá de tudo neste mundo! A gente fica se perguntando como é que a pessoa chegou nesta atividade ou quando foi que o incompatível se tornou normal. Com sorte e intimidade a gente consegue uma resposta numa boa prosa e acha interessantíssimos os rumos que a vida pode tomar.

Difícil é quando esta aparente incompatibilidade não é só aparente, mas só a pessoa é que não sabia, ou não queria ver, que não dá para conciliar o inconciliável. Em Augsburg isso aconteceu. Uma professora de jardim de infância tinha uma maneira muito peculiar de complementar sua renda. De dia ela agradava as crianças, de noite, os adultos. Por um tempo ela conseguiu manter suas atividades “extracurriculares” em segredo, até que, Julia Pink e seus vídeos pornô na internet caíram na boca do povo e ninguém mais via a mulher de 38 anos como a tia Julia, a não ser, é claro, as crianças. 

Não bastasse a incompatibilidade de suas atividades por sua simples natureza, o jardim de infância onde trabalhava de carteira assinada pertencia a uma igreja evangélica. Assim que soube da fofoca, a igreja dispensou a educadora por justa causa! Tia Júlia não se conformou, afinal, as crianças não sabiam de Julia Pink e uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Julia recorreu à Justiça do Trabalho, pedindo ao juiz que reconhecesse que não havia motivo para sua dispensa, já que sempre foi educadora zelosa e o que ela faz em seu tempo livre não é da conta do empregador. Júlia trabalhou na escolinha por mais de 15 anos! Não podia acreditar que agora, em razão de seus vídeos, seria afastada do trabalho. Já a igreja alegou que as “atividades” da professora não eram compatíveis com as diretrizes da igreja ou da atividade pedagógica que ela exercia.

Analisando a nossa CLT, o advogado do Kindergarten poderia argumentar que o comportamento configura incontinência de conduta ou mau procedimento, presente no art. 482, alínea b; ou até mesmo ato de indisciplina ou de insubordinação, descrito na alínea h.  Mas é na alínea k que o advogado teria mais chances de sucesso. Afinal, constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador a prática de ato lesivo da honra ou da boa fama praticadas contra o empregador.

Em primeira instância a dispensa da funcionária foi confirmada. Segundo o juiz, as atividades pornográficas estavam em contradição com a ética sexual da igreja e, assim, a reclamante cometeu uma violação à obrigação de lealdade, o que justificava uma rescisão do contrato de trabalho. Tia Julia não recuou com a sentença desfavorável. Ela levou seu caso para o tribunal de apelação de Munique. Lá seus argumentos tampouco tiveram sucesso… O tribunal considerou que o comportamento privado da mulher representava uma má conduta moral grave, que contradiz os valores da igreja protestante no contexto de sua ética social. Confirmou, portanto, a sentença, permitindo a dispensa por justa causa.

Julia foi afastada do jardim e teve que abdicar de ser a tia Julia. Ela não quis escolher antes, queria ser as duas, mas seu empregador e o judiciário escolheram por ela. Dificilmente outro jardim de infância cogitará empregar a tia Julia. A internet pode ser um lugar inóspito e esquecimento é difícil de alcançar. Basta que um vídeo tenha sido baixado, para que tia Julia nunca mais se livre de Julia Pink. 

Tenho até a curiosidade de saber se ela preferia a tia Julia ou a Julia Pink, qual lhe era mais cara? Se soubesse do desfecho da história, será que teria começado com os filmes para a internet mesmo assim? Quando será que Julia deixou de internalizar os valores da igreja para valorizar o dinheiro da Julia Pink? Será que era por dinheiro?  Qual delas será que Julia teria escolhido? Provavelmente a que lhe foi tirada, não dizem por aí que temos mais apreço por aquilo que perdemos?

Deborah Alcici Salomão é Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

Reforma da Previdência: Contribuições dos Servidores e dos Segurados

A Previdência Social teve alterações em decorrência da publicação da Emenda Constitucional n. 103 em 13 de novembro de 2019, alcançando as contribuições previdenciárias e suas alíquotas. 

As mudanças proporcionadas pela EC 103/2019 não interferiram, inicialmente, nas regras para os servidores públicos estaduais e municipais, segurados do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).

No entanto, mudaram as regras dos benefícios para os servidores públicos federais e para os beneficiários do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

Foram determinadas, ainda, regras próprias para os Policiais Militares, Bombeiros, trabalhadores rurais e professores.

A Constituição Federal dispõe no artigo 40 sobre a natureza do RPPS, que é contributiva e solidária, como se lê:

O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Entretanto, o §21 do referido artigo foi revogado, ele discorria sobre a incidência da contribuição previdenciária sobre as aposentadorias e pensões decorrentes de doenças incapacitantes.

A competência para criação de contribuições sociais está prevista na CF, no artigo 149, onde consta:

Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Já os parágrafos 1º, A, B e C do dispositivo mencionado, todos incluídos pela EC 103/2019, tratam da competência para criação das contribuições que mantém o RPPS e dispõem:

  • 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.
  • 1º-A. Quando houver deficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo.
  • 1º-B. Demonstrada a insuficiência da medida prevista no § 1º-A para equacionar o deficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas.
  • 1º-C. A contribuição extraordinária de que trata o § 1º-B deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas para equacionamento do deficit e vigorará por período determinado, contado da data de sua instituição.

Da análise se extrai a possibilidade de instituição de alíquotas progressivas, desde que por lei. Ainda, restou estabelecido que possam incidir contribuições ordinárias sobre aposentadorias e pensões acima do salário-mínimo em caso de déficit. 

E, em não sendo suficiente a contribuição ordinária, ficou destacado que poderá ser instituída contribuição extraordinária.

Na mesma linha, dispõe o artigo 9º, §4º, da EC 103 que:

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão estabelecer alíquota inferior à da contribuição dos servidores da União, exceto se demonstrado que o respectivo regime próprio de previdência social não possui deficit atuarial a ser equacionado, hipótese em que a alíquota não poderá ser inferior às alíquotas aplicáveis ao Regime Geral de Previdência Social.

Em que pese a leitura do artigo demonstre, inicialmente, a impossibilidade de a alíquota dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios ser inferior à atribuída aos servidores da União, consta a exceção, que, de todo modo, aponta que a alíquota não poderá ser inferior àquelas do RGPS.

A alíquota do RPPS está disposta no artigo 11 da EC, que expõe que “Até que entre em vigor lei que altere a alíquota da contribuição previdenciária de que tratam os arts. 4º, 5º e 6º da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, esta será de 14 (quatorze por cento)”.

Essa alíquota, na forma do §1º, é reduzida ou aumentada a depender do valor de contribuição ou do benefício, de acordo com os parâmetros dispostos nos incisos I a VIII do mesmo parágrafo.

No inciso I consta a redução de 6,5% para o segurado que recebe até 1 salário-mínimo, resultando na alíquota de 7,5%.

Para os demais incisos foi publicada a Portaria n. 2.963, de 3 de Fevereiro de 2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, que determina as reduções nos incisos II a IV, conforme segue:

II – acima de 1 (um) salário-mínimo até R$ 2.089,60 (dois mil, oitenta e nove reais e sessenta centavos), redução de cinco pontos percentuais;

III – de R$ 2.089,61 (dois mil, oitenta e nove reais e sessenta e um centavos) até R$ 3.134,40 (três mil, cento e trinta e quatro reais e quarenta centavos), redução de dois pontos percentuais;

IV – de R$ 3.134,41 (três mil, cento e trinta e quatro reais e quarenta e um centavos) até R$ 6.101,06 (seis mil, cento e um reais e seis centavos), sem redução ou acréscimo;

As alíquotas majoradas estão determinadas pela mesma Portaria nos incisos V a VII, que dispõem:

V – de R$ 6.101,07 (seis mil, cento e um reais e sete centavos) até R$ 10.448,00 (dez mil, quatrocentos e quarenta e oito reais), acréscimo de meio ponto percentual;

VI – de R$ 10.448,01 (dez mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e um centavo) até R$ 20.896,00 (vinte mil, oitocentos e noventa e seis reais), acréscimo de dois inteiros e cinco décimos pontos percentuais;

VII – de R$ 20.896,01 (vinte mil, oitocentos e noventa e seis reais e um centavo) até R$ 40.747,20 (quarenta mil, setecentos e quarenta e sete reais e vinte centavos), acréscimo de cinco pontos percentuais; e

VIII – acima de R$ 40.747,20 (quarenta mil, setecentos e quarenta e sete reais e vinte centavos), acréscimo de oito pontos percentuais.

A Portaria entrou em vigor em 04 de fevereiro de 2020 e produz efeitos desde 1º de março de 2020.

Este artigo é de autoria de Elen Moreira e realizado em parceria com o Instituto Direito Real. Elen é advogada especialista em Direito Público. Conciliadora e colaboradora do CEJUSC/TJSC. Representante da OAB/SC – 23ª Subseção no Conselho Municipal de Saúde e Membro da Comissão de Políticas de Combate às Drogas.

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Como ter sucesso atuando com serviços extrajudiciais?

A advocacia extrajudicial vem sendo cada vez mais visada diante do abarrotamento do judiciário aliado ao cenário de pandemia que deixou muitas demandas suspensas ao longo do ano.

Pensar em meios alternativos de solução de conflitos e, também, de prevenção, é pensar em celeridade e eficiência.

Mas, afinal, como ter sucesso nessa área? Quer saber a resposta desta pergunta? Assista o vídeo abaixo!

Este vídeo foi produzido pela Advogada e Embaixadora do Juris no Rio Grande do Sul, Joana Guedes. Conheça mais sobre o trabalho da Joana clicando aqui.

 

Quais modelos de contratos são mais utilizados pelos correspondentes?

Você sabe quais modelos de contratos são mais utilizados pelos correspondentes?

A razão pela qual o contrato é importante é que o contrato é uma forma de especificar as obrigações e responsabilidades de cada parte na transação, ou seja, estipula as obrigações, valores e formas de pagamento de cada parte, ou seja, as multas e penalidades impostas a cada parte.

Na teoria, deve-se formalizar através de contratos todas as contratações, mas será que na prática é assim também?

Confira e saiba mais sobre os modelos de contratos assistindo o vídeo abaixo!

Vale lembrar que dentro da plataforma do Juris você encontra um Banco de Petições e Documentos, que são preparados especialmente para você!

Para ficar ainda mais dinâmico, incluímos a aba “petições e documentos” no menu Conteúdos em sua conta, com todos os modelos de contratos e outros documentos prontos para baixar.

Este vídeo foi produzido por nossa embaixadora do Rio de Janeiro, Diana Ramscheid.

Compliance na Administração Pública

A palavra Compliance surgiu nos EUA para prevenir delitos econômicos e empresariais, por intermédio de corregulação empresarial. O termo significa estar em conformidade com as leis, ou seja, agir de acordo com as regras internas e externas da instituição. No âmbito da Administração Pública busca-se incentivar a cultura de integridade para conduzir os agentes públicos ao cumprimento das normas e evitar a prática de atos de corrupção. 

Este artigo objetiva discorrer sobre o compliance na Administração Pública, dando ênfase aos Programas de Integridade e aos seus benefícios benefícios.  

Compliance

O compliance começou a ser utilizado no Brasil na década de 1990. Em 1998 foi publicada a Lei nº 9.613, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens e de valores. Em 2000 foi publicada a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101 de 2000, que estabelece normas para a gestão adequada dos recursos públicos, que também contribuem para inibir os casos de corrupção. 

Contudo, cabe indicar que a discussão sobre compliance ganhou destaque com a Lei nº 12.846 de 2013 denominada de Lei Anticorrupção, que foi regulamentada pelo Decreto nº 8.420 de 2015. A Lei e o Decreto citados tratam da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção e de fraude contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. 

O artigo 7º, Inciso VIII, da Lei Anticorrupção propicia a atenuação de sanções caso a pessoa jurídica envolvida tenha na sua organização mecanismos e procedimentos internos de integridade, de auditoria, de incentivo à denúncia de irregularidades, de aplicação de códigos de ética e de conduta.

Conforme indicado por Odete Medauar (2018) o Estatuto Jurídico das Empresas Estatais – Lei nº 13.303 de 2016 prevê a inclusão, nas respectivas estruturas, de programas de compliance, para a verificação do cumprimento das obrigações e a gestão de riscos – artigo 9º, inciso  II. 

A Lei nº 13.848 de 2019 conhecida como a Nova Lei das Agências Reguladoras trata da gestão, da organização, do processo decisório e do controle social em tais agências. A referida Lei trouxe diversas inovações, entre elas, a imposição de regras de compliance e de governança, mais precisamente, no artigo 3º, § 3º. Destaca-se que os métodos de compliance têm sido utilizados como forma de prevenção. 

Política de Governança e Programa de Integridade

O Decreto nº 9.203 de 22 de novembro de 2017 trata da política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. De acordo com o artigo 3º, do decreto indicado são princípios da governança pública a capacidade de resposta, a integridade, a confiabilidade, a melhoria regulatória, a prestação de contas e responsabilidade, bem como, a transparência.

A transparência é fundamental para assegurar que as partes interessadas tenham confiança no processo decisório e nas ações das agências públicas no desempenho de suas atividades. A integridade envolve negociação direta e confiável, baseada na honestidade e na objetividade, protegida por padrões de probidade na aplicação dos recursos públicos. A responsabilidade ou accountability se refere ao processo por intermédio de agências públicas e os agentes são chamados à responsabilidade por suas ações e decisões (VIEIRA; BARRETO, 2019). 

De acordo com a Recomendação do Conselho da OCDE sobre a Integridade Pública, a “integridade pública refere-se ao alinhamento consistente e à adesão de valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público.”

Com relação ao Programa de Integridade, pode-se dizer que se trata de um conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a prevenção, a detecção, punição e remediação de fraudes e atos de corrupção (CGU, 2017). 

Os quatro eixos do Programa de Integridade são: o comprometimento e apoio da alta direção, instância responsável pelo Plano de Integridade, a Análise de Risco e Plano de Integridade. O comprometimento e apoio da alta direção do órgão público refere-se às lideranças, que ocupam uma posição de destaque e inspiram a atuação dos subordinados. Além disso, tais lideranças são encarregadas de aprovar e de supervisionar as políticas de integridade. 

Com relação à instância responsável pelo Plano de Integridade, cabe indicar que ficará encarregada de acompanhar, monitorar e gerir as ações e as medidas de integridade a serem implementadas. 

No que se refere à análise de riscos, pode-se dizer que o programa deve ser guiado a analisar e avaliar os riscos aos quais as instituições estão submetidas. Com base na CGU (2017), os riscos de integridade são definidos como a “vulnerabilidade institucional que pode favorecer ou facilitar práticas de corrupção, fraudes, conflitos de interesse, etc.” 

O Plano de Integridade objetiva formalizar as principais informações e atividades propostas para implementar o Programa de Integridade. No respectivo Plano de Integridade devem estar presentes os riscos de integridade mais relevantes da organização, as políticas de monitoramento e os responsáveis por executar tais propostas e metas. 

Benefícios do Programa de Integridade 

O compliance tem a função de nortear a atuação e a conduta dos indivíduos da organização, que devem respeitar o código de conduta, as diretrizes da organização e as normas externas. Assim, entre os benefícios do Programa de Integridade cabe indicar a diminuição da possibilidade de cometimento de atos ilícitos – conflitos de interesse, lavagem de dinheiro e fraudes -, bem como o fortalecimento da imagem e da reputação da organização. 

Da mesma forma, com relação às empresas que pretendem contratar com o Poder Público, cabe informar que a instituição de Programas de Integridade é obrigatória para o Distrito Federal e para o estado do Rio de Janeiro. A exigência indicada engloba a celebração de contrato administrativo, consórcio, convênio, contrato de concessão ou parceria público-privada com a administração pública direta ou indireta. 

Diante do exposto, percebe-se que têm sido cada vez mais incentivados e, inclusive, tidos como obrigatórios os programas de compliance e de integridade nas organizações. Tais programas atuam na prevenção e no enfrentamento da corrupção. Pode-se dizer que o combate à corrupção interessa aos cidadãos, à Administração Pública, às empresas, já que a corrupção afasta investimentos, aumenta a concentração de renda e compromete o desenvolvimento social. 

Este artigo é de autoria de Thaís Netto e realizado em parceria com o Instituto Direito Real. Thaís é professora, advogada, mestra em Direito e Inovação – UFJF, especialista em Direito Público e graduada em Administração Pública.

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Referências:

GIAMUNDO NETO, Giuseppe.; DOURADO, Guilherme Afonso.; MIGUEL, Luiz Felipe Hadlich. Compliance na Administração Pública. In: CARVALHO, André Castro. Manual de Compliance. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

Manual de Programas de Integridade. Orientações para o setor público. CGU. Brasília, julho de 2017. 

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 

Recomendação do Conselho da OCDE sobre Integridade Pública. OCDE

VIEIRA, James Batista.; BARRETO, Rodrigo Tavares de Souza. Governança, gestão de riscos e integridade. Brasília: Enap, 2019. 

O grupo econômico na execução trabalhista

A definição de grupo econômico é dada pelo art. 2º, da CLT, com a redação modificada pela Lei n. 13.467/17, conhecida como “Reforma Trabalhista”. O seu parágrafo segundo, estabelece que haverá grupo econômico “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico.

Na prática, essa definição deixa claro que mesmo as pessoas jurídicas, tendo cada uma seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), podem compor um mesmo grupo econômico, isto é, serem “responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

A nova definição legal deixa claro que não é necessário que haja uma relação de hierarquia entre as pessoas jurídicas para que se caracterize o grupo econômico. Na hipótese de serem autônomas, poderão fazer parte desse mesmo grupo se atuarem de forma coordenada, em comunhão de interesses. Por exemplo, uma pessoa jurídica é uma construtora e a outra é uma empresa de locação de equipamentos para a construção civil, prestando serviços para ela. Além disso, vamos imaginar a hipótese de que o departamento pessoal (DP) da construtora faz às vezes do DP da empresa de locação de equipamentos. Neste cenário, está claro que, mesmo havendo autonomia entre elas, há uma comunhão de interesses, uma atuação coordenada, que pode implicar na caracterização de grupo econômico.

Para que não pairem dúvidas sobre o atual entendimento quanto ao assunto, vale transcrever a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que antes da modificação realizada pela Lei n. 13.467/17 era necessária a existência de relação hierárquica entre as empresas, com a efetiva direção, controle ou administração de uma delas sobre a outra, o que não é mais exigido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR A LEI 13.467/2017. CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Insurge-se a reclamada contra a responsabilidade solidária diante da caracterização do grupo econômico entre as reclamadas. No caso em tela, extrai-se dos autos que o contrato de trabalho foi de 8/4/2016 a 4/3/2019. A controvérsia gira acerca de questão inédita da legislação trabalhista, pois envolve o artigo 2º, §§ 2º e 3º, da CLT, alterado pela Lei 13.467/2017. Assim, verifica-se que o debate detém transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT. Transcendência jurídica reconhecida. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR A LEI 13.467/2017. CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ARTIGO 2º, §§ 2º E 3º, DA CLT . Insurge-se a recorrente contra a decisão que manteve a responsabilidade solidária diante da caracterização do grupo econômico entre as rés. No caso em tela, extrai-se dos autos que o contrato de trabalho foi de 8/4/2016 a 4/3/2019. No texto anterior à Lei n. 13.467/2017, o art. 2º, § 2º da CLT fazia alusão apenas à forma piramidal de grupo econômico, na qual uma empresa-mãe ou holding estaria sempre a comandar a gestão das demais empresas consorciadas. E é fato que, nesse contexto, a SBDI I claramente sinalizou sua compreensão de exigir-se, para o grupo empresarial do setor urbano, a exigência de sociedade controladora – por todos. Porém, e em clara inflexão, a nova redação do art. 2º, § 2º da CLT adota a solidariedade passiva também “quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, (as sociedades empresárias) integrem grupo econômico”. Logo, a lei está finalmente a explicitar que também as sociedades empresárias em regime de coordenação, sem hierarquia entre elas, formam grupo econômico e são solidariamente responsáveis pelas obrigações trabalhistas contraídas por qualquer delas. O Direito do Trabalho, nesse ponto, deve haurir a experiência jurídica acumulada em outras regiões do Direito onde a concepção de grupo econômico, ou grupo societário, ganha igual relevo. Inclusive porque a controvérsia jurídica não se esgota na mera dicotomia entre grupos hierarquizados e grupos por coordenação , tema único enfrentado pela SBDI I quando fixou, sob a regência do preceito contido no art. 2º, §2º da CLT até antes da Lei n. 13.467/2017, que a solidariedade ali prevista pressupunha a “demonstração da existência de comando hierárquico de uma empresa sobre as demais”. É certo que a Lei nº. 13.467/2017 acresceu ao art. 2º da CLT o § 3º, a enunciar que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”. Se decompomos o preceito, vamos compreender, inicialmente, que o só fato de haver sócios coincidentes entre duas ou mais sociedades não configura a existência de grupo econômico, o que se revela ponderável. Os demais elementos mencionados no novo art. 2º. §3º da CLT (interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas) estão em harmonia com a necessidade de apurar-se a existência de direção econômica unitária. O Regional, tanto no tocante ao período anterior à Lei n. 13.467/2017 quanto ao período por esta regido, reporta-se a outros vários aspectos que remetem à percepção in casu de “influência significativa” entre as empresas que formam grupo societário com a agravante, noutras vezes, à existência evidente de interlocking (administração comum), tudo a revelar que, desde o início da relação laboral, tal grupo econômico já existia, dado que outras formas de controle, diferentes da preeminência formal de empresa holding, foram adotadas para que as empresas se unissem. Por fim, o e. TRT remete a forte conjunto probatório que evidencia a existência de grupo empresarial e lhe assiste razão quando, conjecturando sobre hipótese de prova insuficiente, atribui à sociedade acionada a aptidão e o ônus de provar que, não obstante a presença de indícios na direção de revelar empresas agrupadas, esse agrupamento em rigor não existiria. Agravo de instrumento não provido” (AIRR-174-15.2019.5.14.0006, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 21/08/2020).

A situação exemplificada acima, envolvendo uma construtora e uma empresa de locação de equipamentos poderia não caracterizar grupo econômico antes da modificação legislativa implementada pela Lei n. 13.467/17. Isto porque não se extrai do exemplo qualquer relação hierárquica entre as empresas, requisito que era exigido pelo TST para configuração do grupo econômico:

AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA RECLAMADA AMADEUS BRASIL LTDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. RELAÇÃO DE SIMPLES COORDENAÇÃO ENTRE AS EMPRESAS. PROVIMENTO. Ante possível violação do artigo2º, § 2º, da CLT, o destrancamento do recurso de revista é medida que se impõe. Agravo de instrumento a que se dá provimento. B) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA AMADEUS BRASIL LTDA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. RELAÇÃO DE SIMPLES COORDENAÇÃO ENTRE AS EMPRESAS. PROVIMENTO. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a caracterização do grupo econômico depende da existência de relação hierárquica entre as empresas, e não apenas de coordenação. Na hipótese , o egrégio Tribunal Regional reconheceu a existência de grupo econômico unicamente pelo fato das mencionadas empresas serem sócias e pela existência de coordenação entre elas. Esse entendimento, contudo, contraria o posicionamento desta colenda Corte Superior sobre a matéria, que exige a existência de controle e fiscalização de uma empresa líder para a configuração do grupo econômico, circunstância não observada na espécie. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. […]” (RR-87000-79.2009.5.02.0054, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 09/08/2019).”RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA EXECUTADA AMADEUS BRASIL LTDA. EXECUÇÃO. 1. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. RECURSO ADMITIDO PARCIALMENTE. MATÉRIA NÃO IMPUGNADA POR MEIO DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. […]. 2. GRUPO ECONÔMICO. A controvérsia dos autos se refere a período anterior à alteração do § 2° do art. 2° consolidado dada pela Lei n° 13.467/2017. E, nos moldes elencados pelo art. 2°, § 2°, da CLT, em vigência por ocasião da ocorrência dos fatos correlatos aos presentes autos e do ajuizamento da presente reclamatória trabalhista, a caracterização do grupo econômico depende de que uma empresa esteja sob direção, controle ou administração de outra. Nesse contexto, a mera existência de sócios comuns e de relação de coordenação entre as empresas não tem o condão de resultar na responsabilização solidária da recorrente, porquanto se faz necessária a configuração de hierarquia entre as empresas para a caracterização do grupo econômico, hipótese não verificada nos presentes autos. Ocorre que, das premissas fáticas lançadas pelo Tribunal a quo , verifica-se que não havia direção, administração ou controle de sócio comum ou de uma empresa sobre a outra, não havendo provas da configuração de grupo econômico, mormente diante da inexistência de atos gerenciais de uma empresa sobre outra . Recurso de revista conhecido e provido” (RR-68200-34.2008.5.02.0055, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 28/06/2019).

A inserção do parágrafo 3º, no art. 2º, da CLT, promovida pela Lei n. 13.467/17, poderia deixar algumas dúvidas quanto à caracterização do grupo econômico. O citado dispositivo legal informa que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

Todavia, este acréscimo legislativo somado à mudança de redação do parágrafo 2º, do art. 2º, da CLT, conduziram à interpretação já explicada, no sentido de que é possível o reconhecimento do grupo econômico mesmo quando não há identidade de sócios, mas desde que demonstrada a coordenação entre as pessoas jurídicas, a comunhão de interesses.

Uma vez estabelecidas as premissas para a caracterização de um grupo econômico, deve-se analisar, agora, suas consequências jurídicas e como isso ocorre no dia a dia de uma reclamação trabalhista em curso na Justiça do Trabalho.

Caracterizado o grupo econômico, as pessoas jurídicas que dele fazem parte responderão, solidariamente, pelas dívidas da empregadora. Assim, o trabalhador que busca o recebimento do seu crédito na Justiça do Trabalho pode pleitear o recebimento de qualquer delas.

Todavia, uma pergunta ainda persiste. Quando o trabalhador pode requerer a caracterização do grupo econômico?

A primeira forma é desde a fase de conhecimento da reclamação trabalhista, ou seja, na petição inicial já são incluídas no polo passivo todas as pessoas jurídicas, requerendo-se a condenação solidária de todas elas.

Entretanto, é muito comum que o processo judicial trâmite somente contra a empregadora. Neste caso, uma vez ocorrido o trânsito em julgado e não encontrando bens ou valores no patrimônio da devedora, é possível, em sede de execução, requerer a caracterização do grupo econômico.

Para tanto, nesta fase do processo judicial, o credor terá que demonstrar a presença dos requisitos legais previstos no art. 2º, da CLT, o que se dará, essencialmente, por meio de documentos.

Uma vez demonstrados estes fatos, o juiz irá proferir sua decisão, declarando sua existência ou não. Caso decida pela existência de grupo econômico, haverá a inclusão desta pessoa jurídica no polo passivo da execução. Na sequência, ela será intimada para efetuar o pagamento do valor devido, em 48 horas, nos termos do art. 880, da CLT. Garantido o juízo com o depósito da quantia devida à disposição da Vara do Trabalho ou apresentação de bens para serem penhorados, iniciará o prazo para esta pessoa jurídica interpor Embargos à Execução questionando a caracterização do grupo econômico, o que pode ser feito, também pela devedora originária, isto é, pela pessoa jurídica que figurou no polo passivo da demanda desde o seu início.

Proferida a decisão pela primeira instância, nesta fase de execução, será cabível a interposição de Agravo de Petição a ser julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Frisa-se que este Agravo poderá ser apresentado pelo trabalhador na hipótese de a Vara do Trabalho entender que não estão presentes os requisitos para a configuração do grupo econômico.

Por fim, uma vez publicado o acórdão pelo TRT, poderá a parte interessada interpor Recurso de Revista para o TST, a fim de que a instância máxima do ramo trabalhista do Poder Judiciário defina se há ou não formação de grupo econômico no caso concreto.

A situação pode ficar ainda mais complexa quando a pessoa jurídica, que é a devedora do trabalhador (ex-empregadora, por exemplo), está em Recuperação Judicial. Nesta situação é possível o requerimento da configuração do grupo econômico? Tendo em vista o juízo universal da Recuperação Judicial, tem a Justiça do Trabalho competência para analisar eventual pleito de reconhecimento de grupo econômico?

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Este artigo foi realizado em parceria com Júlio Baía, que é advogado, professor, mestre em Direito do Trabalho e idealizador do projeto Descomplicando o Direito do Trabalho, que fornece conhecimentos práticos para estudantes e profissionais na aplicação correta na área.

O Doutor Bundão

Quem faz um doutorado o leva a sério. Oh coisinha difícil que é escrever a tese, passar anos a fio com aquele problema na cabeça, sendo criativo, lendo, escrevendo, descartando, lendo, escrevendo, achando lindo, lendo, tentando escrever e não conseguindo. Que saga. Mas no Brasil, com ou sem doutorado, o médico e o advogado são chamados de doutores. Resquício do Brasil colônia e até de um decreto de Dom Pedro de 1827. 

Já na Alemanha a coisa é diferente. Doutor mesmo só quem concluiu o doutorado. O médico é Artzt, o advogado é Rechtswanwalt e o doutor… é doutor, ué, seja lá em que for que ele se graduou. O título é tão importante que vai parar até na identidade. Com o diploma na mão e o direito de usar o título, o cidadão se dirige ao órgão emissor do Personalausweis e coloca as letrinhas Dr. antes de seu nome no documento de identificação. O respeito aumenta. Onde quer que um doutor vá, ele será tratado por seu título. 

Um interessante caso de Munique ilustra bem o respeito que se deve aos doutores alemães. As partes? Um locador, doutor em sei lá o que, e um casal de locatários desprovidos de títulos acadêmicos. Em maio de 2014, o casal ligou para o doutor entre 6 e 6:30 da manhã para reclamar que a temperatura da água do banheiro, que deveria chegar aos 40 graus Celsius, havia alcançado apenas 35 graus.

Às 9:15 houve o fatídico encontro. Na área comum do edifício estava o locador que pediu permissão para entrar no apartamento e averiguar a temperatura da água. O casal não quis deixá-lo entrar, alegaram que no prédio inteiro a água estava abaixo da temperatura ideal e, por isso, não era necessário entrar no apartamento deles. Gentileza vai, gentileza vem, o locatário xingou o locador de bundão com doutorado. Eu não poderia omitir aqui que o xingamento se deu usando o pronome pessoal formal do alemão “Sie”. Em português seria algo como dizer: “O senhor é um bundão com doutorado.”

Ora, muito ofendido, o doutor rescindiu o contrato imediatamente, sem nem dar um prazo razoável para que os inquilinos saíssem. No Brasil, segundo o art. 6º  da Lei 8.245, este prazo seria de no mínimo trinta dias. O casal não aceitou a rescisão. Recorreram então ao judiciário, que, diga-se de passagem, já conhecia de outros processos a conturbada relação destes três. Em sua defesa os inquilinos disseram que antes de o xingar de “doutor bundão”, o locador havia chamado o inquilino pelo pronome pessoal informal, ou seja, de “você” ao invés de “senhor” e o teria agredido fisicamente, portanto, a culpa era dele e a rescisão sem prazo era descabida.

O juiz do caso deu razão ao doutor e entendeu que a rescisão, daquela forma, era cabível. Não se poderia deixar que o locador suportasse mais, por nenhum minuto, aquela situação. A rescisão sem aviso prévio por conta do insulto foi considerada legítima. “Doutor bundão” não havia sido um mero xingamento, uma grosseriazinha suportável, era um ataque à honra do locador, que não deveria mais ser obrigado a conviver com aquele contrato. Para piorar o cenário da discórdia, as partes moravam no mesmo edifício, o que dificultaria ainda mais uma convivência pacífica depois do ocorrido. Além disso, os inquilinos não conseguiram provar que tinha sido o locador quem os provocou. A bem da verdade, uma rescisão provavelmente fez bem a todos. Afinal, nada pior do que não se sentir em casa, em casa…

Quanto ao doutorado, nem mesmo na hora da raiva, na hora do desrespeito ele foi esquecido. Os inquilinos nada tinham a ver com a profissão do locador, sua relação não era profissional, ainda assim, ele é doutor, ele pode até ser um bundão, mas um bundão com doutorado!

Deborah Alcici Salomão é Advogada | Doutora pela Justus-Liebig-Universität Giessen e Mestre pela Phillips Universität Marburg | Host dos podcasts Última Instância e As Advogadas.

A conversão da MP 936 em Lei

No início de abril do ano de 2020, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda ou MP 936 foi publicado como um dos mecanismos criados pelo Governo Federal para tentar reduzir os impactos causados pela pandemia do coronavírus. Mas, recentemente, tivemos a conversão da MP 936 em Lei. 

Como Medida Provisória, ela possuía os seguintes objetivos:

  • Preservar o emprego e a renda; 
  • Garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; 
  • Reduzir a jornada de trabalho e salário; e 
  • Suspender temporariamente o contrato de trabalho.

Ou seja, a MP 936 foi como uma luz no fim do túnel para as empresas e empregados que viram nela a possibilidade de manutenção das atividades empresariais e na conservação dos postos de trabalho. Então, durante a sua validade como MP, vimos as empresas utilizarem as suspensões contratuais de 60 dias e as reduções de jornada de salário, que variavam de 25% a 70%, com duração de até 90 dias. 

Contudo, o tempo passou e, por se tratar de uma Medida Provisória, sua eficácia é de no máximo 120 dias até ser ou não convertida em Lei. Nesse caso, a Lei 14.020/2020, publicada em 07 de julho de 2020, converteu a MP 936 e trouxe em seu texto algumas mudanças.

Antes de continuar a leitura, que tal assistir ao vídeo que preparamos sobre o assunto?

Quais foram as novidades trazidas pela Lei 14.020/2020?

De antemão, é necessário entender que a conversão da MP 936 em Lei não alterou os seus objetivos e segue sendo um Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Lembrando que suas disposições serão aplicadas enquanto perdurar o estado de calamidade pública reconhecido no Decreto Legislativo nº 06/2020

Mas, quando se fala em alterações, a principal delas é a possibilidade de prorrogação do benefício emergencial a critério da presidência da república que poderá, por meio de um decreto – norma expedida pelo chefe do executivo, ampliar os prazos de redução proporcional da jornada de trabalho e salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho.

Anteriormente, a MP 936 previa a redução de jornada e salário por até 90 dias e a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias. Ou seja, havia prazos máximos estipulados e, com a conversão em Lei, isso se alterou. Atualmente, os prazos continuam os mesmos, porém o Poder Executivo tem a possibilidade de ampliar esses períodos.

Contudo, não foi só essa a novidade. Abaixo, pontuamos algumas outras.

Setorização das Medidas

Os artigos 7º e 8º da Lei 14.020/2020 tratam da redução da jornada de trabalho e da suspensão temporária do contrato de trabalho e, como vimos, no que diz respeito aos prazos, eles continuam os mesmos, embora exista a possibilidade de serem prorrogados por meio de Decreto do Poder Executivo:

  • A redução da jornada e salário permanecem com prazo máximo de 90 dias; 
  • A suspensão do contrato de trabalho permanece com prazo máximo de 60 dias. 

Além disso, a novidade está na possibilidade de setorizar a aplicação das medidas, de forma departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho. Por exemplo: uma empresa poderá suspender ou reduzir os contratos apenas de um departamento. Nesse sentido, a Lei permite que as empresas concedam benefícios para seus setores mais afetados. 

Da mesma forma que houve alterações, algumas coisas se mantiveram, como o caso do percentual tanto da redução quanto da suspensão que será firmado por meio de um acordo individual ou através de acordo coletivo, com percentuais: de 25%, 50% e 70%, podendo ter outro percentual desde que previsto em norma coletiva.

Acordo individual ou coletivo

Ademais, outro ponto muito importante que foi alterado foi o artigo 12 que estipula quem pode firmar os acordos individuais ou negociações coletivas. Antes, a MP previa que quem poderia estabelecer os acordos individuais ou as negociações coletivas era o empregado que tivesse salário igual ou inferior a 3 salários mínimos (R$ 3.135,00), que fosse portador de diploma de nível superior e que recebesse salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (R$ 12.202,12). 

Ou seja, até então havia duas limitações: o salário e nível superior concluído. Hoje, com a Lei 14.020/2020, as limitações seguem o mesmo padrão (salário e nível superior), mas houve o acréscimo da receita bruta auferida pelo empregador no ano-calendário de 2019, entre outras mudanças que vão ser discutidas a seguir.  

Então, o acordo individual é permitido:

  1. o empregado com salário de até R$ 2.090,00, caso tiver auferido uma receita bruta superior a R$ 4.800.000,00;
  2. Ao empregado que possui salário igual ou inferior a 3 salários mínimos; e
  3. os portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a 2 vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (R$ 12.202,12).

Houve, também, uma flexibilização para empregados que não cumprem os requisitos mencionados (salário, nível superior e receita da empresa), quando a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário for apenas de 25%, ou quando o acordo não resultar em perda financeira para os empregados e, nesse caso, o acordo poderá ser firmado sem intermédio do sindicato. Contudo, a obrigatoriedade de comunicar o sindicato permanece no prazo de até 10 dias. 

Nos demais casos, isto é, para os empregados que não se enquadram nas situações e requisitos acima, o acordo somente poderá ocorrer por meio de convenção ou acordo coletivo. 

Acordos firmados durante a vigência da MP 936

Segundo o art. 24 da Lei 14.020/2020, os acordos (individuais ou coletivos) realizados durante a vigência da MP 936 mantêm sua validade e regem-se de acordo com a MP. Dessa forma, as novas regras se aplicam aos novos acordos, isto é, àqueles realizados após a conversão.

No entanto, a novidade é que há uma prevalência dos instrumentos coletivos de trabalho sobre os acordos individuais, como regra geral. De modo que, os acordos (individuais ou coletivos) possuem caráter interpretativo, ou seja, se um acordo coletivo ou uma convenção coletiva tiverem sido firmados posteriormente aos acordos individuais já vigentes e forem conflitantes, o art.12, §5º,I da Lei 14.020/2020 estabelece que as condições dispostas no acordo individual deverão ser aplicadas em relação ao período anterior ao da negociação coletiva. 

Assim, naquilo em que conflitarem com o acordo individual, passarão a prevalecer as condições estipuladas por meio de negociação coletiva (art.12, §5º, II). Mas, vale lembrar que, quando falamos sobre trabalhadores, o Direito busca se atentar ao Princípio da norma mais favorável. Como o próprio nome já diz, é a aplicação da norma mais favorável existente no ordenamento jurídico vigente, mesmo que seja necessário, inclusive, desprezar a hierarquia das normas jurídicas.

Por isso, quando as condições firmadas no acordo individual forem mais favoráveis ao trabalhador, prevalecerão essas condições sobre as estipuladas pelo instrumento coletivo de trabalho (art.12, §6º). E, por fim, outra inovação no que diz respeito aos acordos, é que a Lei possui uma previsão expressa de que os acordos individuais escritos poderão ser realizados por quaisquer meios físicos ou eletrônicos.

Gestantes e adotantes

Durante a vigência da MP 936, a situação das gestantes e adotantes eram bastante discutidas e, por isso, a Lei trouxe um tratamento específico. Antes, não havia nenhuma previsão legal, as empresas então tinham que buscar soluções nas leis trabalhistas gerais, no que dizia respeito à licença-maternidade, ao salário-maternidade, entre outras questões relacionadas.

Assim, com o advento da Lei 14.020/2020 algumas regras foram estabelecidas. De acordo como art. 22 da Lei, as gestantes e adotantes poderão ter a redução da jornada e salário ou a suspensão do contrato de trabalho, ou seja, elas poderão participar do Programa de Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

No que diz respeito à estabilidade – uma garantia que o empregado ou empregada possui por um período de tempo, no qual não poderá ser demitido, exceto por justa causa, as gestantes terão a garantia provisória do emprego  durante o período acordado de redução ou de suspensão do contrato e após seu o restabelecimento, por período equivalente ao acordado para a redução ou a suspensão, contados a partir dos 5 meses após o parto (art.10, III)

Para ficar mais claro,  a gestante primeiro cumprirá a garantia de emprego que é de 5 meses após o parto. Posteriormente, ao término desta garantia é que a outra se iniciará, isto é, a estabilidade quanto à garantia de emprego estabelecida pelo programa. O período dessa estabilidade que irá depender do tempo em que houve a redução ou a suspensão do contrato de trabalho. 

Essa regra também se aplica aos que adotarem ou obtiverem guarda judicial com a finalidade de adoção, mas devem ser observadas outras diretrizes, como a Lei 8.213/91, que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social (art.22,§2º) 

Aposentados e deficientes

Para o aposentado, a Lei 14.020/2020 continua vedando o recebimento dos benefícios por parte do governo, pois já recebe aposentadoria, embora tenha trazido uma novidade: os aposentados foram incluídos na possibilidade de fazerem parte das medidas de redução proporcional de jornada e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho. 

Porém, isso só será possível por meio de acordo individual, segundo o  artigo 12, §2º, quando o empregador pagar a ajuda compensatória mensal, sendo que esta ajuda deverá ser equivalente ao do benefício pago pelo Governo e sua base de cálculo será a do seguro-desemprego. 

Já no que tange ao empregado portador de deficiência, continua vedada a sua dispensa, sem justa causa, durante o estado de calamidade pública, ou seja, até 31 de dezembro de 2020.

Ajuda compensatória mensal: o que é? E como fica a partir da conversão da MP 936 em Lei?

Quem leu o artigo sobre a MP 936, já sabe que a ajuda compensatória mensal trata-se de um pagamento realizado pela empresa ao trabalhador, como o próprio nome já diz, para compensar a perda salarial decorrente da crise ocasionada pelo coronavírus. Essa ajuda, era cumulada com o Benefício Emergencial, pago pelo Governo e seu valor era definido por acordo individual ou coletivo. 

Após a conversão da MP 936 em Lei, permanece obrigatório que as empresas que tiverem uma renda bruta maior que R$ 4,8 milhões, somente podem suspender o contrato de trabalho se for pago ao empregado a ajuda compensatória mensal e, nesse caso, a ajuda não poderá ser inferior a 30% do salário e facultativa para as demais situações. 

Porém, ela passa a ser obrigatória também para: os acordos de suspensão dos contratos em empresas que tiveram receita bruta superior a R$ 4,8 milhões em 2019; os acordos individuais para redução ou suspensão do contrato, quando não resultar na diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado ,estando incluídos nesse valor o benefício emergencial e a própria ajuda compensatória; e para os acordos individuais de redução ou suspensão do contrato dos empregados aposentados, como vimos no item anterior. 

Então, o que havíamos percebido com a MP 936 continua a mesma coisa: ela trouxe uma série de mudanças para os empregadores e empregados. Mas, com a conversão em Lei, algumas lacunas foram preenchidas, como é o caso das gestantes e outras foram acrescentadas, como vimos na ajuda compensatória, nos empregados aposentados, entre outras. 

As discussões ainda continuam. Muito se fala sobre a MP e agora Lei,  ser benéfica ou não ao empregado e também aos empregadores. Se gostou do conteúdo e que saber mais sobre as MPs que tornaram-se Leis, deixe nos comentários! 

Saiba como fica a recontratação de funcionários demitidos na pandemia

A Portaria nº 16.655, de 14 de julho de 2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, trata da recontratação de funcionários demitidos na pandemia, como mais uma medida governamental para minimizar os efeitos da consequente crise econômica.

O governo vem tomando medidas frequentes de enfrentamento à crise econômica decorrente do estado de emergência e das paralisações no combate ao Covid-19.

Poucos dias antes da publicação da Portaria nº 16.655 foi regulamentada a possibilidade de suspensão provisória do contrato de trabalho e, também, de redução da jornada de trabalho e, proporcionalmente, do salário, como medidas trabalhistas com o fim de manter o emprego e o funcionamento das empresas.

Esses procedimentos foram fixados com o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda instituído pela Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, convertida na Lei nº 14.020, publicada em 06 de julho de 2020.

Já a Portaria nº 16.655 permite a recontratação antes de completados os noventa dias da rescisão, conforme se lê no primeiro de seus dois únicos artigos:
Art. 1º Durante o estado de calamidade pública de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, não se presumirá fraudulenta a rescisão de contrato de trabalho sem justa causa seguida de recontratação dentro dos noventa dias subsequentes à data em que formalmente a rescisão se operou, desde que mantidos os mesmos termos do contrato rescindido.

Importante ressaltar que a Portaria retroage ao dia 20 de março de 2020, que é a data do Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

O referido Decreto reconheceu o estado de calamidade pública e constituiu a Comissão Mista do Congresso Nacional para “[…] acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas à emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19)”.

Sendo assim, quem foi demitido, sem justa causa, após o dia 20 de março, poderá ser recontratado mesmo que não tenham decorrido 90 dias.

Da mesma maneira, é importante observar o parágrafo único, que destaca:
A recontratação de que trata o caput poderá se dar em termos diversos do contrato rescindido quando houver previsão nesse sentido em instrumento decorrente de negociação coletiva.

Desse modo, não sendo mantido o contrato como era quando da rescisão, deve haver previsão para recontratação em acordo ou convenção coletiva.

A medida criada pela Portaria 16.655 se deu diante do disposto na Portaria nº 384 de 19.06.1992, do Ministro de Estado do Trabalho, que trata da simulação da rescisão contratual.

A Portaria nº 384 afirma a necessidade de fiscalização de “dispensas fictícias”, que são realizadas com o fim de levantar o depósito da conta de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço do trabalhador. 

O procedimento é considerado fraude porque diminui os valores constantes na conta do FGTS, que são utilizados pelo governo. Nesse sentido, a Portaria explica que:
[…] tal procedimento caracteriza-se como fraudulento, não só em razão do fracionamento do vínculo de emprego, mas também em decorrência da diminuição de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o que determina correspondente redução de importâncias a serem aplicadas na construção de habitações populares, obras de saneamento urbano e infra-estrutura […].

As simulações são identificadas nos casos de recontratação, nos moldes do artigo 2º, ou quando o funcionário continuava trabalhando na empresa mesmo sem o vínculo, conforme  o artigo 1º, que expõe:
Art. 1º A inspeção do trabalho dará tratamento prioritário, entre os atributos de rotina, à constatação de casos simulados de rescisão do contrato de trabalho sem justa causa, seguida de recontratação do mesmo trabalhador ou de sua permanência na empresa sem a formalização do vínculo, presumindo, em tais casos, conduta fraudulenta do empregador para fins de aplicação dos §§ 2º e 3º, do art. 23, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

O artigo 2º da Portaria nº 384 denomina fraude o procedimento dentro do seguinte requisito: 
Art. 2º Considera-se fraudulenta a rescisão seguida de recontratação ou de permanência do trabalhador em serviço quando ocorrida dentro dos noventa dias subseqüentes à data em que formalmente a rescisão se operou.

Sendo assim, era proibida a recontratação antes de 90 dias da rescisão sem justa causa.

Em consequência da fraude pela recontratação, na forma do disposto na Portaria nº 384, havia, ainda, a possibilidade de fraude quanto ao seguro-desemprego, caso em que se aplicaria o artigo 25 da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego e menciona:
Art. 25. O empregador que infringir os dispositivos desta Lei estará sujeito a multas de 400 (quatrocentos) a 40.000 (quarenta mil) BTN, segundo a natureza da infração, sua extensão e intenção do infrator, a serem aplicadas em dobro, no caso de reincidência, oposição à fiscalização ou desacato à autoridade.

Dito isso, é possível constatar que a permissão constante da Portaria nº 16.655 contraria o disposto na Portaria nº 384 por permitir a recontratação antes de completados os noventa dias da rescisão sem justa causa.

No entanto, de acordo com o preâmbulo da Portaria mais recente a permissão foi concedida:
Considerando a necessidade de afastar a presunção de fraude na recontratação de empregado em período inferior à noventa dias subsequentes à data da rescisão contratual, durante a ocorrência do estado de calamidade pública de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 […].

Portanto, entendeu-se pela necessidade de afastar o impedimento de recontratação no prazo de 90 dias ante a calamidade pública que acomete o país.

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Este artigo é de autoria de Elen Moreira e realizado em parceria com o Instituto Direito Real. Elen é advogada especialista em Direito Público. Conciliadora e colaboradora do CEJUSC/TJSC. Representante da OAB/SC – 23ª Subseção no Conselho Municipal de Saúde e Membro da Comissão de Políticas de Combate às Drogas.

O depósito recursal na Justiça do Trabalho

O depósito recursal é um tema absolutamente relevante no Direito Processual do Trabalho e, por consequência, de aplicação prática no dia a dia de advogadas e advogados trabalhistas.

O que é ele? Quando é necessário realizá-lo? Qual é o seu destino ao fim do processo? Existem situações em que não é preciso fazer o depósito recursal?

Para compreendermos todos os detalhes deste assunto e respondermos às indagações formuladas, é importante entendermos a finalidade do depósito recursal. Ela é bem simples: garantia antecipada do juízo.  A partir desta compreensão, fica fácil destrincharmos os seus principais aspectos.

O que é o depósito recursal trabalhista?O depósito recursal é um pressuposto recursal objetivo dos recursos trabalhistas (art. 899, da CLT), especificamente do Recurso Ordinário, do Recurso de Revista, do Recurso de Embargos (para a SBDI-1) e do Agravo de Instrumento. Isto significa, que se ele não for realizado, o recurso interposto será considerado deserto, ou seja, não terá seu mérito analisado.

Todavia, por se tratar de garantia antecipada do juízo, podemos perguntar: ele deve ser efetuado tanto pelo Reclamante, quanto pelo Reclamado? A resposta é negativa! Tendo em vista que o Reclamante, via de regra, é o trabalhador e o suposto credor em um processo judicial, em caso de total improcedência do pedido ele, obviamente, terá o interesse em recorrer. Nesta hipótese, não é necessário o depósito recursal, na medida em que, como já salientado, ele busca é o recebimento de um crédito na Justiça do Trabalho, não tendo sentido a eventual exigência de depósito recursal.

Seguindo a mesma lógica, temos aquelas ações cuja natureza jurídica é meramente declaratória, isto é, que não tem nenhum valor econômico. A título exemplificativo, cita-se a reclamação trabalhista em que o trabalhador pleiteia a emissão de novo Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) pela empregadora. Este documento traduz o histórico-laboral do trabalhador que reúne, dentre outras informações, dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica, durante todo o período em que este exerceu suas atividades na respectiva empresa. Ele é necessário para o trabalhador obter eventual aposentadoria especial junto ao INSS.

Neste contexto, caso o pedido do trabalhador seja julgado procedente, a empresa terá o direito de apresentar recurso, nos termos do art. 5º, inciso LV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), não sendo necessária a realização de depósito recursal trabalhista, justamente pela ausência de conteúdo econômico. 

A Súmula nº 161 do Tribunal Superior do Trabalho é justamente neste sentido:

DEPÓSITO. CONDENAÇÃO A PAGAMENTO EM PECÚNIA (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Se não há condenação a pagamento em pecúnia, descabe o depósito de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 899 da CLT (ex-Prejulgado nº 39).

Agora, vamos analisar as regras que envolvem aqueles processos em que a Reclamada foi condenada ao pagamento de algum valor, como nas hipóteses de horas extras ou verbas rescisórias.

Na sentença, sempre, deve ser fixado um valor à condenação ali imposta. Trata-se de quantia estimada pelo juízo, haja vista que o montante exato somente será apurado ao fim do processo, em liquidação de sentença.

Para melhor explicar o funcionamento deste depósito recursal trabalhista, vamos partir de um exemplo em que o citado valor arbitrado pelo juízo foi de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Nesta situação, a Reclamada será obrigada a depositar esta expressiva quantia para que seu recurso seja analisado pela instância superior? Isto não seria razoável. Em julho de cada ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) edita uma norma prevendo os valores máximos a serem depositados para cada espécie recursal. Em 13 de julho de 2020 foi editado o ATO SEGJUD.GP Nº 287, que instituiu os seguintes limites:

artigo depósito recursal na justiça do trabalho ato segjud

Dessa forma, se a sentença fixou o valor da condenação em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a Reclamada terá que efetuar o depósito recursal no valor máximo atribuído para o Recurso Ordinário, que é de R$ 10.059,05 (dez mil e cinquenta e nove reais e quinze centavos).

Dando continuidade ao trâmite desse processo, o Recurso Ordinário será julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Vamos supor que ele mantenha a decisão de primeira instância e a Reclamada queira interpor Recurso de Revista para o TST. Nesta situação, o depósito recursal será no valor de R$ 20.118,30 (vinte mil e cento e dezoito reais e trinta centavos).

Vamos, agora, imaginar um segundo exemplo, em que o valor arbitrado à condenação, na sentença, tenha sido R$ 8.000,00 (oito mil reais). Nesta situação, a Reclamada terá que efetuar depósito recursal no mencionado montante, ou seja, R$ 8.000,00 (oito mil reais), haja vista que sua natureza jurídica é de garantia. Assim, não tem sentido exigir garantia superior ao valor de condenação, razão pela qual se deve ter em mente que o valor na tabela do TST é o limite a ser recolhido para cada recurso.

Supondo que também neste caso o TRT mantenha a condenação, poderá a Reclamada interpor o Recurso de Revista, sendo desnecessário o depósito recursal trabalhista, na medida em que o valor da condenação já está totalmente depositado à disposição da Justiça do Trabalho.

Diga-se, de passagem, que o depósito recursal somente pode ser liberado ao Reclamante caso haja o trânsito em julgado da reclamação trabalhista, já tendo sido apurado, com exatidão, o valor devido no processo.

Como explicado, anualmente, o TST reajusta os valores limite para o depósito recursal trabalhista relativo a cada um dos recursos. Eles devem ser utilizados a partir de 1º de agosto, mesmo que o início do prazo do recurso a ser interposto tenha iniciado quando da vigência dos valores anteriores. Por exemplo, a sentença foi publicada em 27/07/2020, segunda-feira. Neste caso, o prazo fatal para interposição do Recurso Ordinário é dia 06/08/2020, quinta-feira. Caso a interposição se dê neste dia, o Recorrente deverá levar em consideração os novos valores, cuja tabela foi acima reproduzida. Todavia, ele pode optar por interpor o Recurso Ordinário no dia 31/07/2020, hipótese que será regida pela tabela antiga do TST, cuja vigência se iniciou em 01/08/2019.

Analisando os valores limite para o depósito recursal, nota-se a ausência de sua previsão para fins de Recurso Extraordinário, que pode ser interposto após esgotada a possibilidade de interposição de recursos no TST. Isto ocorre em virtude da decisão proferida pelo pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 22/05/2020, que entendeu pela desnecessidade de depósito recursal para o Recurso Extraordinário em matéria trabalhista. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral (Tema 679):

“Surge incompatível com a Constituição Federal exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade do recurso extraordinário, no que não recepcionada a previsão constante do § 1º do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo inconstitucional a contida na cabeça do artigo 40 da Lei nº 8.177/1991 e, por arrastamento, no inciso II da Instrução Normativa nº 3/1993 do Tribunal Superior do Trabalho.”

Diante do exposto, ainda que o valor da condenação não esteja integralmente depositado, não é necessário novo depósito recursal trabalhista para fins de Recurso Extraordinário.

Detalhe que não pode passar despercebido, diz respeito ao prazo para a comprovação do depósito recursal. Ele é sempre idêntico ao prazo do recurso a que se vai interpor, ou seja, 8 (oito) dias úteis para fins de Recurso Ordinário, Recurso de Revista, Recurso de Embargos e Agravo de Instrumento. Entretanto, se o Recurso Ordinário, por exemplo, foi interposto no segundo dia de prazo, é possível junto no processo o comprovante do depósito recursal posteriormente? A resposta está na Súmula n. 245, do TST, cuja redação é a seguinte:

DEPÓSITO RECURSAL. PRAZO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
O depósito recursal deve ser feito e comprovado no prazo alusivo ao recurso. A interposição antecipada deste não prejudica a dilação legal.

Na situação narrada é possível, portanto, a apresentação do comprovante do depósito recursal até o último dia do prazo do recurso, mesmo ele tendo sido apresentado no segundo dia do seu transcurso.

Quando o depósito recursal foi feito a menor, mas foi juntado no processo o comprovante de seu recolhimento, o entendimento do TST é no sentido de que deve ser concedido à parte no prazo de 5 (cinco) dias para complementação do valor faltante. Veja o disposto na Orientação Jurisprudencial n. 140, da SBDI-1, do TST:

DEPÓSITO RECURSAL E CUSTAS PROCESSUAIS. RECOLHIMENTO INSUFICIENTE. DESERÇÃO.  (nova redação em decorrência do CPC de 2015) – Res. 217/2017 – DEJT divulgado em 20, 24 e 25.04.2017
Em caso de recolhimento insuficiente das custas processuais ou do depósito recursal, somente haverá deserção do recurso se, concedido o prazo de 5 (cinco) dias previsto no § 2º do art. 1.007 do CPC de 2015, o recorrente não complementar e comprovar o valor devido.

Esta situação é completamente diferente daquela em que o depósito recursal trabalhista foi realizado, mas o Recorrente não juntou o comprovante nos autos. Neste caso, infelizmente o Recurso será considerado deserto, sem que seja necessária a concessão de prazo para sanar este equívoco do advogado ou advogada. Neste sentido, é pacífica a jurisprudência do TST:

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. DESERÇÃO. RECURSO DE REVISTA. GUIA RECURSAL. AUSÊNCIA DO COMPROVANTE DE PAGAMENTO. O Tribunal Regional registrou expressamente que a recorrente, para comprovar a satisfação do depósito recursal referente ao recurso de revista, juntou aos autos apenas o comprovante de pagamento, sem contudo carrear aos autos a guia de recolhimento respectiva. Desse modo, não se discute a insuficiência de depósito recursal, mas sim a própria ausência de comprovação da efetiva quitação do depósito recursal, razão pela qual inaplicável na espécie o contido na Orientação Jurisprudencial n.º 140 da SBDI-1 do TST, segundo a qual ” em caso de recolhimento insuficiente das custas processuais ou do depósito recursal, somente haverá deserção do recurso se, concedido o prazo de cinco dias previsto no § 2.º do art. 1.007 do CPC de 2015, o Recorrente não complementar e comprovar o valor devido”. Frise-se que, nos termos da Súmula nº 245 do TST, “o depósito recursal deve ser feito e comprovado no prazo alusivo ao recurso”. Agravo não provido “ (Ag-AIRR-10098-90.2017.5.18.0141, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 26/06/2020).

Por fim, deve-se atentar para o fato de que durante o transcurso da fase de conhecimento da reclamação trabalhista, é possível iniciar a execução provisória. Assim, tem-se um “processo paralelo”, ao qual é atribuída outra numeração, em que irá ser apurado o valor exato devido, caso prevaleça a decisão até então vigente. Nesta fase também são discutidas as questões atinentes a juros, correção monetária e tudo mais que não tenha relação com o mérito da demanda, mas com os cálculos e seus acessórios.

Uma vez homologado o cálculo pelo juízo, a parte devedora, denominada de Executada, será intimada para pagar a dívida ou dar bens à penhora, no prazo de 48 (quarenta e oito horas), conforme determina o art. 880, da CLT. 

Vamos partir da premissa que esta determinação ocorreu em um processo cujo valor da condenação foi arbitrado, em primeira instância, como sendo R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), decisão esta que foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho. A fim de facilitar o raciocínio, vamos levar em consideração que o Recurso Ordinário e o Recurso de Revista foram interpostos após 01/08/2020, sendo aplicável, portanto, os valores limites de depósito recursal acima reproduzidos. Neste exemplo já teriam sido depositados R$ 10.059,05 (dez mil e cinquenta e nove reais e quinze centavos), quando da interposição do Recurso Ordinário, e R$ 20.118, 30 (vinte mil, cento e dezoito reais e trinta reais), no momento da interposição do Recurso de Revista, totalizando R$ 30.177,35 (trinta mil, cento e setenta e sete reais e trinta e cinco centavos). Neste cenário, o devedor foi intimado para pagar o valor devido ou dar bens à penhora. Ele terá que efetuar o depósito judicial de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)?

Claro que não! Como a natureza jurídica do depósito recursal trabalhista é de garantia, os valores dos depósitos recursais devem ser abatidos para o cumprimento da ordem judicial, conforme previsto na Súmula n. 128, do TST.

Dessa forma, no exemplo, o valor que o Executado terá que depositar no prazo de 48 (quarenta e oito) horas será de R$ 19.822,65 (dezenove mil, oitocentos e vinte e dois reais e sessenta e cinco centavos), que é justamente a diferença entre o valor arbitrado à condenação (R$ 50.000,00) e os depósitos recursais já realizados (R$ 30.177,35).

Diante do exposto, fique atento à sistemática do depósito recursal trabalhista. Pode parecer simples, mas existem diversos detalhes que devem ser muito bem observados, sob pena de causar prejuízo irreparável para seu cliente!

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Este artigo foi realizado em parceria com Júlio Baía, que é advogado, professor, mestre em Direito do Trabalho e idealizador do projeto Descomplicando o Direito do Trabalho, que fornece conhecimentos práticos para estudantes e profissionais na aplicação correta na área.